juizes_contra_GilmarO Judiciário e a Polícia Federal estão proporcionando à mídia brasileira um dos ingredientes principais que constituem a matéria-prima do jornalismo. A mídia adora conflitos, polêmica, guerra de bastidores, bate-boca de autoridades. Por isso, a troca de farpas entre o Presidente do Supremo Tribunal Federal e o juiz que determinou a prisão de Daniel Dantas é um prato feito para alimentar a pauta de blogs, tevês, rádios, jornais e revistas. Assim como os bastidores da apuração da Operação Satiagraha, na PF.

A polêmica tomou ares de crise, no momento em que cerca de 400 juízes, procuradores e desembargadores lançam manifesto de apoio ao juiz Fausto De Sanctis, criticado pelo Presidente do STF. Houve protestos também do Ministério Público Estadual. Procuradores Regionais da República dizem que encaminharão pedido de impeachment do Presidente do STF ao Congresso Nacional.

Não é comum ver-se um Poder, como o Judiciário, envolvido em polêmica desse porte. Ameaças dos dois lados, com o presidente do STF insinuando que poderia representar contra o juiz e desconfiando que estaria espionado. Os juízes, em solidariedade ao colega, questionam as decisões de Gilmar Mendes de conceder por duas vezes habeas corpus aos acusados.  

A imprensa acompanha a polêmica com relativa isenção, até porque o Poder Judiciário sempre foi considerado o mais fechado dos três Poderes. Fechado e até certo ponto corporativista. Sempre que algum governante ou político criticou o Judiciário, no passado, todas as instâncias foram rápidas em defendê-lo, não importasse a natureza do tema que estivesse em questão.

Até hoje a linguagem hermética e empolada do Judiciário constitui uma pedra no sapato da imprensa e do povão, que tem extrema dificuldade de ler e entender uma simples petição. Talvez o Judiciário seja a última instância de Poder que não modernizou sua linguagem na era da internet. Petições e decisões expõem, por vezes, mais um estilo rebuscado do século XIX, do que um texto claro, objetivo e simples, que possa ser rapidamente entendido pela população. É uma tradição que resiste ao tempo, abusa do juridiquês e de certo modo preserva a aura de erudição que ainda paira sobre o Judiciário.    

A divergência atual acaba expondo essas nuances de disputa de poder e vaidade. No centro da questão está uma das figuras mais controvertidas e polêmicas dos últimos anos no Brasil. Um empresário que fez fortuna rápida com negócios milionários, que acabavam virando manchetes da imprensa brasileira. Tem fama de passar por cima dos adversários como um trator, e, até certo ponto, esnobar a imprensa e gravar todo mundo em Brasília. Ele, que transitava com desenvoltura em torno dos últimos dois governos, acabou como figura central de divergências no próprio PT, dividido entre os que o defendiam e os que o rejeitavam. Nem a imprensa escapou. Jornalistas foram acusados de defender os interesses de Daniel Dantas.

A operação da PF também assumiu ares de novela de suspense, ao revelar divergências internas na Polícia Federal. Duas facções tentavam, de um lado, prosseguir na investigação sobre as atividades do empresário, com todos os seus tentáculos, e de outro, aqueles que – pressionados ou não por autoridades públicas – tentariam melar a investigação. Esse outro enredo paralelo da novela certamente vai continuar alimentando as pautas da mídia nos próximos dias. Por trás dessa divergência, estariam dois grupos fiéis ao atual e ao anterior Superintendente da PF. Como mentor da investigação, um delegado polêmico, que chegou ao disparate de pedir a prisão da jornalista da Folha de S. Paulo < S. de>que deu o furo sobre a operação, em abril.  

A prisão das figuras notáveis na Operação Satiagraha já começou controvertida. No centro, uma discussão que permeia a forma como a PF divulga suas operações. A exposição ostensiva de políticos e empresários algemados, quando envolvidos em acusações da PF, acaba sempre gerando reações de juristas, advogados de defesa e outros analistas. Claro que isso ocorre principalmente porque os presos fazem parte de uma elite que sabe gritar quando seus interesses estão em jogo. Quando alguém vai preso por ter furtado um pedaço de manteiga e fica na cadeia sem direito de defesa, vira notícia mais pelo folclore, do que pelo escândalo em si.  

O presidente do STF criticou as ações espalhafatosas da Polícia Federal na prisão do banqueiro Daniel Dantas e demais envolvidos. Não é a primeira vez que Gilmar Mendes faz restrições às ações da PF. Ao transformar as prisões temporárias nessas operações em acontecimento midiático, com a exposição de figurões com algemas, sendo levados em camburões, a PF também corre certo risco.

Primeiro, a população não entende por que a prisão é decretada num dia e no outro o juiz manda soltar. Quem conhece um pouco das instâncias judiciárias sabe que tanto as prisões quanto as solturas estão respaldadas em pareceres e decisões técnicas, baseadas na doutrina do Direito. Entretanto, é difícil para quem faz parte da chamada parcela “desinformada” da população entender por que alguém, acusado de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro ou fraudes é preso num dia e solto no outro.

A população de modo geral pode entender que a prisão foi realmente arbitrária ou precipitada ou que o Judiciário e a polícia são assim mesmo, marcados por divergências, onde uma autoridade prende e a outra manda soltar. Daí as instituições correrem o risco de cair no descrédito, o que também não é bom.

Segundo, além de frustrar a expectativa de que o país agora realmente combate a corrupção, o entra e sai da cadeia acaba favorecendo acusados que se valem dessas brechas jurídicas para continuar alegando inocência, com o maior descaramento. Aquilo que poderia ter um efeito educativo e exemplar, acaba surtindo efeito contrário. Um certo desencanto com a Justiça.

Esse episódio recente da prisão de Daniel Dantas coloca no meio do caldeirão, além da figura controvertida do empresário, um jogo de interesses e poderes que não contribui para o que de fato a população espera: a punição dos acusados. Mesmo com o processo  bem fundamentado, respaldado em gravações, escutas e evidências de desvio de dinheiro público, essa “vulgarização” das prisões, com invasões de residências e escritórios, apreensão de dinheiro, computadores e documentos dá a sensação para a população de que não tudo não passa de espetáculo. Frustra as expectativas de quem deseja que o crime organizado no Brasil, tanto na favela, quanto nos condomínios de luxo, leve os envolvidos para a cadeia.

Como se vê, o que não falta nessa operação são ingredientes controversos para a imprensa. Não importa o que esteja acontecendo nas instâncias do Judiciário ou da Polícia Federal. Uma operação que tinha tudo para ser um sucesso, no combate à corrupção, pode acabar gerando uma crise para as duas instituições.

A imprensa continua apurando e divulgando todos os fatos, sem partido, até porque é seu papel.  O que importa saber agora é ate onde vão os tentáculos da chamada “quadrilha” e como será possível o país passar a limpo esse triste episódio que mergulha nos bastidores de negócios nada transparentes, uma marca na atuação do famoso banqueiro nos últimos anos. Pena que as divergências internas entre os protagonistas talvez permitam que todo o mundo saia incólume das acusações.

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