palaciodoplanaltoAs denúncias contra a ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, bem como as graves acusações, seguida de prisão do governador do Amapá, nas últimas semanas, expõem de novo a face descarada e promíscua dos dirigentes públicos. Como aconteceu no Distrito Federal recentemente. Sem escrúpulos, confundem interesses públicos com negócios privados.

Confirma-se aquilo que estamos carecas de saber: a maioria dos políticos profissionais – que dão o corpo e a alma para continuar no poder - lixam-se para os objetivos do mandato e do cargo: servir à população. A maioria briga pelo poder com um único objetivo: locupletar-se financeiramente. Com a adesão de parentes e apaniguados, tantos quanto possível. Como explicar a obsessão pelo poder de empresários ou políticos ricos, dono de fazendas, indústrias, que já exerceram vários cargos no executivo e legislativo? Alguém acredita em “vocação” pública?  

Mas existe outra linhagem que historicamente, nos governos, ocupa o poder sem passar pelo voto. É o estamento dos burocratas ascendentes. Destacam-se pela fidelidade, dedicação, quando não, a subserviência. Quase sempre têm um padrinho. Uma vez no poder, ficam embevecidos pelas facilidades,  ajulação e mordomias. Sem conseguir distinguir múnus público dos interesses privados.

Como admitir de outra forma uma senhora de origem humilde, subir aos poucos na burocracia estatal, como Erenice Guerra, e desconhecer que filhos, irmãos, amigos e outros tantos estivessem pendurados na máquina pública, usando os cargos para fazer lobby e pressionar empresários? Ou que o filho se aboletou num emprego público, sem trabalhar? Não sabia? Neste caso, falha gravemente como administradora e mãe. Ou sabia e se fingiu de morta. O que é mais grave ainda. O pior administrador é aquele que não quer ver.

Outra pergunta: o governo foi colhido de surpresa por essa crise? Pelo menos a ex-ministra alegou que “fui surpreendida por uma série de matérias veiculadas”, como se alguém, com tantos rastros deixados em cargos públicos, como acontecia com sua família, pudesse se surpreender com a publicação das malfeitorias. A imprensa até demorou muito para perceber. Faltou jornalismo investigativo, quando a então secretária-executiva da Casa Civil foi imposta no cargo pela madrinha e candidata oficial. A nota à imprensa, divulgada no calor da denúncia, pela ex-ministra, é uma peça tão arrogante e equivocada, que merece ser utilizada nos cursos de Media Training, como exemplo do que não se deve fazer numa crise. É um desastre completo.

Ninguém sabia, como sempre

Mas e o governo? Os serviços de inteligência não monitoram a atuação dos ministros e familiares? Cada um faz o que quer? Quase sempre nas crises de governo acontece isso. Todo mundo fica chocado, como se fosse uma perseguição da imprensa. Rostos contritos, com ar de seriedade, prometendo “fazer uma devassa” (como na Anac), apurar até as últimas consequências. Papo furado. Puro teatro para a mídia e a opinião pública. Contam-se nos dedos os dirigentes e empregados públicos punidos com prisão ou penas pecuniárias pelos crimes cometidos contra o patrimônio. Nunca se conhecem as conclusões. Os tribunais e corregedorias, como sempre, chegam atrasados, após a imprensa denunciar. Quando muito, se esconde o funcionário em outra repartição pública.

Mais grave. Como pode um indivíduo com várias condenações, que já foi preso e condenado, estabelecer uma amigável troca de e-mails com empregados da Casa Civil, marcar audiência, discutir projetos, receber propostas, ser recebido em audiência pela ministra e chegar até o BNDES, sem que nenhum órgão de controle ou inteligência tenha dado o alarme? Nesse caso, parece que os fins (o financiamento de R$ 9 bi e os filhotes daí decorrentes) justificam os meios (não importa quem seja, desde que pague a  famosa “taxa de sucesso”, em português claro propina).

Outra pergunta? Se a imprensa não denunciasse, até onde iria esse balcão de negócios e as consultorias do prematuro e esperto empresário Israel e seus amiguinhos? Quem garante que em outros ministérios, estatais, autarquias não estejam acontecendo coisas piores, neste momento? Quem acompanha o comportamento ético dos ministros e dirigentes de empresas públicas? A Comissão de Ética? Se for pela presteza com que essa comissão descobriu as estripulias de Erenice Guerra, a sociedade brasileira deveria ficar muito preocupada.

E a sua ex todo-poderosa chefe, na Casa Civil, quando indicou a “ex-assessora”, não sabia de nada? É assim que pretende governar o Brasil, atirando no escuro? Ou seja, se não sabia, foi enganada nos últimos anos? E o presidente da República, vizinho do gabinete de Erenice, também nada sabia? Nesse caso, até a vida do presidente pode estar em risco, porque os serviços de inteligência desconhecem completamente quem frequenta as salas contíguas ao gabinete de despacho de Lula.

Impunidade

Nos dois episódios, Casa Civil e Amapá, choca o descaramento com que os negócios eram realizados. Talvez, porque consagrou-se no país a sensação da impunidade. Eles provavelmente agiam, quem sabe há anos, sem que tribunais de contas, comissões de ética ou corregedorias dessem a mínima para a atuação de pessoas com a obrigação de planejar e controlar o orçamento público. Que moral tinha a Casa Civil, ao cobrar metas do PAC e outros programas, se na sua antessala e gabinetes lobistas agiam livremente e até propinas eram pagas, como denuncia nesta semana a revista Veja?

Nas denúncias envolvendo Erenice Guerra, salta aos olhos a presteza da comissão de Ética em puni-la, tão logo foi demitida por causa das reportagens escandalosas. Não porque a Comissão foi proativa nas suas funções. Ao contrário. Desde abril a ministra, que deveria dar exemplo para os demais ministros, até porque aprendeu a cobrar com sua madrinha, estava devendo à comissão de ética a Declaração Confidencial de Informação (DCI). Quantos outros ministros devem a tal declaração?

No caso do Amapá, nem o presidente do tribunal de contas do estado escapou de prisão. Como poderia haver alguém fiscalizando o governador, quando sabemos que Câmaras de deputados ou de vereadores, em sua maioria, estão mais preocupadas em resolver problemas privados do que para legislar ou fiscalizar o poder executivo. Vale aqui a observação do jurista Carlos Ari Sundfeld, em entrevista ao O Estado de S. Paulo: “A administração pública, no Brasil, não conseguiu criar instrumentos de blindagem contra times ou bandos, que buscam espaço e poder político”.

A demissão da ex-ministra da Casa Civil só tomou ares de crise política por causa do momento eleitoral. Ela é muito mais do que uma crise política. É uma crise de ética e de caráter. Agora se descobre que o grupelho instalado na Casa Civil para fazer lobby fez um estágio na Agência Nacional da Aviação Civil-Anac, antes de conseguir emprego no Palácio do Planalto.

A Anac, outra agência que, desde a instalação, especializou-se mais em cabide de emprego para apaniguados do governo, do que cuidar do transporte aéreo, agora virou também estágio para lobista. Só agora a presidente da Anac anuncia que vai “fazer uma devassa”. Deveria começar pelos diretores, indicados apenas porque são parentes de políticos ou de autoridades que o governo quer bajular. Entendem tanto de aviação quanto Tiririca de legislação parlamentar.

O mais grave de tudo isso é que a população perdeu a capacidade de se indignar. Pesquisa Datafolha, realizada em 2009, mostrava que 92% dos brasileiros admitiam haver casos de corrupção em todas as instituições. E ninguém acredita em punição para o corrupto, porque a própria Justiça é lenta e magnânima com os acusados. A convergência de opiniões de que a corrupção é endêmica, está sempre presente no serviço público e não há como consertá-la, acaba facilitando a impunidade e a continuação dos delitos. Até porque, como diz Dora Kramer, “Quando se trata de escândalos é arriscado falar em superlativos. Sempre pode haver um maior e um mais grave no dia seguinte”.

Por isso, o caso de Erenice e companhia pode se manter nas manchetes até 3 de outubro, porque é uma boa pauta para a oposição. Mas a revelação desse escândalo escancara, mais uma vez, que, nas barbas do presidente da República, a Casa Civil continua sendo o estopim de escândalos que todo o brasileiro sabe quando e como começa. Mas ninguém consegue contar como eles acabaram e quem foi punido.

Nota distribuída pela ex-ministra Erenice Guerra em 14/09/10

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