DellSó faltava esta. Depois de constranger passageiros a tirar sapatos, abrir malas, expurgar líquidos, passar por várias revistas e detectores e responder a perguntas simplórias sobre portar explosivos na bagagem, a política anti-terrorista americana quer determinar agora o que você pode fazer com seu computador.

A Dell Computadores estaria exigindo do comprador, ao adquirir máquinas da empresa, assinatura em documento no qual se comprometa a não usá-las
a produção de armas de destruição em massa e a não transferir os equipamentos a cidadãos de Cuba, Irã, Coréia do Norte, Sudão e Síria. O fato ocorreu com pesquisadores da Universidade Federal Fluminense.

A Dell exigiu do físico nuclear Paulo Gomes da UFF, que havia comprado dois computadores Dell para seu laboratório, assinatura no termo de compromisso, conhecido como Export Compliance.

Segundo notícia da Folha de São Paulo, o termo deveria ser assinado antes da entrega das máquinas e impresso em papel timbrado da universidade.
Uma das cláusulas do termo determina: Não transferiremos, exportaremos, ou reexportaremos, direta ou indiretamente, quaisquer produtos adquiridos da Dell para: Cuba, Irã, Coréia do Norte, Sudão, e/ou Síria, ou a qualquer estrangeiro com dupla nacionalidade, ou a qualquer outro país sujeito a restrições sob leis e regulamentos aplicáveis onde não estejamos situados, sob o controle de um indivíduo natural ou residente deste país. Outro termo do documento promete não usá-lo para produção, uso, ou manutenção de Armas de Destruição em Massa.  

O pesquisador se negou a assinar. Eu não tenho de prestar satisfação a ninguém, nem sou obrigado a seguir as políticas americanas. Sou comprador, não estou recebendo doação. Além do mais, tenho interação com físicos cubanos, da qual não vou abrir mão, disse à Folha.

A empresa se defende, dizendo que, como empresa americana, deve seguir as leis e regulamentos de exportação dos EUA: Caso deixemos de cumprir essas exigências da legislação americana, a nossa empresa-mãe no exterior (Dell, Inc.) poderá ser severamente penalizada pelas autoridades dos EUA. Em última análise (...) poderá ser impedida de exportar.

O Ministério de Ciência e Tecnologia não engoliu a exigência. Pediu explicações à Dell sobre a tentativa de policiar o uso de computadores. Entende a empresa como brasileira, já que os computadores são fabricados aqui. Além da recusa em assinar, alguns membros da Sociedade Brasileira de Física recomendaram boicote à Dell.

A empresa é a mesma que cria facilidades do século XXI para vender computadores pela Internet. O cliente pode montar a máquina como quiser e acompanhar todas as fases da montagem, expedição, transporte, até a entrega. Passada a garantia, porém, o consumidor tem atendimento do século XIX. Isto, porque as peças comercializadas com exclusividade pela Dell devem vir dos Estados Unidos.

Se o computador tiver uma peça danificada, esqueça manutenção rápida. A Dell não tem assistência técnica. A encomenda terá que ser feita com uma empresa terceirizada, que importa dos Estados Unidos, e o cliente não terá a peça instalada em menos de 45 dias. Sem opção de consertá-lo no concorrente, porque a máquina é fechada. Isso significa que ao comprar o computador Dell, você está literalmente na mão deles, se quiser a peça consertada. Caso contrário, compre um novo e transforme o seu em sucata.

Esse fato é emblemático de como as corporações estão assumindo poderes de estado, constrangendo os consumidores a se submeter a condições políticas restritivas, que ferem até mesmo princípios de igualdade preconizados pela ONU. Não bastassem os call-centers instalados em lugares distantes, até em outros países, agora eles querem dizer para quem você deve repassar seu computador.

O fato não mereceu da mídia o devido destaque, mas ele é grave na medida em que a exigência fere o direito do livre mercado, de o comprador fazer o que bem entender com a mercadoria adquirida. Mostra também como as grandes corporações se submetem a políticas equivocadas, não se constrangendo em exportá-las para outros países. Por mais que a empresa tente explicar, o fato arranha a imagem e afeta os negócios. O boicote parece ser, no momento, uma medida extrema, mas compreensível para reagir à arrogância das multinacionais.

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