Walter Guimarães* 

bezerraoO Campeonato Candango de futebol tem uma peculiaridade em relação aos ingressos dos jogos. Desde o Campeonato Brasileiro de 2005, quando o Brasiliense utilizou a desculpa da presença maciça de policiais nas partidas da Série A, os borderôs da Federação Brasiliense de Futebol contabilizam ingressos com valores simbólicos para sócios torcedores e convidados. Mesmo com essa prática os estádios continuam vazios. Nos últimos três anos a maior média de público beira 2 mil pessoas.

No dia 15 de janeiro, em jogo válido pela 1ª rodada, o CFZ-DF recebeu o Brasiliense no estádio do Bezerrão, localizado na cidade do Gama. Estiveram presentes 671 testemunhas, dentre elas 133 “convidados”, com ingressos de R$ 1,00, mas na verdade esse valor é apenas para questões contábeis. E os convidados puderam escolher à vontade seus lugares, pois a capacidade do estádio é de 20.385 pessoas. Ou seja, naquela partida foram utilizados apenas 3,3% dos lugares do elefante “branco e verde”, reformulado entre 2006 e 2008. 

No outro dia, no mesmo local, o Gama recebeu o Atlético Ceilandense. Foram 2.342 torcedores, dentre eles, 542 na categoria de R$ 1,00. Vale o destaque do time ser o único a disponibilizar informações sobre a modalidade sócio torcedor. Com duas diferentes categorias, os associados têm “entrada assegurada nos jogos que o Gama for mandante”, em todo caso, não há qualquer desconto ou valor de ingresso estipulado no site oficial. Sendo assim, com a entrada assegurada é preciso apenas entrar. O torcedor paga uma mensalidade de R$ 20,00 e não paga pelo ingresso. Dessa forma o objetivo de ajudar na arrecadação de fundos para o time não será atingido. 

Na segunda rodada, realizada no dia 19, o maior clássico distrital aconteceu na Boca do Jacaré. Nessa partida, 57% dos 3.915 torcedores não pagaram ingresso. Foram 2.200 pessoas que entraram “na faixa”, pois o time do ex senador Luiz Estevão não possui nenhum programa de sócio torcedor, pelo menos no seu atualizado site da Internet. Outro ponto que chama atenção é a não devolução de ingressos dessa categoria. Todos os lugares de R$ 1,00 disponibilizados são usados quando quando se trata de Serejão. 

Na sequência do campeonato os números devem aumentar, pelo menos se for levado em consideração o último confronto do Brasiliense, contra o Botafogo-DF. Assustadoramente, 2.442 dos 2.896 torcedores foram de R$ 1,00. É um percentual de 85% dos presentes. Vale o reforço, apenas 454 pessoas realmente pagaram para assistir o jogo. 

Assustador mesmo é fazer um levantamento dos campeonatos passados. Em 2009, 33% dos ingressos foram de valor simbólico. Em 2010 os convidados dobraram para 66% dos 138.658 ingressos que passaram pelas catracas dos estádios do DF e Entorno. O Brasiliense é o time com o maior número de cortesias. Em 2009 o Jacaré teve uma média de 2.652 torcedores em suas partidas, mas na verdade, apenas 545 pagavam ingresso. Já em 2010, dos 36.000 ingressos do time, 30.000 foram cortesias. Aqui vale lembrar que o novo Mané Garrincha vai ter capacidade para 71 mil torcedores. Apenas um devaneio...

Essas cortesias refletem diretamente na renda líquida das partidas e do campeonato. Há dois anos o Gama recebeu um pouco mais que o dobro de torcedores em relação ao Brasiliense, mas, mesmo sem chegar à final do torneio, arrecadou 15 vezes o arrecadado pelo adversário. Feita a comparação da soma das rendas de todas as partidas de 2009 e 2010, se verifica que, mesmo com um aumento de 5 mil torcedores no ano passado, a arrecadação total caiu 23%. Simples assim, mais torcedores, menos dinheiro no bolso. 

Em todo caso essa prática não deveria assustar mais ninguém. Na Série A do Brasileirão de 2005, o número real de pagantes era mascarado pelos dirigentes do Jacaré. A desculpa dada era o número de “policiais torcedores", que não precisavam pagar pelo ingresso. Entendia-se como “policiais” não apenas os civis, militares e federais, mas também o contingente dos Bombeiros e Detran-DF. 

Nos borderôs ainda disponíveis no site da CBF é possível encontrar algumas das partidas mais seguras da história do futebol mundial. No jogo contra o Flamengo eram 7.820 “policiais”, entre os 26 mil torcedores. Já contra o São Caetano-SP eram 5.500 dos 7.180 torcedores, este com certeza, um jogo histórico. Será que os ladrões e bandidos da região sabiam disso... Vamos aos números: 

Campeonato Brasiliense 2009 

-  Total de ingressos: 133.520; Média de público: 1.907 -  Ingressos de R$ 1,00: 44.479 (33%). De observar, que esse valor de R$ 1,00 é apenas simbólico. Percentual de cortesia por time: Brasiliense: 79%; Legião: 65%; Brazlândia: 60%; Ceilândia 42%; Brasília: 26%; Dom Pedro: 24%; Luziânia: 19%; Gama: 12%.  Total arrecadado pelos oito clubes: R$ 268.999,78

- Renda líquida por time: Gama: R$ 254.816,09; Brasiliense: R$ 16.945,31; Brasília: R$ 8.398,88; Luziânia: R$ 3.459,87; Dom Pedro: (- R$ 221,28); Legião: (- R$ 2.534,71); Brazlândia: (- R$ 6.023,81); Ceilândia: (-R$ 6.041,17). 

Campeonato Brasiliense 2010 

-  Total de ingressos: 138.658 (aumento de 4% em relação a 2009).  Média de Público: 2.010. -  Ingressos de R$ 1,00: 91.096 (66%) - aumento de 105% em relação a 2009

-  Percentual de cortesia por time: Botafogo: 88%; Brasiliense: 83%; Atlético Ceilandense: 55%; Luziânia: 48%; Dom Pedro: 47%; Gama: 36%; Brasília: 14%; Ceilândia: 4%.-  Total arrecadado pelos 8 clubes: R$ 206.700,84 (queda de 23% em relação a 2009); -  Renda líquida por time: Gama: R$ 156.231,88; Brasiliense: R$ 38.529,68; Ceilândia: R$ 25.490,83; Dom Pedro: R$ 2.945,28; Luziânia: (- R$ 766,16); Atlético Ceilandense: (- R$ 1.664,48); Brasília: (- R$ 1.799,75); Botafogo-DF: (- R$ 12.265,44). 

Campeonato Brasiliense 2011 (até a terceira rodada) 

-  Média de Público: 1.367; ;Ingressos de R$ 1,00: 6.757 dos 15.042 ingressos (45%); Brasiliense: 68% de cortesias; Gama: 29% de cortesias.

Para ilustrar, uma curiosidade sobre o Campeonato Brasileiro 2005, quando o representante de Brasília era o Brasiliense FC:

  • 27,3% dos torcedores que compareceram aos jogos eram policiais
  • 44% dos torcedores pagaram ingresso das partidas, os outros 56% faziam parte dos torcedores de “R$0,50”.
  • 70% dos jogos teve mais convidados do que pagantes
  • Em 13 partidas havia mais de 2 mil policiais, nas arquibancadas, além do efetivo em campo e cercanias do estádio. 

Análise 

Os números comprovam que boa parte dos torcedores não pagam por seus ingressos. A discussão sobre o Gama cobrar R$ 20,00 por uma arquibancada também deveria ser deixada de lado. O presidente Paulo Goyaz afirma não “dirigir uma empresa beneficiente”, em todo caso as cortesias para seus sócio torcedores não é irrelevante como já foi. No campeonato do ano passado foram 36% dos ingressos, nesse anos já são 29%, em apenas dois jogos como mandante. Mesmo assim é o time com a maior arrecadação, apesar dos números não permitirem qualquer comemoração. 

A discussão deveria se voltar para a falência do futebol candango. Somente com a ajuda do governo local a bola continua rolando. Daí vem outra discussão, se há dinheiro público envolvido, qual o critério de escolha adotado pelos dirigentes para colocar torcedores nos estádios? Todos sabem do uso político do esporte, sendo assim, o ideal seria a retirada de qualquer ajuda. Sobrevivam aqueles que saibam administrar seus times. Sobrevivam os que conseguirem convencer a iniciativa privada a bancar seus déficits.

Jornalista radicado em Brasília, trabalhou como repórter esportivo da Rádio Nacional. Como professor desenvolveu oficinas de Jornalismo Esportivo e atualmente desenvolve pesquisas na área de Política do Esporte. Torcedor "overseas" do Barnet FC, time da 4ª Divisão Inglesa. Email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

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