Rio violenciaO badalado Rio de Janeiro, a cidade preferida dos estrangeiros para visita ao Brasil, vive um dos piores momentos neste início de verão, com a violência que tomou conta da cidade. Os números da criminalidade do Rio nada ficam a dever a zonas conflagradas de guerra, como Síria, Iraque ou Afeganistão. A dez dias do Carnaval, o cenário que aparece na mídia diária do Rio de Janeiro em 2018 é de uma cidade sitiada pelos traficantes, assaltantes de carga e contrabandistas de armas. E com polícia e forças de segurança incapazes de conter a violência. O pior cartão postal para quem quer atrair turistas, principalmente estrangeiros.

Com 187 assassinatos no mês de janeiro, 51% mais do que no mês de dezembro de 2017, o Rio de Janeiro ostenta números assustadores, embora haja capitais brasileiras bem mais violentas ainda que o Rio. Mas se compararmos o Rio a outras grandes metrópoles mundiais, que atraem turistas, nos envergonhamos. A título de comparação, Londres, com 8,7 milhões de habitantes, teve 135 assassinatos durante todo o ano de 2017, enquanto o Rio de Janeiro em apenas um mês, registrou uma vez e meia esse número (187), com população de 6,3 milhões.

A grosso modo, o Rio tem dez vezes mais assassinatos que Londres. Mas a capital da Inglaterra não tem territórios dominados pelo crime organizado e nem uso de fuzis e armamentos pesados pelos criminosos. Os próprio policiais não andam armados - o porte só é autorizado para equipes especializadas. Nova York, que já foi uma cidade violenta nos anos 1990, alcançou no ano de 2017 o menor número de assassinatos, em 70 anos. Foram 290 casos, numa cidade de 8,6 milhões de habitantes. Nós, portanto, andamos na contramão desse desempenho.

             “O carioca, na verdade, não tem alternativa para fugir da violência, a guerra está em todas as vias”. (Luís Lobianco, ator).

Sob qualquer aspecto que se analisem esses números do Rio, são assustadores. Até porque nessas mortes estão computados os 14 policiais assassinados em janeiro, média de um a cada dois dias. Essa rotina de violência, incluindo a polícia como vítima, vem acontecendo desde o ano passado e não mudou neste ano. Parentes dos mortos e a população assistem impotentes à escalada de crimes contra policiais e civis, sem poder fazer nada.

"Hoje há no Rio de Janeiro 850 favelas totalmente dominadas pelo tráfico. Nelas vivem cidadãos cujos direitos e garantias individuais foram capturados pela bandidagem, numa situação representativa de potencial risco para o Brasil todo...", diz Dora Kramer, colunista da revista Veja.

Este ano já foram registrados 640 confrontos violentos entre bandidos e policiais, segundo o jornal O Globo, sendo que numa única favela, na cidade de Deus, houve 41 tiroteios no mês de janeiro. Ou seja, mais de um tiroteio por dia. Dados do ISP - Instituto de Segurança Pública do Rio dão conta de que a cidade registrou 22 tiroteios por dia em janeiro, crescimento de 117% na quantidade de registros em relação a igual período do ano passado. Como conviver com essa ameaça? Certamente, esse clima contribui para o "efeito colateral" na vida da população: doenças nervosas, stress, depressão e ansiedade, principalmente na parcela mais vulnerável.

Além disso, essa insegurança acaba afetando a economia, já depauperada, da cidade e do estado do Rio. Comerciantes, donos de casas noturnas e empresas de hotelaria registram queda na frequência, porque as pessoas estão com medo de sair à noite e os turistas, mesmo do Brasil, estão temerosos de vir para o Carnaval. Ainda não se conhece o nível de cancelamentos, mas certamente muita gente que poderia vir para o Rio, atraída pelo Carnaval, ao acompanhar essa “guerra” urbana amplamente divulgada, vai pensar duas vezes antes de decidir visitar a cidade.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, que foi ao Rio na 3ª feira (dia 30) para um encontro sobre segurança (o que não falta no Rio são seminários, reuniões, simpósios sobre segurança) disse que o sistema de segurança “está falido”. Além da crise financeira, a “incapacidade do Judiciário de julgar processos”, a superlotação dos presídios (de onde traficantes comandam os crimes, que vão do contrabando de armas aos assassinatos) e o poder de fogo das facções transformam o Rio numa cidade refém dos bandidos. O ministro ressaltou que o crime “se transnacionalizou” e que esse sistema está falido e por isso os efeitos são extremamente deletérios para as grandes cidades do Brasil. Um exemplo de capital que enfrenta uma onda de violência e insegurança, além do Rio, é Fortaleza, onde aconteceram duas chacinas, em 72 horas, com 24 mortos. Mas a violência no Ceará não se limita à capital. O estado contabilizou 469 assassinatos em janeiro último, praticamente o dobro de igual período dos anos de 2015 e 2016. É um número ainda mais impressionante do que no Rio, pois são cerca de 15 assassinatos por dia.

              “O ônibus parou, os bandidos revidaram e, de repente, estavam em uma guerra. Todos os passageiros se jogaram no chão, ouvimos muito tiros. Foi um milagre o ônibus não ter sido atingido”. (Francisco Nascimento, morador no Engenho Novo, passageiro de ônibus assaltado). 

Essa a triste realidade do morador do Rio, seja num automóvel, que pode ficar retido ou encurralado entre bandidos e polícia, como aconteceu na manhã de 5ª feira, dia 1º, na Linha Amarela. Ou num ônibus, lotado de passageiros. Ou até mesmo a pé, com risco bem maior. Tanto policiais, quanto moradores admitem que a situação está ficando fora do controle e em certos bairros ou favelas sair à rua é um risco muito grande.

Tolerância com pequenos delitos

Violencia Rio 2O Rio de Janeiro não se tornou violento de uma hora para outra. Há toda uma história pregressa por trás desse cenário de guerra que o estado e mais especificamente a cidade do Rio assiste. A liberalidade com que as favelas foram se espalhando sem qualquer controle pelas autoridades urbanistas, além de acordos com bicheiros e traficantes envolvendo o Carnaval, por diversos governos estaduais, possibilitou a criminalidade se encastelar em locais onde hoje é praticamente impossível a presença da polícia ou até mesmo dos serviços básicos.

Segundo Marcelo Burgos, sociólogo e professor da PUC-Rio, em artigo publicado na revista Carta Capital, "A rotina de tiroteios em diversas favelas do Rio de Janeiro tem por cenário um labirinto de casas recheadas de seres humanos, acuados e humilhados. O quadro ultrapassa as raias do absurdo, e nem os escritores do realismo mágico seriam capazes de imaginá-lo. O que mais surpreende, contudo, é o silêncio condescendente das autoridades e instituições cujo papel deveria ser o de, antes de qualquer outra coisa, zelar pelas garantias mínimas do direito à vida e integridade física dos cidadãos.”

Não se pode dizer que nada tenha sido feito. Para dar apenas um exemplo, certas favelas controladas pelo tráfico, no Rio de Janeiro, quando foi implantada a política das UPPs, receberam contingente de policiais bem maior do que a maioria dos municípios brasileiros. A UPP da Rocinha, em 2011, por exemplo, quando instalada, recebeu cerca de 900 policiais. E o que deu errado? Por trás da política das UPPs, no tempo de Sérgio Cabral, havia muito de marketing político e pouco de racionalidade. O modelo carecia do apoio paralelo do poder público, como previsto; “tomar posse” completa da favela, por meio de serviços básicos, inclusive aqueles que garantiriam direitos e valorizariam a cidadania. Deixar o projeto somente na mão dos policiais foi um erro. Até porque os traficantes, após expulsos, continuaram mandando em certos tipos de serviço e acabaram retomando o controle das favelas pelo enfraquecimento das UPPs.

O Rio de Janeiro ficou enxugando gelo nas favelas e na periferia durante muitos anos. O resultado está aí. Deu-se um banho de loja na cidade, para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, com megaprojetos, que renderam muita propina para o grupo de Sérgio Cabral, mas que não consideraram o problema endêmico do tráfico, do contrabando de armas e das milícias que controlavam certas regiões do estado e da cidade.

A omissão do estado com a série de delitos comandados pelos traficantes, que vão do monopólio da venda de gás, planos de internet e TV a Cabo, à cobrança de taxas de segurança, extorquindo comerciantes, acabou favorecendo o controle da vida dos moradores, por parte dos bandidos. A população acaba refém e fica na linha de tiro, durante os confrontos entre bandidos e polícia. Já são mais de 20 pessoas atingidas por "balas perdidas", este ano.

Não há saída honrosa para essa crise. Segundo o ministro da Defesa, há um contingente de 3 mil pessoas entre policiais, Exército e Força Nacional, nesse momento, no Rio. É apenas um número grandioso para impressionar a mídia e acalmar o cidadão. Mas as Forças Armadas não foram treinadas para atuar no combate ao crime organizado, nem ao tráfico. Até o comandante do Exército tem restrições quanto a essa participação. Tudo isso, pode dar a impressão de que o estado assumiu o controle, num primeiro momento, com operações espetaculares, eventuais prisões e apreensão de armas. Mas o coração do crime no Rio de Janeiro continua pulsando. E muito firme. Falta um projeto efetivo, que inclui repressão ao contrabando de armas e de drogas, para que o combate ao crime traga aquilo que os cariocas e os turistas desejam: sair à rua com a sensação de segurança. Como acontece nas cidades mais civilizadas e avançadas do mundo.

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