Os candidatos à presidência têm extrema dificuldade de enfrentar questionamentos sobre um tema que esteve na pauta econômica quase todo o ano: a reforma da Previdência. Isso, porque apesar das reações oportunistas da oposição, apoiadas por sindicalistas e outros grupos que apostam no “quanto pior, melhor”, se o Brasil não enfrentar o déficit previdenciário, a área econômica tem sido bem clara de que não haverá recursos para pagar os aposentados em futuro bem próximo. O projeto de reforma foi boicotado e o governo atual, sem forças, não teve cacife para submetê-lo ao Congresso. E os candidatos a presidente fogem do tema, embora saibam que não haverá saída, a não ser enfrentá-lo.
Por isso, é oportuno o artigo "The coming storm: entering retirement broke and bankrupt" publicado no início deste mês, pela CBS News, na seção Money Watch, de autoria de Aimee Picchi, sobre o que está acontecendo com a geração americana, chamada “baby boomer”*, ou seja, aqueles que hoje estão na faixa de 65 a 73 anos, nascidos após a II Guerra Mundial e em idade para se aposentar. É uma realidade triste e extremamente preocupante, porque a tendência é de piora. Embora numa economia extremamente pujante, o artigo mostra de uma forma bastante esclarecedora, o que poderá acontecer com os idosos brasileiros, nos próximos anos, se nada for feito. Ou seja, os aposentados americanos poderiam dizer aos brasileiros, que reagem a qualquer mexida no atual sistema de aposentadoria, no Brasil : eu sou você amanhã.
Embora a população dos EUA esteja envelhecendo, o pico de falência dos americanos mais antigos excede em muito a mudança demográfica, de acordo com uma pesquisa do Consumer Bankruptcy Project (Projeto de Falência do Consumidor), uma organização sem fins lucrativos, que analisou dados de registros de tribunais de falências e questionários escritos por devedores, em trabalho feito com a colaboração de diversas universidades. O estudo foi chamado de Graying of U.S. Bankruptcy: Fallout from Life in a Risk Society. Cerca de 100 mil dos 800 mil pedidos anuais de falência são de famílias chefiadas por idosos, ou cerca de 12,2% de todos os pedidos, diz o artigo. No ranking dos que pediram “falência”, nos EUA, os aposentados cresceram cinco vezes, desde 1991.
Para uma parcela crescente dos norte-americanos mais velhos, as ideias tradicionais sobre a vida na aposentadoria estão sendo derrubadas por uma realidade sombria: a falência, diz artigo publicado no New York Times no início do mês. Para se ter uma ideia de como se agravou o problema: dados coletados pelos pesquisadores são incontestáveis. De fevereiro de 2013 a novembro de 2016, havia 3,6 processos de falências por 1.000 pessoas de 65 a 74; em 1991, esse índice era 1,2.
O que teria levado os aposentados americanos à falência, num momento em que eles deveriam estar colhendo a recompensa - ainda que modesta - por anos de trabalho. Justo quando as condições físicas e intelectuais já não estão no melhor momento? O motivo principal parece ser os cortes na rede de segurança social - tais como elevar a idade de aposentadoria e exigir que os idosos paguem mais custos com saúde - assim como uma mudança no risco do governo e das corporações de saúde, para planos individuais. Muito parecido com o que está acontecendo no Brasil.
A pesquisa conclui que cada vez menos americanos aposentam-se hoje com uma pensão privada, dada a crescente popularidade de alguns investimentos, onde os trabalhadores são responsáveis por tomar suas próprias decisões de aplicações em fundos e poupança. Isso tem levado a uma maior probabilidade de carregar dívidas de hipotecas e cartões de crédito após os 60 ou 70 anos.
Nos EUA, a idade de aposentadoria completa para a Seguridade Social, hoje em 65 anos, está subindo a cada ano. E os aposentados agora pagam 20% de sua renda em despesas de saúde, embora sejam cobertos pelo Medicare, em comparação com 12% das gerações anteriores. Cada vez mais americanos comprometem a renda com despesas de saúde, portanto.
Como resultado, a taxa de falências entre os americanos com mais de 65 anos dobrou no período estudado pelos pesquisadores. "Para um número cada vez maior de americanos mais velhos, seus anos dourados são repletos de riscos econômicos, cujo resultado é muitas vezes a falência", concluiu o relatório. Como um quarto do país terá mais de 65 anos em 2050, em comparação com os 15% atuais, os autores do estudo preveem que os EUA verão uma "tempestade iminente de idosos falidos".
"As pessoas que aparecem em bancarrota são sempre a ponta do iceberg", disse Robert M. Lawless, professor de direito da Universidade de Illinois e outro autor do estudo. A próxima geração que está se aproximando da idade de aposentadoria também está declarando falência em maior número, e a idade média dos devedores está aumentando, segundo o estudo. Se estamos falando de um cenário extremamente vulnerável e muito provável para a maior economia do planeta, o que estará reservado ao Brasil, nos próximos anos?
Mais velho e mais pobre
A autora afirma que “o problema com essas mudanças de risco social, como os autores do estudo veem, é que os idosos são o grupo menos capaz de lidar com tais mudanças. Por causa da idade, eles têm menos anos para construir ou reconstruir a riqueza, e é comum que os americanos mais velhos - como em qualquer lugar do mundo - tenham dificuldade em encontrar empregos que pagam tanto quanto eles ganhavam quando eram mais jovens. "A aposentadoria é uma época da vida particularmente precária", conclui a Consultoria.
Por que pedem falência? “A falência é projetada – diz Aimee Picchi - para permitir um "novo começo", ao eliminar as dívidas ou reestruturá-las de uma forma que se torne mais fácil pagá-las. Mesmo assim, isso funcionaria como um paliativo, porque os idosos falidos não têm tempo suficiente para recuperar sua estabilidade, muito menos a poupança financeira.”
De acordo com os pesquisadores, “os idosos falidos estão em situação financeira difícil. Eles estão assumindo mais de US$ 100 mil em dívidas, em comparação com US$ 1.000 em dívidas de seus pares não falidos. Idosos financeiramente solventes têm cerca de US$ 251 mil em riqueza, mas americanos falidos mais velhos têm uma riqueza líquida negativa de mais de US$ 17 mil.
"Todas as coisas subiram de preço"
Os americanos mais velhos que declararam falência disseram aos pesquisadores que eram frequentemente atingidos por um duplo golpe: renda de aposentadoria inadequada e custos crescentes - especialmente custos de saúde.
"Todas as coisas subiram de preço", disse um entrevistado. "O salário da aposentadoria nunca subiu. Tive um emprego de meio período que ajudava nos pagamentos mensais. A prestação da casa continuava subindo. Fui demitido do meu emprego de meio período que eu tinha por mais de 10 anos sem nenhum aviso. Aos 67 anos, e tendo problemas nas costas, muitas pessoas não vão contratá-lo, mesmo como trabalhador de tempo parcial." Essa triste constatação, infelizmente, é uma prática universal que atinge também os aposentados brasileiros. Pessoas que perderam emprego no Brasil, com mais de 40 ou 50 anos, têm declarado uma dificuldade maior numa recolocação, apesar da experiência.
Outros aposentados observaram – diz a articulista – “que seus problemas de saúde resultaram em perda de emprego ou renda, enquanto o seguro não cobria totalmente as despesas de saúde. "Cheguei ao ponto em que devia mais do que estava recebendo com a previdência social. Para sair dessas contas médicas, tive que declarar falência", disse outro entrevistado.” Cerca de 7 dos 10 entrevistados indicaram que a combinação de despesas médicas e falta de trabalho contribuiu para suas falências.
Perguntados sobre o que eles não puderam pagar no ano anterior à falência, metade dos idosos disse que a coisa mais importante a ser cortada foi a assistência médica, como cirurgias, receitas médicas e atendimento odontológico. "Essas respostas continuam a sugerir que a cobertura de saúde é inadequada", concluíram os pesquisadores.
O triste retrato da remuneração na aposentadoria americana, lamentavelmente, é o prenúncio do que poderá acontecer no Brasil nos próximos anos. O IBGE tem constatado que grande parte dos 13 milhões de desempregados apurados no Brasil, em julho, foi morar na casa e às custas de parentes, principalmente pais ou avós aposentados, uma evidência mais efetiva na região Nordeste.
Em conjunto, o retrato da aposentadoria nos EUA é de instabilidade e risco, pelo menos para alguns americanos. E a falência, embora destinada a fornecer algum alívio, pode ser "um pouco tarde demais", concluem. Eles acrescentaram: "No momento em que eles pedem falência, seu patrimônio praticamente desapareceu, e eles simplesmente não têm anos suficientes de vida para se reerguerem".
Teria a geração baby boomer falhado em se preparar para o futuro, ela que viveu os “anos de ouro” da bonança americana, no pós-guerra e nos anos 50? Muito provavelmente sim, mas sem deixar de constatar que o país também não ajudou essa geração a se preparar para o futuro. Uma triste realidade dos aposentados americanos, que de certa forma reflete o que vem acontecendo no Brasil de hoje.
Talvez, a última geração que ainda pôde fazer alguma poupança tenha sido a chamada geração “baby boomer”. Mas diante da mudança brusca de cenário nos países desenvolvidos, sobretudo a partir de 2008, vemos que os idosos que tiveram uma vida economicamente ativa de pleno emprego não estavam preparados para um tempo de vacas magras, na velhice. O resultado dessa política de oba-oba, melhor dizendo, a cobrança dessa política, está chegando. E para aqueles que passaram dos 50 anos, no Brasil, é bom ficar de olho no que está acontecendo nos EUA. Não muito diferente do que poderá acontecer por aqui nos próximos anos.