wallstret_250_x_302A mídia realmente cochilou quando a economia começou a dar sinais de que ia entrar em crise? Depois das agências de risco e dos analistas de mercado, os jornalistas começam a fazer um mea culpa e a se questionar quanto falharam na previsão e extensão da catástrofe.

Dan Gillmor, articulista do Blog TPM Café, em artigo sobre o desempenho da mídia na crise, ironiza: o principal papel do nosso operante governo parece ser dar dinheiro a pessoas culpadas pela crise. Se for assim, seguramente os jornalistas têm direito a milhões de dólares.

Segundo Gillmor, “os jornalistas foram incompetentes para cobrir o comportamento imprudente e a ignorância proposital com que vinham sendo tratados os fundamentos da economia, fato que era razoavelmente óbvio a quem prestasse mais atenção. Foi isso que inflou as bolhas imobiliária e de crédito e acabou sendo o estopim da crise que todos nós acompanhamos”.

Para o articulista, o frequente incentivo a práticas condenáveis - e quase uma falha total em nos advertir sobre a iminência da crise - fez uma situação ruim ficar ainda pior. Jornalistas são notoriamente defensivos a críticas legítimas. Mas essa falha, agora, foi tão escancarada que não passou em branco. Dois terços dos jornalistas financeiros disseram em pesquisa recente que a a mídia escorregou no período antes da crise se tornar aparente. Mesmo assim nenhum deles atribuiu responsabilidade alguma à imprensa sobre o que ocorreu, diz o articulista.

Gillmor alega que não é a primeira vez em que uma grande questão foi pouco discutida enquanto ainda havia tempo para consertar o problema. O jornalismo tem repetidamente falhado em alertar o público sobre riscos profundos e visíveis. A cumplicidade da mídia na guerra do Iraque e a bolha dos anos 90 eram os exemplos recentes mais infames até a crise financeira aparecer, mas a cegueira proposital perante a realidade é estranhamente familiar. O jornalista também lembra do Katrina, em Nova Orleans, que recebeu vários alertas e nem assim teve tratamento adequado e preventido por parte da imprensa.

Poucos se salvaram

As críticas de Gillmor à mídia fazem apenas algumas ressalvas. Pelo menos alguns jornalistas ou organizações noticiosas se destacaram por perceberem o que estava por vir. Quase sozinho entre as corporações de mídia de Washington,  a Knight Ridder (agora McClatchy), da cadeia de jornais Washington Bureau, fez as perguntas certas enquanto a administração Bush levava a nação à guerra.

O autor diz também que a revista Fortune e a seção de negócios do The New York Times questionaram a bolha imobiliária e o mercado de ações, não deixando de mencionar as implicações da nova política financeira e dos instrumentos que tornaram a expansão de crédito tão perigosa.

Gilmorr desdenha da cobertura da crise imobiliária antes dela estourar, como o American Journalism Review argumentou recentemente. O bom jornalismo foi oprimido pela cara feliz da cobertura jornalística rotineira, geralmente relacionada a declarações de fontes que se beneficiavam com o contínuo crescimento da bolha.

“Vimos histórias atrás de histórias sobre grupos que pegavam empréstimos imobiliários, sobre pessoas que estavam pulando de casa em casa para obter grandes lucros a curto prazo, e sobre o modo como o preço das casas disparava. Ouvíamos poucos discursos cautelosos sobre o que acontece quando a bolha estoura, como famílias e a economia podem ficar em ruínas”. Ele insinua uma cumplicidade da maioria dos jornais com o mercado imobiliário, por interesses econômicos que passam pelas páginas de publicidade.

O autor não ameniza o tom da crítica. Até mesmo quando as reportagens eram consistentes, o que, segundo ele, raramente acontecia, as organizações da mídia não agiram da forma correta. “Se conseguimos prever a catástrofe, não adianta mencioná-la uma ou duas vezes e depois mudar para outro assunto, sem aprofundá-lo”.

“Os jornalistas podem prever uma calamidade inevitável, eles têm obrigação de continuar no caminho certo e encorajar o público para uma mudança de comportamento”. Para ele, o jornalista na prática deve ser um ativista. Ou seja, apontar que há algo errado e providenciar uma ação corretiva por parte daqueles que podem fazer algo a respeito.

Gillmor argumenta que “na Flórida, Arizona e na Califórnia, dentre outros epicentros da bolha imobiliária, os jornais deveriam ter contado a seus leitores a difícil verdade, o que inclui as autoridades governamentais. Eles deveriam ter explicado, repetidas vezes, que a bolha imobiliária iria inevitavelmente levar muitas pessoas a desastres financeiros individuais”.

O autor afirma que jornalistas têm uma oportunidade, agora mesmo, de fazer perguntas insistentemente, porque nós queremos respostas.  “Os que pagam impostos (ou de certa forma nossos filhos e netos, que pagarão por isso) estão gastando 700 bilhões de dólares para salvar instituições financeiras, a primeira prestação de trilhões que estamos coletivamente gastando para tentar salvar o capitalismo americano em sua espécie”.

“Até agora, não nos foi permitido saber como o dinheiro está sendo gasto. Isso não é apenas nebuloso. É a mais negra das caixas. E perguntas ocasionais de jornalistas não estão ajudando a tornar tudo transparente. O Parlamento é o maior culpado nesse caso. Como sempre, os que fazem as leis se eximiram de responsabilidade, mas uma insistente campanha jornalística não causaria nenhum estrago e ainda poderia ajudar a desvendar alguns fatos”.

Gillmor conclui dizendo que “a mídia tem um papel importante, tanto para o bem quanto para o mal. Por vezes, a mídia serviu para instigar o público de maneira perigosa. Em outros tempos, contudo, campanhas antigas da imprensa levaram a mudanças para melhor. A irresponsabilidade coletiva da mídia tem servido doentiamente sua audiência. Se os jornalistas querem manter a audiência que têm, nunca esqueçam de construir credibilidade para o futuro. Por isso eles precisam tornar-se uma espécie de ativistas. Porque nós precisamos do que eles fazem. Quando fazem bem, conclui.

Deslumbramento e falha

A posição de Gillmor parece também ser o consenso de outro grupo de jornalistas que analisou o comportamento da mídia antes da guerra do Iraque e antes da crise do subprime americano.  Entre 100 jornalistas ouvidos por Abrams Research, em pesquisa comentada no site de política e mídia The Huffington Post, 62 criticaram o trabalho da mídia, sugerindo que haveria um deslumbramento sobre a economia e uma falha para conectar os pontos de como as dificuldades começaram.

“É um número eloquente e interessante”, disse Abrams na semana passada. “Alguns dos comentários que ouvimos foram realmente fascinantes. Eu acho que há muita auto-avaliação sobre a mídia financeira e sobre o que e por que aconteceu”.

Os jornalistas se dividem quase uniformemente quanto a quem deveria recair a principal culpa da crise: 45 atribuíram aos bancos e 44 aos reguladores. Somente dois acreditam que a mídia foi a principal culpada e nove apontaram os dedos para os consumidores.

Um jornalista afirmou: “Todos erraram. Mas a mídia não tem tanta culpa nas mãos quanto a indústria financeira e o governo. Outro disse: em plena era do pontocom regras básicas de gravidade foram ignoradas. O que subiu demais, deve agora cair.

“Eu me envergonho em parte”, disse um repórter. “E escrevi sobre muitos dos componentes do “monstro”, incluindo a pouca transparência dos derivativos (até onde vai o risco?) as baixas taxas de juros que implodiram as residências, e o declínio do padrão do crédito. Mas eu falhei em pôr isso junto e, depois, ao ver realmente coisas ruins acontecerem”.

“A mídia, como a vida real, é cheia de diversidade de opiniões e histórias, um jornalista escreveu. Os sinais alarmantes estavam lá, e histórias foram escritas sobre perigos bastante nebulosos. Eu acho até ofensivo haver a noção de que a  imprensa inteira de negócios pode ser criticada pela falha de ver o futuro sob clima de dificuldade”.

Na pesquisa, para 42 jornalistas, pelo menos três executivos entre as empresas 1000 da Fortune serão indiciados durante o ano por seus papéis na crise financeira. Abrams disse que está surpreso pelo número ter sido tão alto; 27 dos jornalistas acreditam que não haverá indiciamentos. Acredite, “infelizmente e estupidamente não há ofensas criminais”, afirmou outro profissional.

Para 30 jornalistas, a situação atual acabará sendo conhecida como uma depressão. Para outros 31, a recessão terminará no início do próximo ano, mas a maioria acredita que ela se estenderá por muito tempo. Como se vê, a imprensa, que vive eternamente o dilema do furo, perdeu uma ótima oportunidade de sair na frente e alertar o comandante do Titanic de que um enorme iceberg estava logo ali na frente.

Colaboração: João Paulo Forni

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