Facebook antisocialO Facebook envolvido numa tempestade perfeita. Fruto do próprio gigantismo e da falta de transparência. A toda poderosa rede, com mais de 2 bilhões de usuários, considerada por todos como maior e mais importante que qualquer outra rede social, está sob os holofotes, após a revelação de que os dados de pelo menos 50 milhões de usuários foram utilizados por uma empresa britânica de análise para influenciar a eleição americana e o plebiscito do Brexit, no Reino Unido.

Artigo de Olivia Solon, publicado no jornal britânico The Guardian neste sábado, mostra como o Facebook se atrapalhou na explicação dessa crise. Destacamos os principais tópicos dessa densa análise, enquanto acompanhamos o vasto material que a mídia nacional e internacional tem divulgado sobre o tema.

Desde que o jornal britânico The Observer relatou, em 17 de março, que os dados pessoais de cerca de 50 milhões de americanos foram coletados do Facebook e indevidamente compartilhados com a consultoria política Cambridge Analytica*, tornou-se cada vez mais evidente que a rede social tem sido muito mais frouxa com suas práticas de compartilhamento de dados do que muitos usuários percebiam.

Como aconteceu o vazamento? A empresa britânica coletou informações privadas dos perfis do Facebook de mais de 50 milhões de usuários sem a permissão deles, de acordo com ex-funcionários, associados e documentos da Cambridge, tornando-se um dos maiores vazamentos de dados na história da rede social. A violação permitiu que a empresa explorasse a atividade de mídia social privada de uma enorme faixa do eleitorado americano, desenvolvendo técnicas que sustentavam seu trabalho na campanha do presidente Trump em 2016.

“À medida que o escândalo se desenrolou nos últimos sete dias, a resposta fraca do Facebook destacou um desafio fundamental para a empresa: como ela pode condenar a prática da qual seu modelo de negócios depende?

"Essa é a história que esperávamos para que as pessoas prestem atenção não apenas no Facebook, mas em toda a economia de vigilância", disse Siva Vaidhyanathan, professora de estudos de mídia da Universidade da Virgínia.

“Desde o comentário de Zuckerberg, que chamou os usuários do Facebook de idiotas, em 2004, a mais poderosa rede social fez de tudo para convencer o público de que se trata de "conectar pessoas" e "construir uma comunidade global". Esse discurso de marketing pseudo-edificante é muito mais fácil para os funcionários e os usuários do que a missão (preconizada pela rede) de 'consumir dados pessoais para que possamos direcioná-los para a publicidade'."

“Na esteira das revelações de que a Cambridge Analytica desviou dados coletados pelo Dr. Aleksandr Kogan** sob o disfarce de pesquisa acadêmica, o Facebook se esforçou para culpar esses terceiros desonestos pelo “abuso de plataformas”. "Toda a empresa está indignada por termos sido enganados", afirmou o Facebook em comunicado na terça-feira. No entanto, ao destacar o aparente engano, a empresa foi forçada a lançar luz sobre seu subjacente modelo de negócios e anos de práticas descuidadas de compartilhamento de dados.

“Claro, os dados mudaram de mãos entre o pesquisador e a Cambridge Analytica em aparente violação do acordo de Kogan com o Facebook, mas todo o resto estava além do aceitável. A quantidade de dados que o Cambridge Analytica adquiriu e usou para fornecer publicidade direcionada baseada em tipos de personalidade - incluindo atividades, interesses, checkins, localização, fotos, religião, política, detalhes de relacionamento - não era incomum nem um pouco. Este foi um recurso, utilizado pela empresa, e não (como alguns atribuem) fruto de um bug.

Extremamente amigável para desenvolvedores de aplicativos

facebook nota desculpas“Existem milhares de outros desenvolvedores, incluindo os criadores do aplicativo de namoro Tinder, jogos como o FarmVille, além de consultores da campanha presidencial de Barack Obama em 2012, que usaram enormes quantidades de dados sobre usuários e amigos - tudo graças ao excessivamente permissivo programa do Facebook “Graph API”, a interface através da qual terceiros podem interagir com a plataforma do Facebook.

“O Facebook abriu-se para atrair desenvolvedores de aplicativos para o ecossistema da rede, no momento em que a empresa estava se recuperando da transferência de seus negócios de desktops para smartphones. Foi uma relação simbiótica que foi fundamental para o crescimento do Facebook.

"Eles queriam impulsionar o máximo possível a conversação, a receita publicitária e a atividade digital e torná-las extremamente amigáveis para os desenvolvedores de aplicativos", disse Jeff Hauser, do Center for Economic and Policy Research. “Agora eles estão reclamando que os desenvolvedores abusaram deles. Eles queriam isso. Eles estavam encorajando isso. Eles podem agora se arrepender, mas conscientemente soltaram as forças que levaram a essa falta de confiança e perda de privacidade ”.

“Os termos foram atualizados em abril de 2014 para restringir os dados que novos desenvolvedores poderiam obter, incluindo os dados dos amigos das pessoas, mas somente após quatro anos de acesso ao Facebook. As empresas que se conectaram antes de abril de 2014 tiveram outro ano antes de o acesso ser restrito.

“Por muito tempo os consumidores pensaram em privacidade no Facebook em termos de saber se seus ex-namorados ou chefes poderiam ver suas fotos. No entanto, à medida que lidamos com as configurações de privacidade do nosso perfil, as invasões reais estão ocorrendo em outro lugar.

“Nesse sentido, as 'configurações de privacidade' do Facebook são uma grande ilusão. O controle sobre o pós-compartilhamento - pessoas com as quais compartilhamos - deve realmente ser chamado de "configurações publicitárias", explica Jonathan Albright, diretor de pesquisas do Tow Center for Digital Journalism. "Da mesma forma, o controle sobre o compartilhamento passivo - as informações que as pessoas [incluindo aplicativos de terceiros] podem tirar de nós - deveriam ser chamadas de ‘configurações de privacidade’."

"Essencialmente, o Facebook nos dá “trabalho” de privacidade para nos fazer pensar que temos controle, ao mesmo tempo que dificulta realmente o bloqueio de nossas contas.

O maior problema que já vi"

"O Facebook está lidando com um campo minado de relações públicas. Quanto mais se fala sobre suas práticas publicitárias, mais cresce o movimento #DeleteFacebook. Até mesmo o co-fundador do WhatsApp, Brian Acton, que lucrou US$ 19 bilhões com a venda do aplicativo vendido ao Facebook, disse nesta semana que está excluindo sua conta.

"Este é o maior problema que eu já vi em qualquer empresa de tecnologia no meu tempo", disse Roger McNamee, ex-mentor de Zuckerberg.

"Não é como se a tecnologia não tivesse muitos escândalos", disse ele, mencionando o caso de fraude de outras duas empresas, a Theranos e o MiniScribe, contendo blocos reais em caixas, em vez de discos rígidos. “Mas ninguém mais desempenhou um papel no enfraquecimento da democracia ou da perseguição das minorias antes. Este é um novo jogo de bola no mundo da tecnologia e é realmente horrível.”

"O Facebook descobriu pela primeira vez que Kogan havia compartilhado dados com a Cambridge Analytica, quando um jornalista do The Guardian entrou em contato com a empresa no final de 2015. Então, solicitou à Cambridge Analytica que apagasse os dados e revogasse o acesso à API dos aplicativos de Kogan. No entanto, o Facebook baseou-se na palavra da Cambridge Analytica de que eles tinham feito como acordado.

No mínimo, o Facebook foi ingênuo por acreditar que uma empresa que tinha ouro puro na mão, obtido num garimpo ilegal, iria, por pruridos ecológicos, jogar todo o ouro no mar. Isso não aconteceu.

"Quando o jornal The Observer entrou em contato com o Facebook, na semana passada, com o depoimento de um informante afirmando que a Cambridge Analytica não havia apagado os dados, a reação do Facebook foi tentar antecipar a história publicando sua própria divulgação na sexta-feira e enviando uma advertência legal para tentar evitar a publicação de suas descobertas explosivas.

"Em seguida, seguiu-se cinco dias de silêncio virtual da empresa, enquanto o coro de chamadas dos críticos ficava mais alto, e mais detalhes dos negócios do Facebook surgiram.

Nesse momento, apesar de ser uma empresa de mídia, o Facebook começava a perder a batalha da comunicação.

Facebook furo The Observer"Um segundo denunciante, o ex-gerente do Facebook, Sandy Parakilas, revelou que achava a falta de controle do Facebook sobre os dados fornecidos a desenvolvedores externos "totalmente aterrorizante ". Ele disse ao jornal The Guardian que havia avisado os executivos da empresa que sua abordagem frouxa à proteção de dados corria o risco de uma grande violação, mas que ele foi desencorajado a continuar investigando.

"Por volta da mesma época, surgiu a informação de que o co-diretor da empresa que coletou os dados do Facebook antes de passá-los para a Cambridge Analytic é um funcionário atual no Facebook. Joseph Chancellor trabalhou ao lado de Kogan na Global Science Research, que filtrou os dados usando um aplicativo de personalidade sob o disfarce de pesquisa acadêmica.

Procura de respostas

"Políticos de ambos os lados do Atlântico pediram respostas. Nos EUA, o senador democrata Mark Warner pediu regulamentação, descrevendo o mercado de propaganda política online como o “oeste selvagem”. “Seja permitindo que os russos comprem anúncios políticos ou uma ampla estratégia de anúncios customizados com base em dados de usuários obtidos de maneiras excusas, fica claro que, se não for regulamentado, esse mercado continuará propenso a enganação e falta de transparência", disse ele.

“A Federal Trade Commission planeja examinar se o site de rede social violou um acordo de privacidade de dados de 2011 com a agência sobre suas práticas de compartilhamento de dados.

“No Reino Unido, parlamentares convocaram o presidente-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, para fornecer provas a um comitê seleto que está investigando notícias falsas.

"Eu acho que eles estão em uma situação muito ruim porque há muito se beneficiam do analfabetismo tecnológico da comunidade política", disse Hauser.

A reação assustou os investidores, fazendo a empresa perder quase US$ 50 bilhões em valor de mercado, em dois dias, embora as ações tenham subido um pouco desde então.

Mea Culpa

“Na quarta-feira (21), Zuckerberg finalmente quebrou seu silêncio em um post no Facebook reconhecendo que as políticas que permitiam o uso indevido de dados eram uma “quebra de confiança entre o Facebook e as pessoas que compartilham seus dados conosco e esperam que o protejamos”.

“A diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, acrescentou seu próprio comentário: "Sabemos que isso foi uma grande violação da confiança das pessoas e lamento profundamente que não tenhamos feito o suficiente para lidar com isso".

“A empresa investigará aplicativos que tiveram acesso a "grandes quantidades de informações" antes das alterações de 2014 e auditará milhares de aplicativos que mostram "atividades suspeitas". A empresa também informará aqueles cujos dados foram "mal utilizados", incluindo pessoas que foram diretamente afetadas pela operação Kogan.

Nota com pedido de desculpas

Os principais jornais dos Estados Unidos e do Reino Unido publicaram no domingo (25 de março de 2018) anúncio de página inteira assinado por Mark Zuckerberg, CEO e fundador do Facebook. “Nós temos uma responsabilidade de proteger sua informação. Se não conseguimos, não a merecemos”, escreveu em referência ao escândalo com a empresa britânica Cambridge Analytica.

O anúncio está nas edições impressas dos jornais norte-americanos New York TimesWashington Post e Wall Street Journal. Nos britânicos, foi publicado no Sunday TimesSunday TelegraphObserverMail on SundaySunday Mirror e Sunday Express.

No texto, estava um resumo das medidas a serem tomadas pelo Facebook para impedir que novas situações demau uso de dados ocorram novamente. Os pontos, divulgados por Zuckerberg na 4ª feira (21 de março), são:

1. Investigar todos os aplicativos que tiveram acesso a grandes quantidades de informações antes de 2014 - a empresa Cambridge Analytuca iniciou a coleta de dados em 2013. Segundo Mark Zuckerberg, qualquer desenvolvedor de aplicativos que não aceite uma auditoria minuciosa em seu App será banido da plataforma;

2. Restrinir o acesso a dados por parte de desenvolvedores para impedir abusos futuros;

3. Tornar obrigatória a assinatura de contrato quando alguma empresa requisitar informações de usuários (é surpreendente que uma organização da dimensão do Facebook não firmasse contrato sobre esse tema);  

4. No próximo mês, o Facebook adicionará à sessão "News Feed" uma opção para que usuários possam ver os aplicativos que têm acesso aos próprios dados. O usuário poderá negar o acesso às informações.

*A Cambridge Analytica está atualmente sendo investigada nos dois lados do Atlântico. É um assunto-chave em dois inquéritos no Reino Unido - pela Comissão Eleitoral, no possível papel da empresa no referendo da UE e no Gabinete do Comissário de Informação, na análise de dados para fins políticos - e um nos EUA, como parte de um conselho especial. A investigação de Robert Mueller sobre o conluio Trump-Rússia.

**Aleksandr Kogan é um psicólogo da Universidade de Cambridge, Inglaterra, que desenvolveu um aplicativo para coletar dados de usuários do Facebook, inspirado nas pesquisas de outro estudioso da mesma universidade, Michal Kosinski. A coleta de dados  na plataforma do Facebook desse aplicativo foi autorizada pela rede e se destinava a fins acadêmicos. Kogan, entretanto, não se limitou aos estudos, vendeu os dados à Cambridge Analytica, empresa que tinha como executivo Steven Banon, ex-estrategista da campanha de Donald Trump. Essa consultoria recebeu investimento de US$ 15 milhões de Robert Mercer, bilionário americano, financiador do movimento conservador da direita alternativa nos EUA. Ou seja, a empresa tinha uma promíscua relação com os estrategistas de Trump.

Tradução: João Paulo Forni

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