Raio_sobre_congressoDepois de uma retrospectiva das grandes crises que povoaram a mídia internacional em 2010, como as da Toyota, Igreja Católica, British Petroleum, a epopeia dos mineiros chilenos, além da quebra das economias da Grécia e Irlanda, convém dar uma olhada no Brasil.

O ano começou com as grandes tragédias do Rio de Janeiro, com mais de 100 mortos por causa das chuvas que soterraram bairros inteiros. Viu-se de tudo nessas tragédias. Desleixo dos governos federal, estadual e municipal, despreparo para enfrentar a situação, promessas que não foram cumpridas e a população atingida, sempre a maior vítima da incúria das autoridades. Que nunca cumprem a missão. Prefeitos, que aparecem contritos, surpreendidos com a tragédia anunciada. E com soluções de última hora. Trancas de ferro para portas arrombadas, com a complacência do poder público.

Enquanto o Rio de Janeiro sofria com desabamentos de encostas, São Paulo perdeu a história. A cidade histórica de São Luiz do Paraitinga foi quase toda destruída pela enchente, com perdas irreparáveis para a história do país e o patrimônio público. Nem a igreja da cidade foi poupada. Grande parte do patrimônio destruído está sendo restaurado. Pelo menos isso.

Alagoas, pródigo em nos mandar políticos que mais se servem do dinheiro público do que servem ao público, não teve a mesma sorte. O estado, junto com Pernambuco, sofreu inundação que destruiu várias cidades. A população, extremamente carente, desamparada em tragédias passadas, novamente continua penando. Meses depois da enchente, os governos nada fizeram para minorar o sofrimento e as perdas daquelas pessoas. É o tipo de crise que deveria envergonhar os poderes públicos. Principalmente aqueles políticos sempre envolvidos em desvios de verbas públicas para favorecer parentes, amigos e apaniguados. Passada a tragédia, ninguém mais se lembra e os desabrigados caem no esquecimento.

A crise de Brasília e das universidades

No início do ano, assistimos também ao desdobramento da crise de Brasília. Em novembro de 2009, o governador Arruda, vários colaboradores e parlamentares do DF foram flagrados negociando e recebendo propina. Essa crise desdobrou-se em 2010 com a prisão do governador e de assessores. Ela não terminou, apenas saiu do foco. O rescaldo foi mergulhar o DF na maior crise de sua história, tendo que agüentar um mandato tampão, descontinuidade administrativa e comprometimento da administração.

No nível de Brasília, só o Amapá. Lá, governador, vice, candidato a governador, todos foram presos, acusados de participação em esquemas de corrupção. Lá onde também o clã dos Sarney dá as cartas, dinheiro público ajuda a financiar campanhas e enriquecimentos ilícitos. É uma pena. Uma região rica, abençoada pela natureza, não sai das páginas policiais por conta de políticos inescrupulosos. A corrupção acaba se transformando na crise endêmica do estado brasileiro.

Junto com Brasília, a Universidade de Brasília também nos brindou com uma greve que se arrastou por vários meses. Essa greve afetou todo o calendário escolar, fazendo com que o segundo semestre de 2010 só acabe em meados de 2011. É apenas mais uma mostra da crise das universidades, que teima em corroer o pouco que existe de credibilidade em lugares que deveriam ser centros de excelência, mas hoje se transformaram em locais de contendas entre facções políticas e o poder central. Em São Paulo, o exemplo dessa crise, assíduo nas manchetes, é o da Universidade Federal de S.Paulo – Unifesp.

Chamem o ladrão

Outra crise que assolou o país durante 2010 envolveu as polícias militares e civis, principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, vários crimes atribuídos a policiais envergonharam aqueles que deveriam primar pela defesa da vida e do patrimônio público. No Rio, cada vez mais se descobre teias comprometedoras entre tráfico de drogas, milícias e policiais desonestos. Junto com o contrabando de armas, esse talvez seja a página mais negra da segurança pública do país, que precisa ser atacada pelo novo governo.

Nem o Secretário Nacional de Segurança escapou. Flagrado em gravações pela Polícia Federal, apurando outro caso, o então secretário Romeu Tuma Júnior manteve conversações pouco adequadas para uma autoridade do ministério da Justiça. O grampo mostra o secretário, presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, tentando comprar videogame oriundo de comércio ilegal, além de amizade suspeita com um contrabandista, processado pela Justiça. Não deu outra. Apesar de Lula no início, como sempre, desdenhar das acusações, não teve outra alternativa a não ser demitir a autoridade comprometida.

Crise afetou o futebol e a reputação do Flamengo

Não foi só o futebol do Flamengo que esfriou em 2010. A crise não poupou nem o clube de futebol mais popular do Brasil. O Flamengo enredou-se na crise, quando viu seu goleiro e um dos principais jogadores envolvidos em acusações de rapto, sequestro e assassinato. Ele está preso, acusado de ser o mandante do assassinato da amante, Elisa Samúdio. Ele nega. Como gerenciar uma crise no grupo, quando um dos principais jogadores sai das páginas esportivas e pula para as páginas policiais? Não esquecer também que o Flamengo já tinha precedentes, um deles o de Adriano, acusado de relações pouco saudáveis com traficantes da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro.

Enem, Receita Federal e Correios incomodaram o governo

Os governos são sempre os campeões das crises. No Brasil, num ano eleitoral, qualquer suspeita vira denúncia e manchete. A Receita Federal viu-se envolvida numa crise bastante explorada politicamente. Funcionários do órgão vazaram declarações de pessoas ligadas ao PSDB e ao candidato à presidência José Serra. Prato feito para a oposição. A Receita foi lenta nas respostas, custou a encontrar uma saída, via Polícia Federal, e descobrir que funcionários vendiam cópias de declarações. O escândalo fez o Ministério da Fazenda mudar a rotina de fornecimento dessas informações e afastar os culpados.

O escândalo foi mais um, entre vários nos últimos anos, envolvendo a Receita Federal. Desde 2008, quando ocorreu uma troca política do cargo de Superintendente, vários fatos, com conotações políticas e disputas sindicais, levaram a Receita Federal para as manchetes negativas.

O Exame Nacional do Ensino Médio-Enem foi outro evento que acabou gerando crises para o governo. Depois do escândalo do ano passado, quando houve vazamento da prova, obrigando o MEC a fazer um novo exame, no fim do ano, esperava-se agora que o MEC tivesse alerta. Mas os erros e problemas persistiram. Houve problemas na inscrição, pela sobrecarga dos sistemas, o que acabou gerando protestos de estudantes. Posteriormente, dados pessoais dos alunos ficaram expostos por horas nos computadores do MEC, permitindo a violação da privacidade dos candidatos.

Quando tudo parecia resolvido, no dia da prova milhares de cadernos apareceram com erros na tabela de respostas, o que confundiu milhares de alunos. Resultado, uma briga de liminares dos que queriam novo exame e o MEC, defendendo apenas a realização de prova para os prejudicados, versão que acabou prevalecendo. Não faltou até mesmo ameaças do MEC, de processar alunos, por meio do Twitter, uma trapalhada dentro da crise. O exame novamente voltou para as manchetes negativas, com grande desgaste para um certame que pretende ser o grande vestibulão das universidades públicas.

Os Correios, uma das empresas de maior credibilidade do governo, vai corroendo seu ativo intangível desde 2005, quando esteve envolvida na maior crise de sua história. Desde então, por culta do governo, administrações políticas seguidas vão destruindo o que resta da boa reputação da empresa. Crises de administração se sucedem por conta da atuação política de diretorias indicadas pela base do governo.

As trapalhadas de Erenice

Nos dias que antecederam a eleição, estourou o escândalo com a ministra da Casa Civil Erenice Guerra. Reportagem da revista Veja denunciou tráfico de influência de seu filho Israel Guerra e amigos nos ministérios, com a complacência da ministra-mãe. A Folha de S. Paulo agravou a denúncia, mostrando os tentáculos do filho da ministra e os cargos ocupados por parentes e amigos. A reação imediata da ministra, em nota à imprensa precipitada, arrogante e equivocada, acabou propiciando sua saída do ministério, para não prejudicar sua madrinha, a candidata do governo à presidência.

O governo agiu rápido provavelmente porque avaliou a octanagem da bomba Erenice na candidatura de Dilma. Foi uma ação cirúrgica. A candidata fez de conta que pouco conhecia a ex-ministra, quando se sabe que foi ela que fez sua secretária-geral a substituta natural, atropelando até a vontade de Lula.

A última crise que arranhou de leve o governo ocorreu na esfera privada. A intervenção do dono no Banco Panamericano, que precisou de um socorro de R$ 2 bilhões para não quebrar. O Bacen atuou como intermediário, mas não usou dinheiro público na operação. Apesar de Lula ter recebido o empresário 15 dias antes das eleições, garantem não ter sido discutido o problema do Banco. O que ninguém acredita. A crise do Panamericano mostrou ainda a fragilidade do sistema financeiro, mesmo com o bom programa de saneamento realizado pelo Bacen, no governo FHC. O que salvou o Bacen e o governo de uma saia justa, logo após a eleição, foi a disposição do empresário, dono do banco, de cobrir o rombo com recursos próprios.

Foi assim 2010. Embora o Brasil não tenha enfrentado grandes crises, como aconteceu no Haiti e outros países, as crises por aqui se relacionam mais a comportamentos inadequados. Escândalos de corrupção se tornaram manchetes rotineiras. Levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, nas autuações realizadas pelo TCU, desde 2005, constatou que a soma de condenações e aplicações de multa pelo Tribunal chega a R$ 3,5 bilhões. Foram 6.744 processos, que pediram a punição para 10.287 servidores públicos.

Infelizmente, como a corrupção no Brasil caminha junto com a impunidade, as crises nossas de cada dia, em 2010, que começaram com as tragédias do Rio, acabaram em pizza. Ou melhor, em comédia. Afinal, a população de S. Paulo deu 1,3 milhão de votos ao palhaço Tiririca, mais um para ingressar no clube folclórico do Congresso Nacional. Deputados e senadores são flagrados gastando a verba indenizatória em motéis e hotéis, O Congresso poderia ser o elemento-chave na luta do país para neutralizar ou pelo menos minimizar muitas das nossas crises. Mas não é. Infelizmente se tornou o ícone mais conhecido das crises de imagem que teimam em manchar a história do país.

Foto: Dida Sampaio (OESP)

 

 

 

 

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