leaosimbolodareceitaHá pelo menos duas semanas, governo, oposição, Receita Federal e mídia se digladiam numa guerra de informação em torno do vazamento de dados relativos ao imposto de renda de pessoas ligadas ao PSDB e, agora, à família do candidato oposicionista.

Cada dia a mídia traz um capítulo novo, ao apimentar o discurso da oposição e assustar o governo, que não quer nenhuma marola agitando o mar de tranquilidade em que navega a candidatura da “mãe do Brasil”.

Não fosse pelo período eleitoral, provavelmente esse debate teria sido circunscrito a mais uma estripulia de funcionários públicos que confundem o “múnus público” com militância política. Uma marca histórica desse governo. Basta lembrar o vazamento do sigilo do caseiro Francenildo Costa, na Caixa; o dossiê dos gastos com cartões corporativos; o dossiê dos aloprados e outros tantos. Não custa repetir. O aparelhamento da máquina pública não é pernicioso apenas porque, em geral, coloca incompetentes em cargos que deveriam ser ocupados por técnicos. Mas porque o militante transforma o cargo num instrumento do partido.

O governo não tem pressa em esclarecer o caso do vazamento dos tucanos, porque em período eleitoral a pressa, às vezes, é inimiga da perfeição. Mas atropelado pelo furo da imprensa de que uma das vítimas da bisbilhotice era a filha de José Serra, não restou alternativa à Receita e ao governo a não ser pelo menos dar mostras de que está levando o assunto a sério. Assim, o Secretário da Receita foi empurrado para dar entrevistas, que acabaram não esclarecendo muito mais do que a mídia já sabia.

As declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, na última sexta-feira, sobre o tema é daqueles momentos que deviam ser apagados da biografia da fonte. Melhor seria ter ficado calado, para evitar comparar um crime com uma travessura de fim de semana. Ao admitir, com desdém, que a quebra do sigilo da filha de Serra é apenas mais um, entre tantos, porque no Brasil quebra-se sigilo todo dia, o chefe maior da Receita Federal do Brasil deu uma “confissão de incapacidade” ou declarou “a rendição do Estado à ação do crime”,  como diz Dora Kramer, no Estado de 05/09.

Pior, deu sinal verde para que qualquer pessoa nesse país se ache no direito de violar o sigilo dos outros, seja na Receita, nos bancos, nas secretarias de Fazenda, ou em hospitais, consultórios médicos, laboratórios, enfim. Com o desdém do ministro e a impunidade, estaria livre a violação, porque, afinal, todo dia acontece. Algo parecido com as declarações do seu comandante-chefe, na época do mensalão.

A oposição aproveita o fato para fazer um tsunami, tentando pelo menos levar a eleição presidencial para segundo turno. Mas o que interessa no caso, à parte interesses eleitoreiros dos dois lados, é saber: afinal, os escritórios da Receita no país se transformaram em verdadeiros queijos suíços, em que qualquer funcionário pode compartilhar senhas, entregar cópias de declarações, sem confirmar a autenticidade da procuração, violar sigilo e ficar tudo como se nada tivesse acontecido? São sucursais do partido ou balcão de negócios de contadores e advogados inescrupulosos? Existe mesmo uma guerra de poder entre sindicatos de funcionários, em que as principais vítimas são os contribuintes?

Quem acompanha as notícias sobre o imbróglio nos últimos dias, de parte à parte, vai concluir que tanto o presidente da República, a candidata oficial e o ministro da Fazenda, quando desdenham do crime cometido em S. Paulo, quanto a oposição, que quer aproveitar a grave falha para transformá-la em ato político, estão pouco preocupados em encontrar a verdade. Cada um, tanto o que deseja esconder, empurrar com a barriga, minimizar, quanto o que pretende arranhar a imagem e arrancar votos do partido do governo, estão apenas de olho no que vai sair das urnas no dia 3 de outubro.

Por isso, nesse episódio, assim como nos dossiês, confeccionados nos bastidores dos palácios, e pilhas de dinheiro que andaram circulando por escritórios, hotéis e aeroportos, nos últimos anos, a principal vítima é a verdade. Aquela que os brasileiros nunca conseguem alcançar. Nesse caso, como nos demais, os processos abertos irão para a fim da fila, esperar a boa vontade do Judiciário, juntam-se a tantos outros, que foram anunciados nesse governo e no anterior. E nunca se conheceu o resultado.

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