Manaus crise jan 2021Teria o Brasil atingido o fundo do poço neste início de ano? “Muitas vezes, em crises graves, você não pode ver nenhuma luz no fim do túnel, porque seu foco está na escuridão”, diz Gisli Olafsson, no livro The Crisis Leader. Estaríamos nós tão decepcionados e céticos, que não estamos vendo nada além da escuridão?

Não há dúvidas de que o mundo todo, mas particularmente o Brasil, terminou o ano num grande baixo astral. A economia emperrada, por conta das paralisações nas atividades durante o ano passado; as pessoas com medo de se locomover, ir para o trabalho, ter contatos, por causa do risco de contágio por coronavírus; o desemprego atingindo 14 milhões de brasileiros, sendo agravado a partir de janeiro, com o fim do “auxílio emergencial”. Os empresários com receio de investir, porque não sabem se terão o retorno esperado em 2021. Porque os bilhões do “auxílio”, que mantiveram a economia aquecida em 2020 não viriam mais.

E, para completar, uma das piores consequências da Covid-19: milhões de alunos, da creche à universidade, sem frequentarem aulas presenciais e, em grande parte, nem aulas online. Sem educação, estamos comprometendo o futuro dessas crianças e jovens. Muitos não tiveram nenhuma aula, durante o ano todo, porque a Internet não ajudava ou perderam o interesse. Em muitos casos, porque precisaram trabalhar para ajudar os pais.  

E não há horizonte claro, ainda, para os alunos voltarem às aulas. Enquanto EUA debatem se escolas devem ser mantidas abertas, surge um consenso na Europa de que as crianças são um fator considerável na disseminação da Covid-19. Vários países decidiram manter fechadas as escolas no início de ano, na Europa. E o Brasil? Há algum programa do MEC que direcione as escolas públicas, pelo menos, como vão sair dessa crise?

O que era ruim poderia ficar pior?

Manaus 2 crise jan 2021Em meados do ano passado, quando a pandemia começou a ceder em alguns estados, houve um princípio de otimismo de que este ano seria o da redenção, após enfrentarmos uma das maiores crises dos últimos 100 anos. Mas dezembro já prenunciava que o coronavírus não tinha cedido. E que outras medidas – mesmo rigorosas - seriam necessárias para conter a disseminação. Mas, ao contrário do que os infectologistas recomendavam, o governo federal sempre desestimulou o “lockdown”, o isolamento social e o fechamento do comércio; os governadores e prefeitos com medo de críticas e, sob pressão dos empresários, cederam na liberação de várias atividades. Tudo isso junto, mais as aglomerações pelas eleições e festas de fim de ano, foi o que o vírus precisava para se alastrar.

Começamos o ano com certa esperança. Mas com notícias muito ruins. Em poucos dias o cenário de nuvens carregadas não cedeu. Ao contrário, veio a tempestade, que podemos chamar de segunda onda: o número de casos de infecção aumentando em quase todo o mundo, principalmente no Brasil, que é o terceiro país com mais casos e o segundo em número de mortes por coronavírus no planeta; inflação aumentando em níveis que nos últimos anos não ocorria; sistema de saúde entrando em colapso, pelo aumento de internações; governo federal disputando com o de São Paulo, quem teria uma vacina primeiro. Ou seja, um desserviço ao país porque o que menos precisamos nesse momento é o divisionismo, a politização do combate à pandemia, em que um lado puxa pra lá, outro para cá e, ao fim e ao cabo, não temos vacina e sequer seringas para toda a população. E isso, quando mais de 40 países no mundo já estão imunizando os cidadãos.  

O que significa isso? Incompetência total das autoridades sanitárias, principalmente o Ministério da Saúde em coordenar e dirigir um plano razoável de aquisição de vacinas e de planejamento para imunizar a população. A impressão que se tira a cada entrevista do Ministério da Saúde é que eles estão perdidos e só foram levar esse tema a sério, porque o governador de São Paulo os atropelou com a produção da Coronavac (a vacina desenvolvida pela Laboratório Sinovac-Biotech, na China, e no Brasil pelo Instituto Butantã), até marcando data para início da imunização, que seria dia 25 de janeiro.

A professora Titular de Ética da FSP/USP, Deisy Ventura, é direta em acusar o governo, não de inércia, mas de ação premeditada: “Não houve omissão, mas uma ação deliberada para disseminação do vírus”. O que poderia levar Bolsonaro e outros responsáveis a serem denunciados em fórum internacional. 

O desespero do governo federal em não ser engolido pelo governo de S. Paulo produziu entrevistas antológicas. O doutor em Comunicação da USP, Manual Chaparro, gostava de chamar “sua excelência o fato” um elemento necessário para que uma entrevista fosse viabilizada com utilidade para os jornalistas. Nas entrevistas do ministério da Saúde, o fato fica de fora, não foi convidado, o que, em consequência, leva também a não produzir notícia. Apenas factoides.

Resumo: entramos em 2021 sem vacina e sem seringas para todo o mundo. As promessas e planos explicitados pelo governo sobre vacinação não passavam de ”intenções”, onde os dados são sacrificados a favor de notícia não confirmada. Milhões de vacinas daqui, milhões dali, milhões de lá que o Brasil teria, se reduziam a uma “intenção”. Falando em bom português, uma enrolação. O Brasil não comprou e, agora, entra na fila do desespero para conseguir o “ingresso”. Pode até pagar mais caro pela incompetência.

Se havia uma crise grave com a disseminação do coronavírus, agora temos a crise dentro da crise, que é corrermos atrás dos outros países para imunizar 210 milhões. Para ilustrar que essa não é uma tarefa fácil, estamos vendo os EUA com as vacinas já disponíveis patinarem no ritmo de imunização. Mostrando que é preciso mais do que simplesmente comprar a vacina: logística, armazenamento, escolha dos grupos e timing também são decisivos. A experiência reconhecida do Brasil com imunização está sendo desperdiçada pela falha de gestão da área da Saúde, no que deveria ter sido acertado lá no início de 2020.

Para culminar o que já era um grande problema, na semana passada ficamos sabendo que em Manaus os pacientes de Covid-19 estavam morrendo por falta de oxigênio. Seria uma surpresa o oxigênio ter acabado de uma hora para outra? Não. Desde novembro, o governo do Amazonas tinha informações de que o oxigênio poderia faltar. Não por coincidência governador e secretário da saúde do Amazonas foram denunciados por corrupção na compra de material hospitalar. E desde o início do ano, o Ministério da Saúde foi avisado. Ou pelo menos deveria saber. Para isso, o ministério deveria ter uma estrutura que, por se tratar de uma crise grave, controlasse eventual colapso no sistema de saúde de qualquer unidade da federação, como aconteceu na capital do Amazonas.

Mais uma demonstração de que a gestão da crise da Covid-19 no Brasil, além de ser considerada das piores do mundo, vem sendo conduzida pelo governo aos espasmos. Sem planejamento e com um programa articulado e rigoroso de controle dos casos para oferecer mais testes e possibilitar a redução do contágio. Sem uma gestão profissional, de que são exemplos países como Coreia do Sul, Nova Zelândia, Austrália, Vietnã, Costa Rica, Uruguai e Chile, entre outros, dificilmente o País conseguirá reduzir a incidência do vírus, pelo menos no primeiro semestre. Realmente, está muito difícil ver alguma luz no fundo do poço.

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