Crisis management muito boaFrancisco Viana*

"Crises de comunicação são icebergs: o que se vê no noticiário é a ponta, mas existe um maciço gigantesco submerso."

Mario Rosa, Entre a Glória e a Vergonha

Não seria esse o mesmo mistério a envolver as "Memórias" de um consultor de crises, de Mario Rosa? Será que o livro não chama atenção mais pelo que não diz do que pelo relato de uma carreira aparentemente vitoriosa, se o critério for nomes estrelares, e pelas consultorias, pagas ou não, a julgar pelo que diz o autor? Em todo o caso, o livro sugere três conclusões e muitas questões, todas interligadas.

Vamos às conclusões, primeiro: Rosa nunca foi um camareiro em Versalhes, mas sim um príncipe que falou com os deuses (caídos ou não, envolvidos em escândalos ou grandes negócios, vencidos ou não), se é que Brasília pode ser assim ser chamada. É, evidente, que pode, se o critério for a miopia e a surdez: enquanto o povo amarga desemprego, impostos que desafiam a gravidade, e grande dificuldade para encarar o dia a dia, a corte vive mergulhada em majestosa alienação, alheia a tudo que se pareça com o Brasil real, não parecendo sensível a nenhuma ameaça, salvo o clamar público contra a corrupção.

Nesse mundo paralelo, o consultor de crises circulava com desenvoltura, dando as cartas da “comunicação de crise”  quando considerava oportuno e participando do jogo, pois se fosse diferente não seria regiamente pago – camareiros ganham pouco e não escolhem patrões, muito menos gritam e dizem o que pensam quando lhes convém – e não seria frequentador da Versalhes plebeia, mas privilegiada. Basta seguir o relato e seus bastidores para constatar que estamos lidando com um príncipe, tão ou mais importante do que aqueles que necessitavam dos seus serviços e procuravam consultá-lo.

mario rosa 2A segunda conclusão é, como assinala o próprio Mario Rosa, “escândalos eletrocutam a alma” e, nesse particular o próprio autor é um exemplo. Escreveu o livro, ao que tudo indica, para se defender das investigações da Operação Acrônimo, da Polícia Federal, que investiga seus vínculos com suposta lavagem de dinheiro, mas mesmo antes que ocorra um desfecho, já se revela ferido na alma, eletrocutado. Perdeu reputação, perdeu clientes, perdeu… o sono, digamos assim. E tudo porque tinha negócios com Carolina Oliveira, jornalista e mulher do Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. Seriam os contratos dos quais Rosa fala em suas memórias apenas a ponta do iceberg? O que mais estaria submerso e que pode vir à tona? Não se trata de julgar antecipadamente Rosa, mas de olhar o seu livro por um outro ângulo, escrutinar as dúvidas que dele afloram.

Por fim, o livro de Mario Rosa, publicado no UOL, merece ser lido. Lido e Relido. Além de informações preciosos sobre os bastidores da crises que vêm abalando a República (claro, sem nenhuma revelação mais forte), despem o oficio de gestor de crise de qualquer romantismo. Rosa é sem duvida um dos mais experientes consultores políticos e empresariais do pais, mas comprometido com a arte de iludir e ser iludido bem ao gosto de parte das elites. É ele mesmo quem diz a certa altura que seu papel é manter o status quo – ver o capítulo que trata do enfrentamento de Abílio Diniz com o grupo Cassino da França- , o que é o mesmo que se revelar impermeável às mudanças.

Nesse momento é que surgem as questões: o que é a comunicação? Quais os seus limites éticos? Rosa fazia gestão de crises ou fazia propaganda como faz o marqueteiro político Duda Mendonça, declaradamente identificado como seu mestre? Ou seguia a linha do mago Paulo Coelho, outro dos seus mentores, também segundo ele? São questões que afloram naturalmente da leitura e são reforçadas pelo magnetismo das memórias. Fica, no final, uma constatação: a pobreza intelectual das ditas elites da nossa Versalhes tupiniquim.

Mario rosa 3Ao longo de todo o livro, Rosa não cita um teórico nem faz uma referência à filosofia da comunicação, tão vasta em conceitos, tão rica em pensadores, limitando-se a autoajuda. A diferença entre a teoria da comunicação, sobretudo a Teoria Crítica, é que há uma diferença qualitativa entre "como as coisas são” e “como as coisas poderiam ser”. São lógicas diferentes. A teoria da comunicação, pelo conjunto de ideias, permite um conhecimento aprofundado dos problemas, suas origens, seus desdobramentos e, inclusive, o exercício das previsões. A autoajuda é meramente normativa. Abandona as causas estruturais e concentra-se em recomendações do que fazer. Abdica de enxergar o mundo real nas suas nuanças e potencialidade, na perspectiva do vir a ser que tem seu embrião no próprio existente. Por exemplo, os casos de corrupção e as sucessivas prisões que determinaram, indicam uma nova etapa na vida social, com crescente intolerância para esse tipo de prática.

Seria essa a fonte de tantos fracassos, a autoajuda, acondicionados sob a “glória” aparente? Certamente, sim, Comunicação de verdade não se confunde com propaganda e marketing, não se confunde com autoajuda. Não inspira desconfiança, mas sim confiança. Procura, sim, revolver as causas, as estruturas. Lidar com autoajuda é adiar os problemas ou simplesmente varrê-los para debaixo do tapete. Se o lixo se acumula muito, chega o dia em que não há mais como escondê-lo.

Eis uma outra forma de ler as Memórias de Mario Rosa: vê-la à luz da crítica, não como uma prática transformadora das relações comunicacionais vigentes, com seus embates e conflitos, mas como caminho para manter tudo como está, como se a realidade fosse imóvel e os problemas se resolvessem por geração espontânea. E a sociedade não fosse plural e a caminho da construção de questionadora democracia.

*Doutor em Filosofia Política (PUC-SP).

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