protestos_na_libia_umNas últimas semanas ditadores e déspotas de países do Oriente Médio devem estar fazendo a mesma pergunta que o Rei Luiz XVI, da França, fez aos criados, quando a Bastilha caiu, em 1789. Conta-se que o monarca francês perguntou: “É uma revolta?” “Não, Senhor”, foi a resposta. “É uma revolução”.

Desde janeiro, um tsunami pela liberdade varre esses países. Começou na Tunísia, onde o presidente teve que fugir às pressas, passou como um verdadeiro tornado pelo Egito, derrubando uma ditadura de 30 anos, e inunda outros países. A Líbia contabiliza mais de 300 mortos, numa reação desesperada do mais longevo ditador no poder, Muammar Kaddafi, 40 anos na presidência do país.

Ecos dessa tempestade também estouraram na Argélia e no Iêmen. Tremem os ditadores e seus asseclas. O povo vai para as ruas, de início num protesto medroso. E depois, com mais força. Até que sente, como aconteceu no Egito, ser protagonista da história. Mas por que esses movimentos se desencadearam agora, ainda no início do século XXI, quando o mundo árabe vive sob um clima de suspeição? Criou-se, principalmente na civilização ocidental, um estereótipo em relação aos árabes, por conta das estripulias de Bin Laden. Nos EUA, até sobrenome de origem árabe põe os cabelos dos seguranças em pé. O que se caracteriza como uma perversa discriminação.

É um contrassenso o homem, durante milênios, ter lutado tanto para progredir, ampliar as liberdades e melhorar as condições de vida, muitos morrendo como mártires nos protestos, como já aconteceu no Irã, na Coreia do Norte e até em Cuba, e viver ainda amordaçado por limites de liberdade. Mesmo a China, que desponta com pretensões de grande potência do século, mantém restrições à internet e ao direito de expressão.

Tudo isso tem a ver com o tipo de sociedade criado pelo mundo desenvolvido nos últimos anos. Basta um olhar sobre o Reino Unido, tido como paladino das liberdades, para onde fogem imigrantes perseguidos ou empobrecidos, em busca de oportunidade, trabalho, cultura e liberdade de expressão. A Inglaterra vive sob o domínio do medo. Seria o resultado de séculos de colonialismo e, depois, de condescendência com regimes fechados, repressores e exploradores?

Desde os atentados de 11 de setembro, tanto os Estados Unidos, quanto os países do bloco de apoio à invasão do Iraque, como a Inglaterra, vivem atormentados pela possibilidade de um atentado. Por isso, a sociedade vigiada, uma versão quase real da profética ficção de George Orwell, em 1984, transforma a capital britânica num grande Big Brother.

Um trabalhador inglês, em Londres, desde que sai de casa, passa durante o dia por até 25 câmeras, com já constatou pesquisa realizada por um jornal da cidade, ao acompanhar todos os passos desse cidadão. Ou seja, ele está sempre diante de uma câmera, vigiado o tempo todo em que está fora de casa. A única privacidade, provavelmente, limita-se ao banheiro. Mesmo com toda essa vigilância ostensiva, a síndrome do medo paira no ar da cidade. O país está em alerta “laranja”, ou seja, alerta de grande possibilidade de um atentado terrorista.

Aviso afixado no metrô de Londres, certamente seria considerado politicamente incorreto e inapropriado no Brasil: “Fique atento a objetos estranhos e denuncie às autoridades qualquer atitude suspeita que você encontrar”. Pode-se achar mil e uma justificativas para americanos, ingleses, alemães, franceses e outros povos, que apóiam as guerras dos Estados Unidos, viverem sobressaltados. Até porque, ao perceber essa paranóia, os terroristas tiram proveito do clima de insegurança. Mas isso contraria todos os princípios de liberdade pelos quais os antepassados lutaram e fizeram revoluções.

Será esse o mundo almejado pela civilização no século XXI?. Crianças e jovens acharem natural viver em estado de alerta e denunciar um simples pacote deixado no metrô, um celular esquecido num banco. Qualquer objeto largado, vira uma operação de guerra. A sociedade das novas tecnologias vive amedrontada pelas maquiavélicas tramas de quem se esconde nas cavernas do Afeganistão e Paquistão.

Os jovens do Oriente Médio, alguns fanáticos que preferiam amarrar uma bomba na cintura e se explodir em atentados, estão agora empenhados em outra revolução, protestando, apanhando e morrendo nas ruas para sentir o gosto da liberdade. Pode ser que com isso haja um maior equilíbrio na ordem mundial, até porque não adiantou o mundo ocidental crescer, avançar e não compartilhar a riqueza ou os avanços com uma plêiade de países do Oriente ainda mergulhados na pobreza, no atraso e na escuridão.

Pode ser que a retirada do poder de ditadores que encheram os próprios cofres, enquanto jogavam seus povos na pobreza e no terrorismo, ajude a amenizar a síndrome terrorista que dez anos depois do World Trade Center continua a assombrar os chamados povos desenvolvidos. E, finalmente, a integrar o Oriente Médio ao resto do mundo.

Foto: AP - Manifestantes protestam contra Muammar Kaddafi, em Tobruk, Líbia, em 22/02/11.

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