nairobiPassado o torpor do ataque do grupo terrorista AL-Shabaab, metralhando inocentes no shopping Westgate em Nairóbi, o mundo todo se pergunta como tudo aconteceu. Dez dias depois, não havia muitas respostas. Existe sim uma série de perguntas que nem a população, nem as autoridades conseguem responder.

Ficam evidentes, entretanto, no episódio os erros primários de gestão de crises, tanto na operação, pela forma atabalhoada e amadora como as autoridades o gerenciaram, quanto pela incompetência na comunicação, um dos componentes mais importantes numa crise onde há grande número de vítimas e pessoas em situação de risco.

Como é possível um grupo terrorista, monitorado pelos serviços secretos, ter instalado uma fortaleza no coração de Nairóbi, dentro do shopping, sem que ninguém tenha percebido? A operação foi feita no nariz dos serviços secretos. O mais grave, sabe-se agora, é que as autoridades do Quênia foram alertadas sobre a possibilidade de um ataque violento do grupo, pelo menos uma semana antes do atentado. Os alertas foram ignorados? Por quê?

Segundo artigo publicado no jornal britânico The Guardian, “Autoridades quenianas tinham informações dos serviços de inteligência. apontando para um ataque em Nairobi, um dia antes do atentado no shopping Westgate. De acordo com documentos de áreas que monitoram o terrorismo, o governo e os militares foram avisados de que o grupo radical al-Shabaab estava planejando um ataque na capital, onde ele iria invadir um edifício e manter reféns."

Há também relatos de que agentes de inteligência quenianos estavam no Westgate algumas horas antes do lotado centro comercial ser alvo dos terroristas, fortemente armados. "Não podemos dizer que este ataque é uma surpresa", disse Farah Maalim, o ex-vice-presidente da Assembleia Nacional do Quênia. "A possibilidade de algo como isso acontecer, e de falhas na comunidade de inteligência do Quênia, tem nos preocupado por anos", Maalim acrescentou: "Temos um serviço de inteligência mais preocupado com a política partidária interna do que sobre as ameaças à segurança nacional."

Vamos analisar o fato sob os ditames da gestão de crises e ver como aconteceram erros básicos nesse episódio, que, provavelmente, contribuíram para o grupo agir por quatro dias, sem grandes riscos e, consequentemente, para redundar, como aconeceu, no grande número de vítimas.

O atentado

Em 21 de setembro, sábado, por volta de 11h30,  um grupo de aproximadamente 15 homens do grupo extremista Al-Shabaab, ligado à Al Qaeda, começa a atacar civis dentro do maior shopping do Quênia, o Westgate. Os donos são judeus. O local é frequentado no fim de semana pela classe média abastada do país, principalmente, pelos estrangeiros que moram em Nairóbi ou proximidades. Westgate funciona como a Meca das classes abastadas do Quênia. O shopping representa os três Cs da suprema aspiração em Nairóbi: cosmopolitismo, capitalismo e consumismo. Na capital, um terço da população vive em favelas. E o país é o 128º em IDH, no grupo dos mais atrasados. 40% dos quenianos vivem na pobreza absoluta e 75% trabalham na agricultura. Apesar disso, o PIB cresce a uma taxa de 4% graças a uma classe média urbana. São eles que alimentam o comércio de Nairóbi.

A escolha do shopping Westgate não foi por acaso. Ele é uma ilha da fantasia na capital queniana e um ícone do mundo ocidental, frequentado pelos estrangeiros, que muitos muçulmanos abominam. Além disso, era um alvo fácil e que não exigia grandes investimentos, fácil para um ataque de uma milícia sem muita experiência.

Durante aproximadamente quatro dias o governo do Quênia ficou refém do grupo, porque grande número de civis foram mantidos sob o controle dos terroristas, em meio a dezenas de corpos dos frequentadores assassinados, enquanto o governo atacava os fanáticos e tentava libertar o shopping. “Por quase 100 horas, nossos mujahedine mantiveram o Quênia – o governo inteiro – refém”, disse um membro do grupo, por email, ao jornal Correio Braziliense.  O ataque, segundo eles, nasceu de uma “série de injustiças” contra os somalis muçulmanos. Eles declararam guerra ao governo do Quênia, por ter ajudado a Somália a atacá-los. O grupo é perseguido por uma coalizão formada pelo governo da Somália.

No ataque, até o momento foram registradas 67 mortes (61 civis e seis soldados) e 200 feridos, segundo o governo do Quênia, mas a Cruz Vermelha diz que há pelo menos 39 pessoas  desaparecidas (até dia 30/09). Muitos ficaram sob os escombros da parte do shopping que desabou,  numa operação desastrada do próprio exército queniano. A quantidade de granadas arremessadas para dentro do shopping, não levando em conta o risco de atingir civis, acabou provocando o desabamento de uma ala do complexo, matando inocentes e alguns atiradores, dizem fontes quenianas.

Seis britânicos foram mortos no acidente. Entre eles, um professor que se ofereceu para ser trocado por várias crianças. E foi fuzilado. “Havia crianças no shopping no sábado. Os terroristas sabiam disso. Nós caminhamos para a horrível realidade de que temos um novo inimigo que está se preparando para fazer coisas que nós jamais poderíamos imaginar nos nossos piores pesadelos”, disse Michael Flint, um britânico de 48 anos que foi para Nairóbi para montar um hotel.

Grande parte dos civis foram mortos porque não sabiam recitar uma oração islâmica, condição para alguém ser libertado. Foi um ataque planejado com todos os detalhes.  A ação, segundo o jornalista britânico James Ferguson, especialista em assuntos da Somália, teve por objetivo expor o grupo terrorista Al-Shabaab como uma força internacional e foi também claramente pensada para atrair o máximo possível de impacto na mídia.  Testemunhas disseram que os atiradores vasculhavam corredor por corredor, matando lojistas com tiros à queima-roupa.

Algumas histórias de heroísmo emergem dos escombros. Um executivo de marketing britânico foi morto a tiros, após oferecer-se como refém para negociar para a vida de 33 crianças. Em meio a pânico no telhado do centro comercial, os pistoleiros invadiram uma mostra de culinária para crianças, quando  Mitul Shah, de 38 anos, estava filmando e tentou acalmar os assassinos. Na negociação, ele conseguiu libertar os filhos e outras crianças, mas foi fuzilado.

As autoridades declaram ter matado quatro terroristas e detiveram nove que estão presos sob suspeita de ter participado do ataque. Não há qualquer informação sobre eles e nem o número correto o governo do Quênia sabe. Suspeita-se que há estrangeiros no grupo, pelo menos um americano, um britânico e uma mulher.

Erros na crise e pouca explicação

O ataque foi planejado com muita antecedência. Os terroristas alugaram uma loja no shopping e foram estocando armas e munição em grande quantidade. Os serviços secretos, nem a polícia local ou seguranças do shopping notaram absolutamente nada de anormal. Supõe-se que a operação começou a ser planejada com muita antecedência, talvez dois meses. Como uma célula terrorista se instala no shopping, no coração da cidade, e ninguém percebe nada de anormal? Houve no mínimo uma falha grave de segurança no caso.

A reação ao ataque foi uma autêntica operação tabajara. Além de não terem um plano bem elaborado de crise para uma situação dessas, num país que está no mapa das ameaças de grupos terroristas, as tentativas de resgatar os reféns pioraram a situação.  Muitos terroristas podem ter escapado, após os primeiros ataques dos soldados, em meio à multidão que fugia. Eles não conseguiram fazer triagem de quem saía. Já há informações extra-oficiais de que vários teriam fugido.

O país é marcado pela violência tribal. E é alvo de terroristas. Em 1998 a Embaixada dos EUA em Nairóbi foi atacada por grupos extremistas da Al Qaeda, numa das primeiras operações atribuídas ao terrorista Osama Bin Laden, três anos antes do ataque ao World Trade Center. Esse atentado, um dos mais violentos a instalações americanas no mundo, matou 213 pessoas, sendo 12 americanos, e feriu entre 4 a 5 mil pessoas.

Liderança – Provavelmente, houve um sério problema de liderança nessa crise. O porta-voz, por diversas vezes, foi o presidente da República, o que se constitui num erro em crises dessa gravidade. Não se sabe quem comandava a operação dessa crise. Pelas notícias até agora publicadas, depoimentos e denúncias, as ações atrapalhadas e descoordenadas demonstram a falta de um líder nessa crise. Não deveria ser o presidente da República (no caso de uma empresa, o principal CEO), ainda que a crise fosse extremamente grave.

O presidente ou a principal autoridade devem ser preservados para as notícias de maior impacto, como, por exemplo, nesse caso, o anúncio oficial de que a operação havia terminado; com tantas vítimas, tantos terroristas presos e mortos, enfim, fazendo um balanço final. As entrevistas ou declarações durante o desenrolar do evento devem ser atribuídas a um único porta-voz, treinado para situações de crise, designado para todos os contatos com a imprensa, principalmente nesse atentado, com grande interesse internacional.

Mas não se deve confundir o líder da crise com o porta-voz que não necessariamente precisa ser a mesma pessoa. Um excelente líder, com noções de estratégia, comando, negociação, preservação de vidas pode não ser um bom porta-voz. Nesse caso, o porta-voz poderia ser outro, menos o presidente da República.

Nesse atentado, surpreendidos pela ousadia do ataque e provavelmente despreparados, seguranças, policiais e até o exército tentaram invadir o shopping sem ter a mínima ideia de quantos terroristas havia e sem um esquema para proteger os civis. Os próprios oficiais quenianos admitem que o exército poderia ter matado civis na tentativa de resgatá-los. A afirmação foi publicada no artigo Kenya official says military caused collapse of Westgate mall floors”, no jornal britânico The Guardian.

Não houve transparência, sequer a mínima informação confiável, durante todo o episódio. Sem saber o que acontecia de fato, durante quatro dias só havia uma versão para o ataque: a oficial. O presidente compareceu às conferências de imprensa para dizer três ou quatro vezes que o ataque havia acabado. A mídia internacional repercutia o fato e anunciava. Quando não era verdade, pois ouviam-se tiros dentro do shopping. Só na quinta-feira, 26, realmente o local foi ocupado. Mas até agora ninguém sabe, realmente, o que aconteceu nas dependências, transformada em praça de guerra.  E nem quantas pessoas foram mortas.

Os lojistas que começaram a voltar ao shopping nesta segunda-feira não apenas ficaram chocados com a destruição e o “cheiro da morte”, como disse um deles ao The Times, mas descobriram que as lojas foram saqueadas sem que as autoridades tenham uma explicação. E a própria polícia é suspeita. "Basicamente, tudo o que é caro foi roubado", disse uma lojista.”  A joalheria e uma loja que estoca relógios feitos na Suíça foram saqueadas, segundo o jornal local Daily Nation. Fotografias mostram num telefone celular, uma loja de computador com prateleiras vazias.

Os quenianos mereciam melhores respostas sobre o que aconteceu no Westgate. Como disse o The Guardian, com a informação oficial irregular e cobertura bastante superficial da mídia, os quenianos foram forçados a encarar o governo - e suas esfarrapadas explicações - diretamente para saber o que acontecia lá dentro.

Uma operação como essa, com dezenas de civis encurralados por um grupo terrorista não tem a mínima condição de ter sucesso se não for antecedida de treinamento. Faltou prevenção nessa crise. E mais. O despreparo das equipes de intervenção foram evidentes.

O Congresso queniano iniciou uma investigação sobre as alegadas falhas do serviço de inteligência e sobre a desastrada operação militar, incluindo as acusações de desvios. Policiais à paisana e seguranças lutaram durante quatro horas contra os terroristas com revólveres, enquanto esperavam as forças de segurança especializadas em resgate de reféns.

Os americanos e britânicos, que têm vários cidadãos trabalhando na região, estão preocupados com as ameaças do grupo de novos ataques. Os serviços secretos dos dois países se surpreenderam com a facilidade com que o grupo se organizou para fazer um ataque letal, com baixo risco de baixas para eles, e no centro de uma capital africana. A realidade para os quenianos que já têm uma vida difícil e para os estrangeiros é que Nairóbi nunca mais vai ser a mesma, após esse ataque.

Outros artigos e reportagens sobre o tema

New York Times - Ominous Signs, Then a Cruel Attack

The Times - Terrorists may have escaped, Kenya admits

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