Greve dos caminhoneirosUma combinação de erros históricos, de atraso e lentidão nas negociações, da falta de experiência para lidar com crises, da própria fraqueza política do governo e da irresponsabilidade de motoristas e empresários do setor de transporte rodoviário, incluindo os líderes dos caminhoneiros, deixou o país refém nos últimos sete dias.

Não bastassem os grupos ativistas de vários matizes, que volta e meia se acham no direito de interromper rodovias, invadir prédios públicos e comandar greves em serviços essenciais, agora um novo grupo resolve piorar a vida do cidadão brasileiro: seja ele empresário, funcionário público, paciente de hospital, mãe de família, operário ou estudante. Não há quem, no Brasil que, direta ou indiretamente, não tenha sido afetado pela greve dos caminhoneiros. Do Amazonas ao Rio Grande do Sul.

Do ponto de vista da gestão da crise, faltou no início dessa crise um interlocutor forte e a clareza da liderança, que colocasse na mesa de negociação até onde o governo poderia ir. Os caminhoneiros se aproveitaram dessa fraqueza. A partir de 5a feira, 24, a impressão era de que o governo havia perdido o controle do movimento. Fator decisivo, quando ocorre uma crise grave, ou seja, assumir o comando.

O mais grave dessa crise dos caminhoneiros é que o alerta foi dado em outubro de 2017. E, a partir daí, outros sinais, desde o ano passado, indicavam que a categoria não estava satisfeita, insuflada certamente por empresários que queriam pegar carona nas reivindicações dos caminhoneiros. Não podemos dizer que o governo foi pego de surpresa. Como acontece na maioria das crises, em 95% delas sempre há sinais de que algo grave pode acontecer. Isso implica se preparar, ter um plano de crise pronto, incluindo estratégias de comunicação, negociadores e porta-vozes preparados, treinados.

Num país sério, muitos dos líderes dessa manifestação já teriam sido responsabilizados judicialmente. Quem vai indenizar os empresários do setor avícola, só para citar um exemplo, que perderam milhões de reais, por não receberem ração e se virem impedidos de exportar? E as pessoas que perderam cirurgias, viagens, tratamento, cursos, inclusive no exterior? Não se discute aqui o mérito das várias reivindicações. O que importa é analisar a dificuldade de o país lidar com uma crise que não está restrita a um a único setor; que tem a dimensão do tamanho do país. Ela afeta a vida de toda a população, do mais abastado ao mais pobre. Transporte público, educação, saúde, segurança, indústria, comércio, não há um setor da economia ou da sociedade que tenha ficado imune a esse desvario. A lentidão com que se cuidou desse problema é inversamente proporcional à dimensão do transtorno que causou ao país.

É sabido que o setor do transporte brasileiro não apenas é um dos mais caros do mundo, como também é ineficiente e concentrado. Isso tem a ver, em parte, ao estado de conservação das nossas estradas, aos impostos, ao custo geral do transporte, onde se inclui o nó górdio desta crise, o preço do combustível e o pedágio. A crise se torna mais grave, dada a total dependência do País do transporte rodoviário. 61% do nosso transporte é baseado no modal rodoviário. Ferrovias representam apenas 21% e hidrovias menos ainda, bem na contramão do que fazem os países desenvolvidos, onde principalmente as ferrovias são prioritárias no transporte de carga.

Para agravar ainda mais o cenário dessa crise, nota-se a omissão quase total do Congresso Nacional, num momento extremamente delicado para o governo e para o País. Onde estavam os presidentes da Câmara e do Senado, os líderes de partidos, que sumiram no fim de semana? Nas bases, fazendo campanha? Ou na praia? Incrível como o Congresso Nacional perdeu importância neste país, a ponto de, num dos momentos mais delicados para o Governo e o País, este ano, as duas casas parlamentares terem deixado o presidente da República e ministros sozinhos, como se dissessem "essa crise ou esse problema não são nossos!" Que falta de liderança e de patriotismo nesses parlamentares que temos no Congresso.

Há um outro aspecto pouco explorado nessa crise. Um deles, a alta vertiginosa do preço do petróleo, que acabou fazendo a Petrobras repassá-la para o consumidor. A diretoria atual não poderia cometer de novo a irresponsabilidade da gestão passada que, por motivos eleitoreiros, segurou o preço dos combustíveis, mesmo com a subida do preço do petróleo, fazendo a Petrobras pagar a conta. Deu no que deu. Quase quebraram a empresa. O rombo foi de bilhões de dólares e a estatal pena até hoje com um endividamento monumental.

Tem mais. “O governo Dilma estimulou uma bolha na oferta de transportes, com crédito subsidiado do BNDES para compra de caminhões. Estima-se um excesso de oferta de quase 300 mil entre os 2,6 milhões de caminhoneiros, 10% acima do que teríamos sem o doping do crédito. A bolha estourou com o colapso da demanda em meio à recessão, derrubando os fretes”, diz Paulo Guedes em artigo publicado no jornal O Globo. Nós estamos com esta crise pagando a conta de políticas erradas no financiamento a qualquer preço, inclusive para outros setores.

Se há governo, sou contra

O pior é a confusão que se faz no “apoio” ou crítica a esse movimento dos caminhoneiros. Tanto o governo, quanto a oposição tiveram o cuidado de não condenar diretamente os participantes. Concentraram fogo nos empresários e associações patronais, que estão por trás do movimento. São dezenas de entidades, algumas de âmbito estadual. Os empresários também seriam de certo modo beneficiados com a redução de impostos e outras benesses que os caminhoneiros reivindicam. O caminhoneiros são a ponta de lança de outros interessados em facilidades para o setor. O governo acusou até a CNT – Confederação Nacional dos Transportes, entidade patronal, de estar interessada em insuflar essa paralisação.

Equivocadamente, a população mistura críticas ao governo e à Petrobras, com apoio aos caminhoneiros, como se estes fossem vítimas, como o consumidor em geral, de uma carga tributária excessiva e complicada. “Mas a coisa muda de figura quando a população percebe, ou é devidamente informada, que são patrões oportunistas e aproveitadores que estão criando o caos, impondo filas em postos de combustíveis, cancelando a circulação de ônibus e voos e ameaçando hospitais, o fornecimento de comida e água”, diz Vera Magalhães, no O Estado de S. Paulo. Há testemunhos de motoristas que, sem se identificar, confessaram que “o patrão pediu para nós não sairmos daqui”. Assim como ele, centenas de motoristas obedeciam à ordem das empresas para não saírem dos piquetes, porque o governo continuava cedendo. Como cedeu.

Provavelmente, nem os caminhoneiros se deram conta, quando aderiram ao movimento, no potencial explosivo dessa “greve”. E no transtorno que iria trazer ao país. O que não pode, como o Brasil testemunhou nos últimos sete dias, é uma categoria de trabalhadores centrar fogo nas suas reivindicações, custe o que custar, e colocar o governo na parede e a população refém. Algumas entidades dos caminhoneiros esnobaram as primeiras concessões dadas pelo governo, aceitas inclusive por outras associações, ao perceberem o titubeio das autoridades.

Para o governo, os empresários do setor estão fomentando a greve dos caminhoneiros. Já há uma convicção de que existe a prática do locaute (quando uma paralisação é coordenada e incentivada por empresários do setor, o que é ilegal). Cerca de 40 inquéritos foram abertos para investigar empresários suspeitos de participar do locaute. E até pedidos de prisão sendo analisados pela Justiça.

Os caminhoneiros não se sensibilizaram nem mesmo com hospitais que ficaram à mingua, sem sangue, oxigênio e medicamentos. Depois de uma pressão do governo e da sociedade, eles abriram corredores por onde podiam circular caminhões com animais, gêneros alimentícios, equipamentos essenciais, ambulâncias, carros de bombeiros e combustíveis, neste caso com muita restrição. Só liberavam se ficasse comprovado que o combustível era para um hospital, escolas ou alguma área estratégica do País. Mas porque impedir a saída de caminhões da Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, por exemplo, sete dias depois de iniciado o movimento, e após o governo ter concedido tudo que eles pediam? Difícil negar que existem outros objetivos políticos por trás de algumas lideranças desse movimento.Essas "benesses", incluindo desonerações tributárias para o setor do transporte podem chegar a R$ 10 bilhões. E adivinhem quem vai pagar?

A chantagem dos grevistas acabou rendendo mais do que eles esperavam. Talvez tenham até se surpreendido com a repercussão, quando o país começou a parar. Mas aí já era tarde. Nesta segunda-feira, ainda havia vários focos de caminhoneiros que não tinham se disposto a voltar a rodar o caminhão. Ao contrário, impediam aqueles que queriam de continuar viagem, voltar para casa ou entregar a mercadoria retida há pelo menos uma semana. Não satisfeitos, querem agora que a gasolina e o etanol também sejam reduzidos; querem o diesel tabelado, algo que é proibido. Na tarde de 2ª feira, apenas no estado de Minas Gerais, havia 59 focos de resistência dos caminhoneiros e 100 no Rio Grande do Sul. Eram mais de 600 as concentrações espalhadas pelo País. Caminhões que deveriam estar rodando, continuavam alimentando a paralisação, enquanto o desabastecimento de alimentos, remédios, oxigênio, combustível, ração para alimentar animais, entre outros gêneros de primeira necessidade, transformavam a vida do brasileiro num verdadeiro desatino.

Ante o desrespeito aos acordos e afronta à lei, nesse atropelamento das empresas de transporte e caminhoneiros contra o governo, não há dúvida de que quem saiu mais chamuscado e ferido foi o governo. Mas quem perdeu fomos todos nós.

Foto: Luis Vogel - Agência O Globo

Opiniões sobre a greve dos caminhoneiros

“O custo maior da crise (dos caminhoneiros) é que isso vai abalar a confiança. Aumenta a incerteza, que já vinha sendo um problema. Temos uma economia que vinha tendo dificuldade de se recuperar num ritmo proporcional à queda que tinha sofrido, por causa da incerteza". (Armando Castelar, economista)

“O governo não está inviabilizado, mas está limitado, na medida em que esse problema fique na agenda, Só existirá (risco) se as manifestações contaminarem outros setores...” (Murillo Aragão, cientista político).

"Há fortes suspeitas de que a greve foi, em parte, um locaute, um movimento de empresas de transporte para conseguir dinheiro do governo. Ninguém nessa turma é seu amigo, leitor. Se as empresas vencerem, teremos que pagar mais impostos". (Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford).

"O descontrole do país resulta dos muitos grupos que defendem seus interesses particulares ainda que em prejuízo do país, em meio a salvadores da pátria que acham razoável descumprir a lei para fazer o que acham melhor". (Marcos Lisboa).

"Os caminhoneiros podiam ter motivos ponderáveis para protestar e para cobrar mudanças, mas nada poderia justificar a obstrução de rodovias e a imposição de danos à população". (Rolf Kuntz, jornalista, O Estado de S. Paulo).

"Contribuintes e consumidores vão pagar essa conta. Os contribuintes, porque a solução encontrada pelo governo para atender ao pleito dos grevistas inclui subsídios ao preço do diesel e outras medidas com impacto fiscal, como o fim da Cide, contribuição que incide sobre os combustíveis." (Jornal O Globo)

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