media_training_teve_doisUma polêmica interessante surgiu na imprensa, nos últimos dias, após entrevista concedida pelo delegado da Polícia Federal, Luís Flávio Zampronha, a dois jornais de São Paulo. O delegado, que investigou o processo do mensalão, de 2005 a 2011, rompeu o silêncio após sete anos e afirmou que “o mensalão é maior do que o caso em julgamento no Supremo Tribunal Federal”.

O delegado começou concedendo exclusiva à Folha de S. Paulo, em 13 de agosto, seguida de outra a O Estado de S.Paulo no dia seguinte. "A lavanderia foi pensada por José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino", disse ele ao Estadão. As entrevistas não parecem iniciativas isoladas e acontecidas por acaso. Muito provavelmente foram pensadas e deliberadas. Custa crer que o delegado tenha conversado com os jornais sem os superiores tomarem conhecimento.

A polêmica não se limitou às declarações do delegado, num momento crucial do julgamento dos réus do mensalão. Quatro dias depois da entrevista, a Corregedoria da Polícia Federal anunciou ter aberto investigação para apurar se o delegado descumpriu regras da corporação ao conceder entrevista sobre o caso. Não precisaria nem abrir investigação. Isso deveria estar claro no regulamento disciplinar da PF. Em que circunstâncias um delegado da PF deve dar entrevista?

A Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal-ADPF reagiu contra a notícia da apuração de ato disciplinar. O presidente da Associação disse que Zampronha não falou em nome da PF. “O delegado falou sobre um tema que a sociedade inteira está debatendo”, disse ele. Para ele, os delegados têm direito de se manifestar “desde que as declarações não causem prejuízo à instituição ou investigações em andamento”.

Para a PF, o entendimento é diferente. “Ao dirigente maior cabe a decisão de quem será o porta-voz para concessão de entrevistas ou comunicados oficiais”. O diretor geral da PF, Leandro Coimbra, nega que a medida seja um “ato de censura”. A limitação de manifestações individuais procuraria “evitar que a ação da PF em prol da sociedade seja confundida com a opinião de seus integrantes”, segundo o mesmo jornal Folha de S.Paulo.

Trata-se de uma questão polêmica, recorrente nos treinamentos de Media Training. Até que ponto uma fonte, vinculada a determinada organização pública ou privada, pode se manifestar sem que a opinião seja confundida com a da instituição a que pertence. Um membro do Ministério Público, da Polícia Federal, do Senado ou de um ministério pode falar para a imprensa como pessoa física? Sem que as declarações sejam interpretadas como sendo da instituição? Isso valeria também para um executivo da Apple, da Ikea ou do Grupo Pão de Açúcar.

Essa situação parece pacificada e não há controvérsias nos treinamentos. Uma fonte ao dar entrevista a um veículo de comunicação, incluindo a internet, terá sua opinião publicada e interpretada como do detentor do cargo ou da função que ocupa. Se um delegado da Polícia Federal opinar na mídia sobre futebol, mas fizer uma declaração polêmica, como por exemplo: “Os dirigentes da entidade tal são todos corruptos”, certamente essa declaração será publicada, não como do Sr. Fulano de Tal. Mas “Delegado da PF diz que os dirigentes...”.

Não importa o tema abordado, mas o vínculo profissional da fonte faz uma diferença muito grande em relação à forma como a notícia vai ser publicada. Se o João ninguém disser a mesma coisa sobre uma empresa, mesmo críticas violentas, provavelmente não terá qualquer espaço na imprensa. Porque ele é o João ninguém. Mas um delegado da PF simboliza a instituição. E nem precisa ser delegado. Qualquer funcionário, principalmente de empresas públicas, quando fala, não consegue desvincular seu discurso do cargo que ocupa. Ou seja, quando uma fonte desempenha determinado cargo ou função, não é o CPF que fala, mas o CNPJ. Principalmente em cargo público.

Censura ou regulamento

Tem razão a PF em dizer que vai examinar se o Delegado descumpriu normas sobre entrevistas, que devem ser bem rígidas na instituição. Algumas, mesmo estatais, dão liberdade à fonte para se pronunciar sobre temas da sua exclusiva competência, como no Banco do Brasil. Um Superintendente Estadual não precisa pedir licença à direção para falar sobre a atuação do banco no seu estado. Ele tem plena autonomia para conversar com a imprensa. Mas assuntos institucionais só devem ser conduzidos pela diretoria da instituição.

Por isso, a afirmação do presidente da ADPF, de que o delegado Zampronha “não falou em nome da PF” é equivocada e insustentável. Sempre que falar para a mídia, as declarações do servidor público poderão ser interpretadas como da instituição a que pertence. Por isso, nem todos os convites para entrevistas devem ser aceitos. Uma declaração polêmica, principalmente, pode ser jogada no meio de um contexto que envolva o empregador. Causar um constrangimento e, por extensão, uma crise.  

Fato semelhante aconteceu anos atrás com um diplomata brasileiro que, em S. Paulo, fez declarações de cunho político, num evento público. O Itamaraty apressou-se em desmentir, declarando em Nota à imprensa que o diplomata não representava a opinião do Ministério das Relações Exteriores. Pode até ser. Desqualificar, negar e desmentir o funcionário. Mas, ao falar no evento, na pessoa do diplomata, a fala era do Itamaraty.

Ao fim e ao cabo, há um consenso de que para a imprensa (e vale também para as redes sociais) declarações, principalmente as de cunho político ou sobre processos ligados à instituição, nunca são tipificadas como de “cunho pessoal”. Até mesmo a declaração de voto, numa eleição, decisão eminentemente de caráter pessoal, se exposta ao público, pode ser explorada politicamente e vai ser notícia, se assim a mídia julgar.

Todos se lembram da polêmica surgida, quando o ex-ministro Nelson Jobim teria declarado ao programa “Poder e Política”, do Grupo Folha, que havia votado em José Serra, na eleição de 2010. Enquanto continuava ministro de Dilma Roussef. Um ministro tem o direito de votar em quem quiser. Mas, ao abrir a informação, ela vai ser explorada politicamente e encarada como declaração do ministro e não do cidadão Nelson Jobim.

Ao ser entrevistada, a fonte jamais poderá alegar que está ali em caráter pessoal. Podemos ter certeza de que se sair alguma coisa polêmica, a chamada será ancorada no cargo – tanto mais importante, mais destaque – que ela exerce. Se a fonte pretende dar alguma opinião em “caráter pessoal”, esqueça. É melhor não dar entrevista. Opinião pessoal é para a conversa do bar, com os amigos. Na imprensa, é declaração pública.

Redes Sociais

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