Jacinda Ardern nova zelandiaUm evento grave, nem sempre inesperado, mas potencialmente catastrófico, que ameaça o negócio, o patrimônio ou as pessoas, é um dos maiores desafios para um líder. A primeira pergunta que uma organização ou um governo deveriam fazer, no momento de uma ameaça grave aos stakeholders ou à população é: quem vai comandar a gestão dessa crise? E rapidamente dar uma resposta.

A liderança é um tema que merece uma atenção especial quando se trata de gestão de crises. Talvez porque o foco tenha sido, por muito tempo, voltado para a operação e se esqueceu da importância do comando da crise. Em alguns casos, confunde-se também conduzir a operação, com a liderança sobre o evento de crise. Não necessariamente o líder, na crise, terá envolvimento direto com as operações, mas é a experiência e a capacidade de liderar um time, que podem fazer a grande diferença numa crise grave.

“A crise é o grande momento do líder”, diz o empresário e professor da Universidade de Harvard, Bill George, autor do livro 7 lessons for leading in crisis. A queda em série de líderes de países europeus, durante a crise econômica de 2008, perdendo eleições ou derrubados por falta de apoio político, mostra como a população não perdoa quando os líderes fraquejam nas crises. Assim também com os clientes e controladores de uma empresa. Basta ver o que aconteceu com os CEOs de multinacionais que tiveram crises graves. A crise acaba sendo um teste de liderança.

Há um consenso entre os estudiosos do "management": quando o mundo contar a história da crise atual, haverá relatos de relativo sucesso e de tremendos fracassos. Às vezes, nem mesmo a experiência faz uma grande diferença, porque governantes jovens se saíram muito bem nesta crise. Enquanto outros, conservadores, populistas e com outros interesses que não o compromisso com a saúde da população, acabaram enredados pela letalidade e a velocidade do coronavírus. Passada a pandemia, a população certamente irá julgar e avaliar quem assumiu o compromisso com a vida ou preferiu apostar nos dividendos da economia, como se este fosse o passaporte para a próxima eleição. Mesmo que a custa de milhares de vítimas.

Falhas na gestão de risco, omissão, erros de avaliação dos cenários, falta de iniciativa para decidir com rapidez, ou seja, uma liderança insegura e amadora, todos são pecados imperdoáveis nas crises. Nestes seis meses em que o mundo convive com o coronavírus, tivemos um pouco de tudo isso. Exemplos emblemáticos, como das líderes mulheres Jacinda Ardern, da Nova Zelândia, Angela Merckel, da Alemanha, Tsai Ing-wen, de Taiwan, Mette Fredericksen, da Dinamarca e Sanna Marin, da Finlândia, apenas para dar alguns exemplos. De outro, a atuação negativista e de confronto dos presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, não por acaso os dois países com os piores números da pandemia no mundo, hoje. Só que essas falhas não causaram apenas prejuízos econômicos, dúvidas e desinformação. Ceifaram vidas. Milhares de vidas. Destroçaram famílias.

Como disse o jornalista Francisco Viana, no livro ‘A Surdez das empresas: como ouvir a sociedade e evitar crises’, “a gestão de crise não pode prescindir da luminosidade da liderança. Esta, a força motriz das ações vitoriosas”. O líder participa, ajuda a planejar, comanda a execução das estratégias, faz acontecer, estimula desempenhos e fomenta o compromisso. Além do exemplo.

No caso do Brasil, a falta de liderança do governo federal acabou rebatendo nos governadores e prefeitos, que foram assumindo o comando da crise. Para piorar, alguns poucos conduziram processos de compra de materiais e equipamentos que revelaram o que há de pior no caráter de uma pessoa pública: aproveitar-se da crise sanitária, de um momento de comoção, de facilidades legais para fraudar licitações e comandar desvios. Esse “gap” de liderança agravou a pandemia em alguns estados, como Amazonas, Rio de Janeiro e Pará, por exemplo. O Comitê de crise do governo, criado sob pressão da pandemia, ainda no mês de março, não emplacou duas semanas, porque, inflado por 26 pessoas, nunca se articulou com o ministério da Saúde, também perdido numa constante alternância de comando, num momento crucial para o país. A falta de liderança e de tato na condução dessa crise vai custar caro ao Brasil.

Líderes fortes e corajosos focam no que é melhor para o país ou para a organização, não para obter ganho político ou pessoal. Naturalmente, eles enfrentam a realidade com coragem e ousadia, porque sabem que estão sendo julgados pelo escrutínio público. Eles não fogem; enfrentam a realidade. São aqueles aptos a enxergar o quadro geral, os que desenvolvem um conhecimento acurado do cenário internacional ou da crise que precisam enfrentar e, com isso, têm melhor capacidade de ver os problemas de maneira realista. Sem medo de errar.

Alguém vê esse perfil em quantos dos nossos governantes? Ou até mesmo em outras lideranças, no executivo, legislativo ou judiciário? São poucos os protagonistas que poderíamos eleger com o perfil de estadistas, nesse momento, voltados para as coisas do Estado e que, realmente, se expõem e trabalham para encontrar soluções que amenizem o sofrimento da população. É isso que o líder faz nas crises. Populistas, lamentavelmente, estão mais preocupados com as eleições do que com a carência de leitos; até a compra de material de saúde tem esse foco. Por isso, se omitem ou não agem com isenção, na hora em que a população mais precisa. O líder “é aquele que tem de fazer a escolha entre o lucro e o comportamento responsável”, como diz a PR Robin COHN, no livro The PR Crisis Bible.

O Brasil sem líder no meio da tempestade

Mulheres lideres no coronavirusÉ lamentável sob todos os aspectos o Brasil ter enfrentado a maior crise do mundo moderno, uma tragédia superior à da gripe espanhola e às duas guerras mundiais, sem uma liderança que realmente assumisse na plenitude e com responsabilidade a gestão dessa crise. O Brasil já vinha, nos últimos anos, com sérios problemas de liderança, muitas delas envolvidas em denúncias que culminaram na Operação Lava Jato. A eleição de 2018 trouxe uma nesga de esperança para que o país voltasse a crescer, após um período de recessão e milhões de desempregados. A crise tem o condão de expor em toda a sua crueza a inapetência ou inabilidade de um líder para enfrentar períodos conturbados.

O coronavírus chegou para agravar o que já era ruim. E o presidente da República acabou abdicando de assumir o comando e a liderança dessa crise, na hora em que resolveu caminhar ao contrário da ciência, ao negá-la e até mesmo desdenhá-la. Pecado mortal, para um gestor. E esse, talvez, acabe marcado como o maior erro político de sua carreira. Será sempre lembrado como o presidente que resolveu navegar na direção contrária dos navios que conduziam a população, tentando salvá-la da tempestade que, a partir de março de 2020, se abateu sobre o país, como uma nuvem sombria.

A inabilidade e intempestividade para liderar a crise do coronavírus não demorou a aparecer: incomodado com o ministro da Saúde, Nelson Mandetta, que se destacou como uma liderança, no início da pandemia, Bolsonaro começou a boicotá-lo, até o dia em que a relação ficou insustentável e o demitiu. Escolheu outro médico, que não durou mais de 30 dias, por discordar de receitar uma droga condenada por infectologistas e pela OMS, aos pacientes de coronavírus, a famigerada cloroquina. O presidente, entre optar pela gestão da crise, priorizando as ações sanitárias, de forma correta, e a população, optou por receitar cloroquina e criticar o "isolamento" social. Nomeou um militar não médico para o ministério da Saúde. Seria para poder controlá-lo? E o resultado desse desvario, combinado com falta de liderança, é o Brasil hoje ser o segundo país do mundo em número de infectados e mortos. Teria sido diferente, se tivéssemos um verdadeiro líder no comando? Provavelmente, sim.

Iniciamos o mês de julho como o país com maior número de mortos por dia, no mundo. Nos últimos sete dias, a média móvel foi de 1.037 óbitos. E num quadro caótico de controle da pandemia, pelo menos em oito estados. Alguns governadores populistas, numa disputa que mistura o açodamento político para satisfazer empresários e lobbies da indústria, com o despreparo para gerenciar crises, acabam concordando em abrir a economia, mesmo que os hospitais estejam praticamente lotados, sem leitos de UTI para acolher todos os pacientes que chegam em estado grave. Exemplo típico é o Distrito Federal.

Ouve-se a propaganda de vários “hospitais de campanha” montados ou a montar. Mas quando a mídia pergunta por que pacientes estão morrendo, esperando leitos de UTI, a verdadeira resposta está em que o leito existe, mas não há respirador, aparelho de hemodiálise, oxigênio, anestésicos e sedativos e, em alguns casos, sequer profissionais para atender. Alguns hospitais são a contrafacção dos estádios em que foram instalados. Elefantes brancos, de pouca ou nenhuma utilidade.

E o resultado são enterros que se sucedem, principalmente nas capitais, onde a população recebe informações desencontradas para se cuidar; e não tem disciplina, nem cultura, para cumprir as leis de segurança e prevenção, a começar pelo uso das máscaras ou evitar aglomerações.

A falta de liderança está levando o Brasil para um caminho sem volta, onde o número de infectados cresce numa proporção assustadora, junto com o de mortos. Os governadores que continuam trombando com o presidente tentam fazer o possível, mas o que nos espera é ainda pior. Projeções do Imperial College London, da Inglaterra, que está debruçado sobre os números da pandemia no mundo, fez uma previsão catastrófica para o País: a continuar como está, num cenário otimista, o Brasil terá 180 mil mortos em 1º de novembro. E num cenário pior, não de todo improvável, se nada for feito, esse número poderá chegar a 400 mil.

O que dizem as consultorias

“Diante da rápida evolução da crise do coronavírus, que exige muitas decisões urgentes, mas fornece poucas pistas claras e exige trocas entre muitos valores de importância crítica, como os líderes e seus consultores podem tomar decisões efetivas sobre literalmente questões de vida ou morte? Este resumo da política contrasta o atual ambiente de "crise" com o domínio mais familiar das "emergências de rotina". Ele argumenta que, para crises, os líderes precisam adotar um método de tomada de decisão mais ágil, altamente adaptável e ainda deliberado, que possa mover-se rapidamente para a ação, mantendo a capacidade de reexaminar iterativamente as táticas à luz dos impactos da decisão. Esse método pode ajudar a equipe a levar em conta as múltiplas dimensões da crise do COVID-19 e a lidar, da melhor maneira possível, com as condições que mudam rapidamente.” Esse é o argumento da consultoria McKinsey, no artigo “Crisis Management for Leaders Coping with COVID-19”, publicado no site medium.com, em 29 de abril último.

“O COVID-19 é, com certeza, um fenômeno epidemiológico e médico - mas é muito mais que isso. É também um evento psicológico profundamente assustador e potencialmente traumatizante, um evento econômico altamente perturbador e um evento logístico complexo, entre muitas outras dimensões. Um fracasso evidente do envolvimento com esse fenômeno até o momento é a falta de integração do entendimento do COVID-19 como um fenômeno médico, com suas implicações adicionais para toda a gama de outros componentes da situação. A crise do COVID-19 inclui todos esses componentes simultaneamente, e a liderança e o gerenciamento eficazes da crise exigem uma abordagem completa. O desafio para os líderes é operar de uma maneira que abraça todos os elementos juntos - ou seja, nos guiar por todo o evento como um evento único, abrangente, integrado e complexo.”

Fotos: Jacinda Ardern: GettyImagens: Hagen Hopkins. Mulheres ministras: Reuters/Getty/Rex/Shutterstock;

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