crises corporativasO grande número de crises surgidas todos os dias, cobertas ou não pela mídia, poderia sugerir que elas decorrem de um estado da natureza, como alguns autores defendem. Nesse caso, elas fariam parte da vida das organizações. Seriam eventos negativos, mas normais, contra os quais muito pouco poderia ser feito.

Há um consenso entre os teóricos de Crisis Management de que não caberia discutir “se” as instituições algum dia enfrentarão crises. Mas “quando”. E não importa se são grandes ou pequenas organizações. Grandes potências ou pequenos países. Num cenário de crise grave, haveria apenas dois tipos de organização. As que terão sucesso e escaparão. E organizações ou países que fracassarão.

O mercado está lotado de poucos vencedores e de milhares de outros que perderam, fracassaram, e não sobreviveram às crises. É isso que vislumbramos nesse exato momento no país e no exterior. Para qualquer lado que se olhe, descortinamos um estado permanente de crise, um horizonte negativo, que parece não apontar muitas saídas. As ações para contê-las parecem não surtir efeito.

As notícias diárias nos induzem também a pensar que não existe e não é possível um mundo sem crises. Em qualquer área observada, qualquer notícia que chega, há exemplos de acontecimentos negativos que podem ser classificados como crises graves, embora, em muitos casos, as empresas e os governos se neguem a admiti-las. Mas a realidade mostra que realmente algumas crises são extremamente deletérias, principalmente para as populações mais carentes. E não estão sendo levadas a sério.

O horizonte pode ir dos bombardeios dos países aliados aos rebeldes do grupo autodenominado Estado Islâmico, passando pelo surto de Ebola, na África, até a explosão de um butijão de gás no restaurante da esquina, com dezenas de mortos. Apenas para citar três exemplos bem perto de nós, aqui no Brasil, atualmente: a crise de abastecimento de água, principalmente na região Sudeste; a crise de energia em âmbito nacional; e a crise da saúde; para ficar apenas com as de maior impacto social.

Se as crises representam um estado da natureza, os governantes poderiam até arrumar um álibi para a própria incompetência: por mais que fizermos ou podemos fazer, não há como evitar catástrofes, acidentes naturais, surtos de doenças contagiosas, ou ameaças à segurança, e por aí vai. Essas crises fariam parte do imponderável, aquela parcela de eventos sobre os quais não temos absoluto controle.  Até que ponto isso é verdade?

A natureza, que também castiga a California, o México e a América Central, com a mais prolongada seca do século, poderia ser uma boa desculpa para a crise no abastecimento de água em São Paulo, por exemplo. Embora seja muito difícil convencer o consumidor com essa tese. Mas, na maioria dessas crises, ainda que envolva eventos ou desastres naturais, os homens quase sempre aparecem como os vilões, pela omissão ou pelos erros cometidos. O comportamento humano não mudou desde os tempos de Caim. Ficamos esperando que as coisas se acomodem. Que São Pedro na hora certa mande chuva. Há sempre desculpas. Nada poderia ser feito, porque a seca, o deslizamento, a enchente seriam inevitáveis.

Essa discussão leva a outro questionamento, bastante controverso nos estudos sobre de gestão de crises. As crises realmente são inevitáveis? Se inevitáveis, por que deveríamos nos preocupar e fazer vultosos investimentos em crises que, provavelmente, nunca acontecerão? Mais cedo ou mais tarde, acontecimentos mais graves poderiam surgir, dada esse peculiaridade da imprevisibilidade, e o investimento não compensaria. Pelo menos teríamos uma boa desculpa na hora de explicar à imprensa ou à sociedade por que não tomamos providências no tempo certo.  

Não há consenso, também, sobre a inevitabilidade das crises. Mas muitos autores acreditam que a crise corporativa é inevitável, sim. Entretanto, não significa aceitá-la como imprevisível ou inexorável. Mitroff, Shrivastava e Udwadia, em artigo no livro Crisis Communication, de Peter Anthonissen, dizem que “não se pergunta se um desastre grave irá atingir qualquer organização, mas somente uma pergunta de quando, como, de que forma ele chegará, e quem e como muitos serão afetados”. (Destaque nosso).

Tudo isso pode parecer uma digressão absurda e até desnecessária. Mas é o que estamos assistindo atualmente no Brasil e em certos países diante de cenários de crises cada vez mais graves. É como se as empresas, os governantes e até a imprensa estivessem anestesiados, assistindo os maiores absurdos num estado de inércia, impotentes diante da magnitude, da supresa e da rapidez dos acontecimentos. E poucas manifestações vão para as ruas protestar. Aqui e acolá alguns grupos organizados se mobilizam, como agora em Hong Kong, mas esses protestos não passam de uma marolinha diante da dimensão das crises.

E até o apregoado poder das massas, numa era de redes sociais e fácil mobilização, de forçar soluções para as crises, está posto em xeque. Basta recordar no que deu, realmente, a primavera árabe; os protestos populares na Ucrânia, Venezuela, Grécia e até mesmo no Brasil. Muito pouco ou nada mudou. No Egito, depois de um respiro efêmero de democracia, o país deu uma recuada para um regime muito parecido com a era do ditador Mubarack.

Seria o caso, então, de não fazer nada? Se alguns países pobres tivessem seguido essa ótica, continuariam atrasados até hoje. Dois exemplos. Coreia do Sul e Irlanda. Desde 1960, a Coreia do Sul deixou de ser um dos países mais pobres da Ásia, para se tornar um dos mais ricos do mundo, 14º no ranking de IDH. Eles souberam enfrentar a crise, realmente, e saíram fortalecidos.

Um dos pilares foram os investimentos em educação, principalmente de nível superior. A Coreia investiu, mandando estudantes para o exterior, ajudando o país a dar o grande salto nos últimos 50 anos.  Hoje, a Coreia do Sul é um dos chamados “Tigres Asiáticos”, junto com Hong Kong (atualmente em crise por mais liberdade), Taiwan e Cingapura. E se há um país que sofreu crises graves nos últimos 60 anos, foi a Coreia do Sul.

A Irlanda foi outro país que deu a volta por cima. Hoje ela tem o 11º  IDH do mundo. Mas foi uma das mais pobres nações da Europa enquanto esteve sob domínio do Reino Unido e durante décadas após a sua independência, em 1949. Entre 1995 e 2007, o país teve uma rápida expansão de sua economia, atraindo investidores de toda a Europa na euforia do Euro. Mas também acabou vítima da crise econômica que se abateu sobre alguns países da Europa a partir de 2008.

Por que citar esses dois exemplos? Porque o Brasil, 79º no IDH, parece impotente para adotar medidas contra as crises. E são inúmeras. Hoje pode-se eleger pelo menos cinco “clusters” de crises, para usar um termo da OCDE, que preocupam. As áreas já citadas de saúde, segurança, além da educação, do setor de transporte, mais a chaga da corrupção. Esta uma doença incurável, beneficiada pela impunidade e pelo aparelhamento da máquina dos governos, em todos os níveis.

Pode até se contestar se as crises realmente são estados da natureza das organizações, das pessoas, dos governos. Mas todos certamente concordam haver uma incompetência generalizada em encontrar soluções para as crises que, ao fim e ao cabo, afetam a vida das pessoas, em todas as partes do mundo. Se não somos capazes de encontrar soluções que amenizem os problemas graves para preservar a vida das pessoas, afinal, qual o sentido de todos nós estarmos aqui?

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