papaO Papa Bento XVI aproveitou uma reunião com religiosos na semana passada, em Roma, para lançar petardos contra a mídia, acusando-a de distorcer a mensagem da Igreja Católica e de reduzir a liturgia a um "ato comunitário profano.”

Para Ruth Gledhill, em artigo publicado no The Times de Londres, no sábado, a declaração do Papa pode ser interpretada como um alerta sobre o relato feito pela mídia sobre a sucessão papal. Ele disse que  a mídia começou a enfraquecer a posição da Igreja na década de 1960, apresentando um debate crucial sobre sua direção futura como uma luta de poder entre as facções.

A reação de Bento XVI veio num encontro com os párocos e o clero da Diocese de Roma, no Vaticano. Procurando descrever o que estava realmente no coração do Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1965, ele falou por 46 minutos em um discurso inspirado, transcrito e publicado online pela Rádio Vaticano.

O Concílio Vaticano II, das mais importantes assembleias da Igreja nos últimos séculos, que reuniu autoridades eclesiásticas para discutir a doutrina e o futuro da Igreja, na década de 60, representou a última grande reforma implantada pela Igreja Católica. O Vaticano II oi convocado pelo Papa João XXIII e até hoje baliza a liturgia que toda a Igreja deve seguir. É considerado um marco na história moderna da Igreja Católica.

O Concílio da mídia e o da Igreja

Bento XVI disse aos sacerdotes: "Havia o Concílio dos Padres - o verdadeiro Concílio - mas havia também o Conselho dos meios de comunicação. Foi quase um Concílio por si só e o mundo percebeu o Concílio, através deles, através dos meios de comunicação. Enquanto o conselho inteiro ... era movido pela fé ... o Concílio dos jornalistas, naturalmente,  não teve lugar dentro do mundo da fé, mas dentro das categorias da mídia de hoje, que está fora da fé.

"A mídia viu o Concílio como uma luta política, uma luta pelo poder entre diferentes correntes dentro da Igreja. Era óbvio que a mídia iria tomar o lado de qualquer facção mais adequada ao seu mundo.", alfinetou Bento XVI.

Segundo ainda o artigo de Ruth Gledhill, muitos bispos e o clero de modo geral, principalmente nas alas mais liberais da Igreja ocidental, acreditam que a hierarquia católica romana tornou-se demasiado centralizada no magistério e no papado em Roma e gostaria de um novo Papa para tornar o trabalho da autoridade mais descentralizado.

Mas o Papa Bento XVI, que assegurou um conclave conservador para escolher seu sucessor, indicou claramente que isso seria improvável e foi abertamente crítico de tais ambições. Referindo-se aos meios de comunicação e ao Concílio, ele disse: "Havia aqueles que procuravam uma descentralização da Igreja, o poder dos bispos e, em seguida, através da palavra, para o povo de Deus, o poder do povo, os leigos.

"Houve essa tripla questão: o poder do Papa, em seguida, transferido para o poder dos bispos e, em seguida, para o poder de todos ... a soberania popular. Naturalmente, eles (a mídia) viram isso como a parte a ser aprovada, a promulgar, para ajudar. Este foi o caso da liturgia: não houve interesse na liturgia como um ato de fé, mas como algo para ser feito mais compreensível, semelhante a uma atividade comunitária, algo profano.”

Bento XVI – segundo a articulista do TheTimes - advertiu também que o lugar do sagrado na adoração não foi valorizado. Para ele, "sacralidade terminou como um ato profano, mesmo no culto: o culto não é culto apenas, mas um ato que une as pessoas, uma participação comunitária e, assim, a participação como atividade. E essas traduções, banalizando a ideia do Concílio, foram virulentos na prática da implementação da reforma litúrgica, nascida em uma visão externa do Concílio, fora de sua própria visão fundamental da fé.

Segundo Bento XVI, "foi assim, também, na questão da Escritura: A Escritura é um livro, histórico, para tratar historicamente e nada mais. "E, nós sabemos que este Concílio da mídia era acessível a todos. Então, dominante, mais eficiente, este Concílio criou muitas calamidades, tantos problemas, tanta miséria, na realidade: seminários fechados, conventos fechados, liturgia banalizada ... e o verdadeiro Concílio tem lutado para se materializar, para se realizar: o Concílio virtual foi mais forte do que o Concílio real ".

As críticas de Bento XVI à mídia não foram compartilhadas por alguns segmentos da hierarquia católica da Europa, principalmente países de tradição evangélica, como Reino Unido e Alemanha. Líderes católicos do Reino Unido concordam, em parte, que a Igreja, apesar do Concílio Vaticano II, continuou fechada e centralizada. Há especulações de que o Papa teria recorrido ao ato extremo da renúncia, exatamente por não concordar e não poder reagir aos poderes paralelos que percorrem os bastidores do Vaticano.

Essas dissidências poderão aparecer no conclave que se reúne a partir do dia 15 de março, para escolher o novo Papa. Embora grande parte do Colégio de Cardeais tenha sido nomeado pelo atual Papa, não há, na tradição da Igreja, principalmente em sucessões acontecidas após a morte do Pontífice, qualquer compromisso com a corrente do antecessor. Bento XVI, por ter rompido 600 anos de história, renunciando, pode ser também o primeiro papa em séculos a fazer um sucessor.

Em junho, três jornalistas da revista alemã Der Spiegel, publicaram um denso artigo - A Batalha final de Bento XVI - onde especulavam sobre as intrigas que perseguiam Bento XVI, no Vaticano, inclusive o desenlace do roubo de documentos reservados, feitos pelo mordomo de Bento XVI, que atualmente está preso. No artigo, oito meses antes da renúncia, pode-se perceber o clima de desencanto do Papa com o poder e o sonho dele de uma vida simples, a ponto de dizer que, se ele pudesse imaginar o que seria o Paraíso, seria a infância dele, o período mais feliz de sua vida.

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Fonte: The Observer - 17/02/13

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