futuroSeria possível aproveitar os vastos recursos de dados disponíveis na internet para prever crises? Cientistas sociais, principalmente dos Estados Unidos, pretendem utilizar os dados capturados na web e mensagens do Twitter, Facebook,  blogs, além da localização de trilhas digitais, geradas por bilhões de telefones celulares, para prever o futuro.

Esses pesquisadores querem materializar a ficção de Isaac Asimov, que no passado foi o precursor de uma nova ciência, que chamou de psico-história, combinando matemática e psicologia. As pesquisas atuais sobre a possibilidade de usar o mundo virtual para prevenir crises foram apresentadas por John Markoff, em artigo recente no New York Times.

Os pesquisadores mais otimistas acreditam que essa massa de informação, disponível na web e nos arquivos eletrônicos de governos e empresas pela primeira vez iriam revelar leis sociológicas do comportamento humano - o que lhes permitiria prever crises políticas, revoluções e outras formas de instabilidade social e econômica, assim como os físicos e químicos podem prever fenômenos naturais. Com isso, crises como as revoltas estudantis no Chile e de jovens da periferia de Londres, meses atrás, além dos levantes de jovens nos países árabes, seriam percebidos com antecedência suficiente para as autoridades e empresas se prepararem.

Segundo cientistas do Centro de Inteligência Coletiva, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts-MIT, existem hoje ferramentas muito mais detalhadas e ricas para pesquisar os dados disponíveis, bem como algorítmos de previsão que tornam possível detectar crises com uma precisão muito mais elaborada do que no passado. 

O governo americano mostra interesse no tema. Uma agência de inteligência pouco conhecida começou a procurar idéias de cientistas sociais das universidades e grandes corporações para verificar como prospectar a Internet em 21 países da América Latina. O sistema de recolhimento automático de dados deve se concentrar em padrões de consumo, comunicação e movimento das populações. A agência usaria dados publicamente acessíveis, incluindo as consultas de busca na Web, entradas de blog, o fluxo de tráfego da Internet, os indicadores do mercado financeiro, webcams de trânsito e até as entradas da Wikipedia, para construir cenários, segundo informa John Markoff.

Nos Estados Unidos, existem vários institutos que trabalham com prevenção de crises, principalmente de causas naturais. O FEMA – Federal Emergency Management Agency é um deles. Tanto órgãos governamentais, quanto agências privadas, trabalham com prevenção de qualquer tipo de crise, até mesmo aquelas difíceis de prever, como ataques de fanáticos a escolas ou atentados de origem interna, como o acontecido na Noruega, com um radical de direita, em julho.

O projeto dessa agência, que conta com apoio do governo americano, está centrado num sistema totalmente automatizado, sem intervenção humana. A pesquisa não seria limitada a eventos políticos e econômicos, mas também exploraria a capacidade de prever as pandemias e outros tipos de contágio generalizado, algo que tem sido perseguido de forma independente pelos pesquisadores civis e por empresas como o Google. 

Mas um projeto desses, apesar de ser um poderoso instrumento para os governos se prepararem para eventos negativos, encontra resistência dos próprios pesquisadores. Alguns cientistas sociais e defensores dos direitos de privacidade são profundamente céticos quanto ao sucesso do empreendimento. 

Ele evocaria a memória do malfadado Total Information Awareness, um programa do Pentágono, criado após o 11 de setembro,  que propôs caça a terroristas potenciais, pela identificação de padrões de comportamento, em arquivos de dados públicos e privados, registros de chamadas telefônicas, e-mails, dados relativos a viagens, informações de vistos de entrada e passaporte e transações de cartão de crédito. O projeto recebeu muitas críticas, na ocasião. 

"Eu me lembro do Total Information Awareness quando coisas assim acontecem", disse David Price, um antropólogo da Universidade de St. Martin, em Lacey, Washington, que tem feito artigos sobre a cooperação entre cientistas sociais e as agências de inteligência. "Por um lado é compreensível para um Estado-nação  querer controlar coisas como o surto de uma pandemia, mas eu tenho que me perguntar sobre a automação total deste projeto e o que de produtivo viria dele". 

Naturalmente, os funcionários envolvidos no projeto, não querem e não podem dar entrevistas. Por isso, o tema ainda tem poucas respostas. Exemplos não faltam. Projeto semelhante de uma organização militar, a Defense Advanced Research Projects Agency, ou Darpa, visa identificar automaticamente redes sociais insurgentes no Afeganistão. Naturalmente a síndrome de perseguição dos Estados Unidos e a paranoia após o 11 de setembro facilitam a liberação de recursos para pesquisas sobre o tema.

Na sua proposta de orçamento mais recente, a agência de defesa argumenta que sua análise pode expor células terroristas e outros grupos apátridas, acompanhando as suas reuniões, ensaios e partilha das transferências de materiais e dinheiro. Importa saber se tudo isso realmente contribuiria para o bem-estar da civilização ou seria apenas um capricho militar para alimentar a máquina de guerra dos Estados Unidos.

O potencial das redes sociais

Segundo John Markoff, até agora houve apenas  exemplos esparsos do potencial exploratório da mídia social. No ano passado, pesquisadores da HP Labs usaram dados do Twitter para prever com precisão as receitas de bilheteria dos filmes de Hollywood. Em agosto, a National Science Foundation aprovou fundos para pesquisa no uso de mídias sociais como Twitter e Facebook para avaliar os danos de terremotos, em tempo real.

Mas nem todos acreditam no potencial, pelo menos imediato, desse projeto. Alguns cientistas mais céticos citam o malfadado Projeto Camelot do Pentágono,  na década de 1960, que também explorou a possibilidade de que a ciência social poderia prever eventos políticos e econômicos, mas foi cancelado em face da crítica generalizada dos estudiosos.

Camelot centrou-se sobre o Chile, na ocasião uma ameaça de comunização da América Latina, na cabeça dos falcões de Washington. O objetivo era desenvolver métodos para prever "mudanças violentas" e oferecer maneiras de evitar  possíveis rebeliões populares. Isso levou a uma divergência entre os cientistas sociais, ao argumentarem que o estudo poderia comprometer sua ética profissional. Ou seja, sempre que o interesse político exacerbado, principalmente durante a Guerra Fria, ou a paranoia militar para combater insurgentes se misturam com a ciência, acabam surgindo divergências.

Mas nos últimos anos, entretanto, a oposição acadêmica diminuiu. Desde 2008, um projeto do Pentágono denominado Minerva Initiative pagou por uma série de estudos, incluindo pesquisas na Arizona State University com adversários políticos de muçulmanos radicais e um estudo da Universidade de Texas sobre os efeitos das mudanças climáticas sobre a estabilidade política africana. Os cientistas sociais que cooperam com as agências de pesquisa afirmam que, no cômputo geral, as novas tecnologias terão um efeito positivo. 

Cientistas do Laboratório de Mídia do MIT acreditam que "tudo isso é mais esperançoso do que assustador, porque esta é talvez a primeira oportunidade real para toda a humanidade ter mais transparência dos governos. Mas os defensores do direito à privacidade temem que dados públicos e as técnicas desenvolvidas sejam adaptadas para a utilização clandestina das informações das operações”, diz o autor do artigo.

"Essas técnicas são como faca de dois gumes", segundo Marc Rotenberg, presidente da Electronic Privacy Information Center, um grupo que defende o direito à privacidade, com base em Washington. "Elas podem ser usadas ​​com a mesma facilidade contra adversários políticos nos Estados Unidos, como podem também ser utilizadas contra as ameaças de países estrangeiros". E alguns cientistas da computação expressaram ceticismo sobre os esforços para prever a instabilidade política, com indicadores como pesquisas na Web. Ou seja, estamos longe ainda de um consenso sobre o uso das redes.

"Estou muito pressionado para dizer que estamos testemunhando uma revolução", disse Prabhakar Raghavan, diretor do Yahoo Labs, que é um especialista em recuperação de informação. Ele observou que muita coisa foi escrita sobre previsões de epidemias de gripe, olhando para as pesquisas na Web sobre "gripe", mas observou que as previsões não melhoraram significativamente além do que já podia ser encontrado em dados do Centers for Disease Control and Prevention. Ou seja, o caminho ainda é longo para admitir que uma grande base de dados possa realmente facilitar a prospecção e previsão das crises com facilidade. 

“Você pode até observar a iminência de uma epidemia de gripe, mas nossa pesquisa tem destacado que muitos desses novos métodos não acrescentaram grande coisa." Por isso, a classe acadêmica, principalmente, se divide quanto à utilidade dessas pesquisas. 

Outros pesquisadores são mais otimistas. "Há uma enorme quantidade de poder preditivo nestes dados", disse Albert-Laszlo Barabasi, físico da Universidade Northeastern, especializado em ciência de rede. "Se eu tiver a informação de hora em hora sobre a sua localização, com cerca de 93 por cento de precisão, posso prever onde você estará em uma hora ou um dia mais tarde". 

George Orwell tinha razão. Sob o argumento de prevenir catástrofes e crises graves, o Big Brother aos poucos vai tomando uma dimensão que nem a fértil imaginação do autor poderia imaginar. Resta saber se para melhorar a vida da humanidade ou apenas para satisfazer caprichos de governos poderosos, que querem sempre dizer como o restante do mundo deve se comportar. Desde que seus interesses econômicos sejam preservados.



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