chapecoense vooO Brasil tem uma nova Santa Maria. O trágico acidente com o avião da empresa LaMia, ocorrido na madrugada de 29 de novembro*, em Medellín, na Colômbia, que vitimou 71 pessoas, é a triste crônica da crise anunciada. Repete a sucessão de erros que estão por trás do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, que matou 242 jovens em janeiro de 2013: irresponsabilidade, desonestidade, ganância, falta de básicos princípios de gestão de riscos e de fiscalização. Em Medellín, morreram 19 membros do Chapecoense, entre o time titular, reservas, dirigentes e empregados. Além de 21 jornalistas, total de brasileiros mortos chegou a 64.

Todas as informações até agora apuradas, circulando na imprensa, com a opinião de especialistas em aviação, pilotos, sobreviventes e autoridades da Colômbia dão conta de que essa tragédia poderia ser evitada com um mínimo de gestão de risco por parte dos gestores e do piloto da empresa venezuelana LaMia; e também por parte dos dirigentes da Chapecoense. Trata-se do maior acidente envolvendo times de futebol na história, pela quantidade de vítimas. Seis pessoas sobreviveram: três jogadores, um jornalista e dois membros da tripulação.

A armadilha em que a Chapecoense caiu

Se analisarmos o acidente friamente, do ponto de vista da gestão, podemos assegurar sem medo de errar que o acidente enquadra-se tipicamente na categoria daquelas crises que poderiam ser evitadas. Essas crises representam mais de 90% de todos os casos graves ocorridos no mundo. Todos os indicativos, ainda sem conclusões oficiais, indicam que a Chapecoense contratou uma empresa de fachada, um avião pirata, daqueles que não apenas têm problemas de equipamento ultrapassado, possível falta de manutenção, mas também imbróglios administrativos e legais, além da irresponsabilidade do piloto e demais membros da administração (se é que existia) dessa empresa irresponsável, em não prever reabastecimento durante uma rota sabidamente no limite perigoso de autonomia da aeronave. E não era por falta de conhecimento. Especialistas apontam que o modelo padrão da aeronave não tinha autonomia suficiente para voar de Santa Cruz de La Sierra a Medellín, por 2.975 km, mesmo em linha reta. Até porque a ficha técnica desse avião aponta uma autonomia de 2.965 km.

Ao voar no limite do combustível, o piloto descumpria normas internacionais que determinam que os aviões devam ter autonomia suficiente não apenas para chegar ao destino, mas, ainda ter combustível que permita voar com folga para o aeroporto de alternativa, e mais um adicional de combustível, calculado com base nas normas internacionais, como margem de segurança. Ele deveria ter pelo menos mais 1h45 de autonomia de voo, além do percurso que estava fazendo. Isso também fere a legislação da Colômbia, que obriga empresas aéreas a voar com autonomia até o aeroporto alternativo. Na Bolívia, por exemplo, as normas exigem combustível para a) cumprir a viagem até o destino final; b) chegar até um aeroporto auxiliar mais próximo do destino; e 3) sobrevoar 45 minutos sobre este segundo aeroporto. O que realmente a a LaMia não obedeceu.

Qual seria a alternativa correta da Chapecoense? Especialistas recomendam, mesmo em fretamento, dar preferência em voos de longa distância a empresas tradicionais, de reconhecida idoneidade. Empresas de voos charter precisam ser conhecidas do mercado, de tradição, com tripulações bem treinadas e habituadas a cumprir todas as normas vigentes, preferencialmente com frota nova, o que não foi o caso. Uma pesquisa sobre a empresa LaMia, como fez a mídia brasileira em menos de 24 horas, sem muito trabalho, poderia mostrar aos dirigentes da Chapecoense quem eram os proprietários, quem era o piloto e em que tipo de aeronave eles iriam voar. Faltou assessoramento em gestão de riscos na diretoria da Chapecoense, o que teria evitado essa decisão imprudente e temerária de colocar os atletas, dirigentes e convidados numa autêntica arapuca. O que também faltou à seleção da Argentina, há duas semanas, quando usou o mesmo avião.

Esse acidente não pode ser classificado como uma fatalidade. Ou um risco inerente ao transporte aéreo. Ele decorre de práticas banais de falta de prevenção, como voar com combustível insuficiente para casos de emergência e até mesmo para cumprir a rota. As pessoas naquele avião foram vítimas dessa irresponsabilidade, sob a complacência da diretoria da empresa, que certamente sabia das estripulias do piloto - vários depoimentos agora comprovam isso -, que evitava descer em aeroportos alternativos e abastecer o avião, para não pagar as taxas de pouso e decolagem. Naturalmente, uma decisão errada de gestão, se é que havia gestão nessa empresa, que só se explica pela ganância, falta de ética e de responsabilidade. O preço a pagar deve ser muito caro, porque a tragédia e os crimes cometidos, infelicitando dezenas de famílias, não pode ter contemplação.

A empresa e o avião

ChapecoenseTrata-se de uma companhia venezuelana, com autorização para voar a partir da Bolívia. O proprietário é um ex-parlamentar da Venezuela, que se tornou lobista de executivo chinês, atualmente preso. Ele transferiu os negócios para a Bolívia em 2015, porque tinha problemas na Venezuela. É uma empresa enrolada e que não tem qualquer credibilidade no mercado, até porque a história de sua criação, na época de Hugo Chávez, mais parece um negócio de família. É muito comum, no setor aéreo, aventureiros que sonharam ser pilotos e empresários comprarem um avião usado, barato, e criarem empresas pequenas para voos charter. A LaMia era especializada em transportar times de futebol. A Conmebol a teria recomendado para várias equipes, o que torna essa relação ainda mais suspeita. Qual o interesse da Conmebol nessa pequena empresa, como se vê agora, sem qualquer credibilidade? Provavelmente, o dono descobriu um filão nesse campo meio suspeito do futebol, do ponto de vista financeiro, em que receitas e despesas caminham sempre numa via muito nebulosa.

A empresa possuía um único avião em operação. O avião acidentado era um modelo Avro-RJ85, com capacidade para 85 passageiros e autonomia limitada a  pouco mais de 4 horas. A fabricante britânica deixou de produzi-lo em 2002. É um modelo ultrapassado, superado por aviões mais modernos e seguros. Os outros três aviões da empresa estariam em manutenção. Logo após o acidente, pilotos experientes já declaravam que o modelo não teria autonomia segura para fazer voo direto de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, a Medellín, na Colômbia, com segurança. Isso porque chegaria ao destino no limite do combustível, como mostram agora todas as evidências. Qualquer imprevisto, como aconteceu e todas as testemunhas, a torre de controle e o pedido de socorro do piloto asseguram, colocaria o voo em alto risco. Tudo aponta para “pane seca” como causa do desastre, ou seja, o avião ficou totalmente sem combustível. Se comprovado, além de violar a lei, representa total irresponsabilidade do comandante e dono da empresa.

“Nem faísca, nada de fogo mesmo, pane seca”, disse um piloto às primeiras horas da manhã de ontem. "Estamos em falha total, elétrica e de combustível", diz o último comunicado do piloto do Avro. Segundo especialistas em comunicação aeronáutica, ele não declara somente a falta de combustível, porque essa falha grave durante um pouso implica multas milionárias para a companhia e a grande possibilidade de ter a licença cassada. Não esquecer que o piloto é dono empresa. Depoimentos de colombianos que mantinham contato ou fizeram negócios com esses aventureiros confirmam que eles sempre andavam no limite do combustível para evitar pousar em aeroportos para abastecer, porque isso implicaria um alto custo para a empresa. Os aeroportos cobram tarifas elevadas para pousos e decolagens. No caso, o mais prudente teria sido fazer uma escala técnica para abastecimento no aeroporto de Cobija, na fronteira com a Bolívia, mas que não funciona à noite, ou, mais fácil, em Bogotá. A investigação já mostrou que esse piloto e avião andavam sempre no limite da irresponsabilidade, colocando vidas em risco.

aviao da LamiaO tripulante Erwin Tumiri, que sobreviveu e está fora de perigo, a princípio havia dito que houve pânico a bordo, fato negado pelos demais sobreviventes. Todos estavam sentados, com os cintos afivelados, e não houve qualquer aviso de alerta ou pouso de emergência. Ou seja, a tripulação, sob responsabilidade do piloto, não sabia o risco que corria o voo. O tripulante disse que seguiu os protocolos de segurança, ao ficar na posição fetal, com o cinto afivelado e com uma maleta entre as pernas. O mesmo fez o jornalista Rafael Henzel, ferido e ainda internado.

A cia. aérea se manifestou por meio de um diretor e disse que uma das possibilidades apuradas é a falta de combustível. Mas um dos donos, para criar uma outra teoria, disse que “um raio provavelmente provocou o acidente”. Hipótese afastada. Nesta quinta, apareceu o CEO da empresa, Gustavo Vargas para dizer que o piloto desrespeitou o plano de voo. "O avião deveria ter reabastecido em Bogotá" ao invés de seguir viagem para Medellín. Isso foi posteriormente desmentido, quando foi revelado o Plano de voo, no aeroporto de Santa Cruz, na Bolívia. Ele previa o voo direto Santa Cruz-Medellín. O diretor da aviação civil da Colômbia disse que um possível desabastecimento, se ocorreu, é algo “muito grave”, porque o avião estava a cinco minutos da aterrisagem e isso não poderia acontecer.

Lições da crise

Que lições podemos tirar dessa tragédia? A principal delas é conferir todas as informações das empresas contratadas, isso vale para qualquer tipo de serviço contratado por pessoa jurídica ou física. Quando existem vidas em jogo, a responsabilidade ainda aumenta mais. Excursões com alunos, viagens de férias, voos charter precisam ser contratados com empresas idôneas, checando todas as informações. No Brasil, é comum empresas darem calote em passageiros, após contratarem vôos e falharem por não ter a estrutura das grandes empresas para resolver problemas graves.

O mercado, infelizmente, está cheio de empresas de fachada, que se escondem sob o manto da legalidade, mas utilizam equipamentos ultrapassados ou que violam as leis. Infelizmente, os meninos da Chapecoense, a maioria deles iniciando a carreira e com um futuro promissor, foram vítimas desse descalabro. Não precisa ser especialista em aviação para deduzir que a queda desse avião era questão de tempo. Lamentavelmente, aconteceu com alguém muito próximo de nós.

Atualização em 01/12/16

Aeronáutica da Colômbia conclui que avião caiu por falta de combustível

As autoridades colombianas apresentaram as primeiras conclusões sobre o acidente aéreo do voo que transportava a Chapecoense. Segundo o Secretário Nacional de Segurança Aérea da Colômbia, Freddy Bonilla, a aeronave da companhia boliviana LaMia estava sem combustível no momento do choque, o que indica a possibilidade de ter existido nos instantes anteriores uma pane elétrica. "Podemos afirmar claramente que o avião não tinha combustível no momento do impacto. Uma das hipóteses com que trabalhamos é que como a aeronave não tinha combustível, os motores se apagaram e houve pane elétrica", disse Bonilla em entrevista coletiva no aeroporto Olaya Herrera, no centro da cidade. Outra informação que circulou dia 1º de dezembro veio do Plano de voo da LaMia, submetido ao controle do aeroporto de Santa Cruz, na Bolívia. A funcionária tentou recusar o Plano, porque o combustível era no limite máximo da viagem (Santa Cruz - Medellín), o que é proibido. Após algumas recusas, por pressão do despachante, que também morreu no acidente, ela assinou a liberação do voo. Foi afastada da função, junto com seu chefe. Agora, diante das evidências de crime, violação das normas internacionais que regulam os voos, os responsáveis pela empresa estão querendo criar factoides para atrapalhar as investigações, dizendo que o Plano de voo aprovado pela Colômbia previa saída de Cubija, na fronteira norte da Bolívia com Brasil, distância bem menor do que de Santa Cruz. Enganaram também as autoridades da Colômbia.

Em 2 de dezembro, mais informações. Esse avião voava habitualmente no limite de risco. Nessa linha Santa Cruz-MedellEin, ele fez viagem em 22 de agosto, em 4h28 min, portanto praticamente com o tanque vazio. Em 28 de outubro, outra viagem no mesmo percurso, em 4h27. Em 28 de outubro, em 4h38 e em 4 de novembro, o percurso foi feito em 4h33. Portanto, ele vivia pedindo para cair, ao desobedecer a margem de combustível que deveria deixar para o caso de emergências no aeroporto de destino. Além disso, até o fim da semana a empresa não cumpriu as convenções internacionais de assumir as despesas de traslado de corpos e dos parentes e oferta de psicólogos, assistência social. As responsabilidades foram assumidas pelos governos do Brasil e da Colômbia. A aeronave acidentada não tinha seguro. Consta que há uma apólice que dobre danos civis, mas até agora não foi apresentada ao Chapecoense. Enfim, uma cadeia de irregularidades que leva à pergunta fatal: quem está por trás da contratação dessas empresa?

Atualização em 05/12/2016

Quanto mais avançam as investigações sobre o acidente que vitimou 71 pessoas, em Medellín, no último dia 29, incluindo a delegação e atletas da Chapecoense e mais 21 jornalistas, escancara-se a falta de gestão de risco nessa tragédia. A cada passo, uma evidência de que tudo nessa empresa de araque e nesse avião-pirata era irregular. Depois de se comprovar que o avião não tinha autonomia de voo para uma emergência, como aconteceu; que forçou a barra, evitando escalas para abastecer em aeroportos alternativos, para não pagar as taxas aeroportuárias; que não declarou imediatamente emergência total, para ter prioridade de pouso, no aeroporto de Medellín, para não ter que pagar uma multa milionária, conforme ficou evidente nas gravações da conversa dele com a controladora de voo; que não avisou aos passageiros a iminência de um pouso de emergência, conforme declarou o técnico de voo que se salvou; que a empresa foi constituída na Venezuela, se transferiu para a Bolívia e tem entre seus acionistas um empresário chinês que está preso; não bastasse tudo isso, agora a Bolívia revela que o piloto Miguel Quiroga era desertor da Força Aérea e tinha prisão decretada no país.

Não podemos fingir que os erros estão só do lado do piloto. A Seleção Argentina e demais clubes que utilizaram esse avião, incutindo a Chapecoense, não cumpriram o mandamento básico da gestão de crises. Ter um programa efetivo de gestão de riscos, que evitaria uma delegação inteira, convidados e jornalistas entrarem numa autêntica armadilha, que só não tinha caído antes por puro acaso. O mandamento básico da gestão de risco é exatamente esse: preservar a desnecessária perda de vidas humanas. Que o episódio sirva de lição: não se brinca, não se economiza, não se tergiversa, quando o que está em jogo é a VIDA.

21 jornalistas morreram junto com a delegação do Chapecoense

Victorino Chermont (FOX); Lilacio Pereira Jr. (FOX); Rodrigo Santana Gonçalves (FOX); Devair Paschoalon (FOX); Mário Sérgio (FOX); Paulo Julio Clement (FOX); Guilherme Marques (TV Globo); Guilherme Van der Laars (TV Globo); Ari de Araújo Jr. (TV Globo); Laion Espíndola (GloboEsporte.com); Giovane Klein Victória (RBS); André Podiacki (RBS); Bruno Mauri da Silva (RBS); Djalma Araújo Neto (RBS); Gelson Galiotto (Rádio Super Condá); Ivan Carlos Agnoletto (Rádio Super Condá); Fernando Schardong; Douglas Dorneles (Rádio Chapecó); Edson Ebeliny; Jacir Biavatti; Renan Agnolin (Rádio Oeste Capital).

Atualização do artigo em 26 de dezembro de 2016

Autoridades da Colômbia divulgaram nesta data um relatório com a análise preliminar onde concluem que o avião da LaMia caiu por falta de combustível, confirmando aquilo que todas as informações, diálogos com a Torre e depoimentos de sobreviventes deram a entender. Os oficiais da Aeronáutica Civil da Colômbia explicaram os detalhes do acidente usando, inclusive, gravações feitas pelo sistema de gravação de voz do avião (voice recorder) da Lamia antes da queda. Além disso, o avião também tinha sobrepeso, mas esta não seria uma causa para a queda. O que levou o avião a cair foi a chamada "pane seca", a aeronave não tinha combustível suficiente para enfrentar uma emergência, como aconteceu. Alguns minutos a mais de voo foram fatais para a queda.

O avião estava a 230 km/h no momento do impacto. O diretor da Aeronáutica Civil da Colômbia, Alfredo Bocanegra, contou ainda que o piloto Miguel Quiroga, morto no acidente, tinha total consciência de que o combustível na aeronave não era suficiente. "Eles estavam conscientes da limitação do combustível. Sabiam que não era suficiente".

As autoridades ainda culpam a AASANA (Administração de Aeroportos e Serviços Auxiliares à Navegação Aérea da Bolívia) por ter aprovado o plano de voo da LaMia, considerado irregular, por conta da autonomia da aeronave, similar ao tempo de duração do voo até Medellín.

*Horário brasileiro. 10h30 do dia 28, na Colômbia.

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