Santa Casa de Bage*João José Forni

Em todas as cidades alguns locais viram referência. Fazem parte da história, do folclore, da tradição. Em Bagé, não é diferente. Entre os vários prédios e monumentos históricos, alguns que remontam à fundação da cidade, há 200 anos, destaca-se o da Santa Casa da Caridade de Bagé. Mais do que um hospital e um prédio antigo, é um patrimônio social da cidade. Para lá certamente recorre a maior parte da população local e arredores, quando precisa de atendimento médico de urgência, internação ou consulta.

Assim como a praça principal, a Catedral, a Prefeitura, o Coreto, a Santa Casa de Caridade virou referência, por ser refúgio e abrigo na hora que mais precisamos. É parte da vida de Bagé. Fundada por abnegados médicos que queriam proporcionar assistência "aos necessitados", por volta de 1870, até porque os ricos eram atendidos em casa, a Santa Casa nasceu na rua Santa Bárbara (atual General Osório).

As instalações atuais foram inauguradas em 1883, em terreno doado por José Facundo da Silva Tavares, com contribuições financeiras do Visconde de Serro Alegre (pai do doador), que custeou sua construção. Por aí pode-se imaginar quantas gerações passaram por ali.

Tudo isso para dizer que os bageenses devem ter orgulho e preservar esse patrimônio. A Santa Casa continua servindo a boa parte da população , principalmente numa cidade com poucas unidades hospitalares. Ali, centenas de profissionais da saúde e administrativos trabalham e se esforçam para prestar atendimento digno, principalmente nos momentos mais frágeis da nossa vida, quando precisamos ou levamos uma pessoa da família na hora da dor ou da busca da cura para nossos males.

Embora tudo isso seja verdade, há uma tendência de exigirmos do poder público a obrigação de manter hospitais sempre limpos, bem equipados e eficientes. Só nos lembramos disso, quando precisamos.

A área da saúde continua a ser uma das mais vulneráveis no país. Acaba de sair pesquisa mostrando que 61% dos brasileiros apontam a saúde, hoje, como o maior problema do Brasil. Os últimos governos não conseguiram solucionar essa chaga social, apesar dos recursos da famigerada CPMF, destinados prioritariamente à saúde.

Por isso, voltando à Santa Casa, os bageenses deveriam estar sempre atentos àquele local, não deixando esse patrimônio se deteriorar. Falta pintura, manutenção. Médicos e enfermeiros certamente têm falta de equipamentos, produtos básicos. A demanda deve ser muito grande. Deveria existir na cidade uma movimento comunitário permanente voltado à manutenção da Santa Casa , para que ela estivesse sempre aparelhada, com instalações conservadas e adequadas. Afinal, gasta-se tanto dinheiro com obras e promoções menos nobres.

Mas não se faz uma instituição de saúde só com prédios e equipamentos. Um hospital, por mais bem equipado, não existe, nem funciona, sem as pessoas. Elas fazem a grande diferença. Após muitos anos longe da realidade da Santa Casa, percebemos no último mês, em contato mais estreito com a instituição, o extremo profissionalismo e dedicação do pessoal que lá trabalha. A começar pelos porteiros.

Em algumas atividades, não basta o atendimento frio e burocrático dos guichês, pronto-socorros e consultórios. Isso inclui médicos, enfermeiros, professores, recepcionistas e tantas outras profissões. São funções que exigem muito despreendimento e até comprometimento. Um quase sacerdócio. Em alguns casos, é compreensível, a rotina e a pressão pode torná-los frios e distantes, até como forma de se autopreservar. Provavelmente, assim acontece em muitos hospitais, consultórios, clínicas e até escolas.

A Santa Casa até certo ponto foge dessa realidade. O que vimos nestes últimos 30 dias foram médicos e enfermeiros educados, profissionais, extremamente humanos, mesmo nos momentos mais difíceis e complicados da difícil relação médico-paciente-parente.

Sabemos que a pressão psicológica, pela natureza da função e a permanente falta de mão-de-obra, por restrições orçamentárias, acarretam uma sobrecarga de trabalho ao pessoal da saúde, principalmente no interior do país. Mesmo assim, nos pequenos detalhes se percebe quando médicos ou enfermeiras, sem descuidar da técnica, estabelecem uma relação amistosa e carinhosa com pacientes e parentes, como forma de minimizar aquele momento.

Percebe-se a diferença entre cumprir uma tarefa e encantar o cliente, no caso o paciente.

Por isso, a Santa Casa precisa ter o apoio permanente da população da cidade. Mesmo de quem imagina nunca precisar dela. Muitas vezes, no afã diário, na pressa dos nossos afazeres, passado o efeito de uma doença que precisou dos serviços da Santa Casa, esquecemos de que o local precisa estar aparelhado para os mais pobres e carentes que ali vão buscar conforto, saúde e até sobrevida. E de quem lá trabalha, muitas vezes com muita dificuldade.

Recuperados, damos alta também à nossa preocupação com quem lá ficou.

Ao colocar a Santa Casa de Caridade no nosso radar, estaremos também resgatando o ideal dos fundadores que a criaram com o princípio básico de atender "aos necessitados".

Este artigo é uma homenagem aos abnegados profissionais da Santa Casa que cuidaram de minha mãe, durante alguns dias de sua enfermidade.

Jornalista. Consultor de Comunicação. Editor do site www.comunicacaoecrise.com.

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