arruda boa fotoA tempestade que desabou sobre o GDF, parlamentares e empresários de Brasília desde sexta-feira (27) escancarou falhas primárias de gestão de crise. Com muito mais erros do que acertos.  Pelo desenrolar dos acontecimentos, o governo local não tinha gerenciamento de risco, nem gabinete de crise. Pareceu um boeing atingido em pleno ar, com várias vítimas, sem a empresa aérea ter qualquer plano de emergência.

Se não, vejamos. Pelas informações, o governador tinha indícios de que o ex-secretário de relações institucionais o havia denunciado. Insinua-se que haveria até chantagem. Criminosos inescrupulosos utilizam esse artifício quando percebem o outro lado vulnerável. Recentemente aconteceu com o apresentador David Letterman, da CBS, chantageado pelo marido de uma ex-namorada de Letterman. Ele foi à polícia e denunciou. A história está cheia de exemplos. No GDF, mais cedo ou mais tarde, fatos tão graves iriam vir a público. Pelas reações, a partir do momento em que a operação Caixa de Pandora vazou, o governo demonstrou surpresa e despreparo.

Não tinha um discurso articulado e coerente. Não escolheu um único porta-voz, que estivesse preparado para responder a todos os questionamentos. Provavelmente, porque algumas respostas nem existissem. Nos primeiros momentos houve um silêncio comprometedor. Somente na segunda-feira (30/11) o governador se manifestou por meio de uma nota lida, sem permitir perguntas, ao lado de dois advogados. Entrou em pormenores técnicos da gravação que não cabiam naquele momento. Entrevista mais completa só viria dia 2, no jornal Correio Braziliense.

O principal jornal local, também colhido de surpresa, minimizou a denúncia nas manchetes de sábado e domingo, fazendo de conta que o fato político mais grave dos últimos anos em Brasília não estava acontecendo. Três dias depois, teve que se render às evidências. Em compensação, conseguiu o “furo” do governador. Que pouco acrescentou às explicações já publicadas.

A crise do GDF se tornou mais emblemática por causa das imagens fortes de políticos, parlamentares e empresários guardando dinheiro e discutindo a distribuição do botim. Sem faltar orações, meias, cuecas e portas trancadas, de modo que qualquer justificativa, além de ferir a inteligência alheia, não resiste a uma análise mais aprofundada. Ou seja, não existe explicação. As gravações clandestinas ou autorizadas mostram um agente maquiavélico, que armou uma arapuca para todos os que entraram na sua sala para participar do seu jogo. Não importa a forma como as conseguiu. O fato é que existem.

As cenas explícitas até agora publicadas (porque fala-se em uma centena de fitas) é a ponta do iceberg do que acontece no país em vários escalões, do executivo ao legislativo, com respingos no judiciário. A impunidade por crimes de corrupção transforma o cargo político ou público num trampolim para falcatruas, a ponto de se confundir o exercício do cargo com a capacidade ou esperteza para aderir a “esquemas” visando obter vantagens financeiras para si ou para o partido.

A crise do GDF tem as mesmas origens e o mesmo DNA do mensalão e de tantos outros escândalos que surgem e desaparecem, sem que se saiba o que aconteceu aos acusados. Os argumentos de defesa são parecidos. O milagre da multiplicação de verbas sem “contabilização” difere apenas no valor e nos santos, porque a liturgia é a mesma: mistura de políticos inescrupulosos, com empresários corruptos. Estes, para faturar mais, aceitam a chantageam, o achaque e ficam caladinhos. Eles alimentam a máquina. Um depende do outro, num círculo vicioso em que só o contribuinte perde. E todos eles ganham.

Lições de crise

Do ponto de vista do gerenciamento de crise, podemos tirar algumas lições desse lamentável episódio:

O GDF não estava preparado para a extensão da crise. Minimizou o poder de fogo da “bomba ambulante” que era o ex-secretário. Ou seja, faltou gerenciamento de risco; faltou estratégia para os piores cenários. A área de comunicação não tinha um plano consistente para uma crise desse porte.


O GDF brincou com fogo. Deixou no governo, em cargo estratégico, e não em função burocrática como diz o governador, um cidadão denunciado em mais de 30 processos na Justiça, com acusações graves de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes. Ou seja, Arruda carregou a “herança maldita” de Roriz. Até agora, esse erro grave não teve uma explicação plausível. O que desmonta o discurso ético do governo. Não existem compromissos de campanha maiores do que a reputação de um governo.


O GDF não conseguiu explicar à sociedade, por que um candidato a deputado (na época) ou governador vai ao encontro de um funcionário pegar dinheiro em espécie, quando os bancos estão aí mesmo para fazer transferência sem perigo de assalto. “Eu to achando que podia passar lá em casa, porque descer com isso aqui é mala”, afirma um constrangido e indeciso portador. Isso vale para qualquer pessoa que aparece nos vídeos que circulam na internet.
As negativas peremptórias feitas em declarações públicas ou notas à imprensa se enfraquecem diante dos fatos. Não se briga com os fatos, ensina a boa gerência de crise. Deve haver consistência na negação. Isso não acontece na crise atual. A todo momento, alguém está querendo brigar (negar) com os acontecimentos mostrados nos vídeos.


Deve-se assumir o controle da crise nas primeiras horas. Caso contrário a crise ou a imprensa o engolem. O GDF claudicou ao tentar controlar a crise. E de certa forma foi engolido por ela. O clamor popular chegou à Câmara Legislativa, como já chegou às ruas. É o pior cenário para quem pretende administrar a crise e sobreviver.


Culpar terceiros pela crise, quando não há explicação convincente é um erro. É o que se deduz da entrevista do governador. Há interesse eleitoreiro nas denúncias. Tudo bem. Todo ato político pressupõe interesse eleitoreiro. A explicação tem que estar acima disso. Ser convincente, não importa de onde tenha partido a denúncia. Quem governa deve estar acima e imune a qualquer gravação ou chantagem, do ponto de vista ético.


Quando existe um passivo no passado de alguém, ele volta com força na crise. É o que acontece agora com o governador. Todos lembram o episódio do painel do Senado, o que agrava a crise pessoal de Arruda e, por extensão, a crise do governo. O aparecimento de secretários nas denúncias também torna a crise do GDF mais grave, porque ela não se limita à pessoa do governador. Permeia o executivo, o legislativo, com respingos no judiciário local.


Evidencia-se falta de comando para essa crise. Quem deveria comandá-la está comprometido e sem a credibilidade necessária para administrar os fatos. Com isso, todo o processo se torna contaminado e mais vulnerável. Isso vale para as ações administrativas e as de comunicação. Comando também pressupõe equipe coesa e voltada para o mesmo objetivo. No caso, essa prerrogativa foi comprometida pelo envolvimento, demissão ou revoada de vários secretários e assessores.


Você pode se recuperar de eventuais perdas materiais implicadas numa crise. Mas dificilmente se recupera da perda de confiança das pessoas na sua pessoa ou na sua marca. Reputação é um ativo que não pode ser perdido na crise. Esse é um risco que o GDF está correndo.


Finalmente, se encontrar explicações plausíveis para as cenas e diálogos suspeitos, o GDF terá muito trabalho para recuperar a imagem e manter a governabilidade. A estrutura do poder foi atingida. Ou seja, o governo foi ferido no que de mais precioso um governante pode ter: o índice de confiança da população. O governo perdeu e, com a pressão toda da mídia, do partido que lhe dá sustentação e da sociedade, dificilmente conseguirá se recuperar. Ou seja, é um doente com grave risco de não sobreviver.

Redes Sociais

 redetwiter redeface redeflick  redelinkedin

banner livro rodape herodoto