Tragedia RGS montenegroA tragédia que arrasa o Rio Grande do Sul, desde o início do mês, o maior desastre natural no estado na história, com o transbordamento de vários rios em boa parte da região central do território gaúcho, incluindo a capital, não tem precedentes no País. Até agora, o maior desastre por fenômenos climáticos, no Brasil, ocorreu no estado do Rio, em janeiro de 2011, quando fortes chuvas provocaram enchentes e deslizamentos em sete municípios. A tragédia resultou em cerca de 900 mortes e mais de 100 desaparecidos. Sem dúvida, até então, a maior catástrofe climática e geotécnica do país.

No desastre do Rio G. do Sul, não temos dimensão ainda do número de mortes, até porque não foi possível acessar todos os locais atingidos pela enchente. Relatos de policiais que escoltam barcos de resgate, em muitas casas alagadas existem corpos boiando, que não foram ainda recolhidos pela prioridade de salvar pessoas ilhadas. No Brasil, muito provável que não tenha acontecido até hoje um desastre natural, numa única região, com a dimensão do que está acontecendo no RS.

Mas não pairam dúvidas de que a inundação que transformou cidades gaúchas em lagos e pântanos, atingindo a infraestrutura do estado e arrasando cidades ao longo do leito dos rios, supera em extensão, impacto humano e econômico, a tragédia do estado do Rio de Janeiro. A Defesa Civil informou que quase 1,5 milhão de pessoas já foram afetadas em razão das fortes chuvas que atingem o estado há uma semana. E são números que podem aumentar, na medida em que a inundação agora atinge municípios ao longo do trajeto da Lagoa dos Patos, que recebeu toda essa enxurrada, como São Lourenço do Sul, Pelotas e Rio Grande, entre outros.

Deastres naturais numero de mortes

Ao menos 540 mil pessoas ficaram desalojadas, 340 mil fora de casa e 85 mil estavam em abrigos, até domingo, 11 de maio. Números que dobraram nos últimos dias. Dos 497 municípios gaúchos, 425 sofreram alguma consequência dos temporais. As cidades atingidas no estado já representam 85% do total. Quando algumas cidades da serra gaúcha viram as águas baixarem, deixando um rastro de destruição e lodo, o escoamento da água dos rios da região central desce para o Sul, passando pelo rio Guaíba e desaguando na Lagoa dos Patos.

Na manhã de domingo, 12 de maio, o total de mortos, nas inundações, chegou a 143. Enquanto calcula-se em mais de 150 o número de desaparecidos. Infelizmente esse número poderá aumentar muito, na medida em que partes inacessíveis do estado forem atingidas pelas equipes de salvamento.

Os cálculos iniciais das equipes técnicas indicam que serão necessários, pelo menos, R$ 19 bilhões para reconstruir o Rio Grande do Sul, segundo o governador do estado Eduardo Leite. Seriam recursos para diversas áreas. Ele diz que o efeito das enchentes e a extensão da tragédia são devastadores. Para se ter uma ideia, o furacão Katrina, que devastou a cidade de Nova Orleãs (EUA), em 2005, deixando 1.836 mortos, até agora teve um custo de US$ 125 bilhões (R$ 625 bilhões). Em dimensões bem menores do que ocorreu no Rio Grande do Sul, porque se limitou à cidade e aos arredores, resultado de rompimento dos diques de contenção, que não resistiram à força do furacão. Especula-se que esse valor para recuperação de infraestrutura, residências e prédios públicos seja o dobro. Somente escolas públicas destruídas ou afetadas pela catástrofe são mais de 400.

O que fazer numa crise dessa magnitude?

Tragedia RGS EldoradoInfelizmente, não importa o tamanho da catástrofe natural, no Brasil o que se vê é um despreparo total para esse tipo de crise. Isso ocorreu no Rio de Janeiro, nos deslizamentos de 2011, em Petrópolis, em 2022; e no litoral Paulista, em 2023, com elevado número de mortes e de casas e prédios destruídos pela força das águas. Na época da grande tragédia do Rio sequer havia sirenes para avisar as pessoas que moravam em regiões de risco, o que teria alertado para saírem de casa.

Todas as regiões do Brasil, uma vez ou outra, acabam enfrentando situações semelhantes. Enquanto os governantes estão agindo só na hora da contenção de danos ou reparação, que é lenta, desorganizada e incompleta, e não da prevenção. Quando a tragédia acontece há um jogo de empurra, o governador do estado jogando a culpa também no governo federal, que repassa recursos para prevenção de acidentes climáticos. Naturalmente, essas crises também ocorrem por falta de fiscalização do Ministério do Meio Ambiente e por uma certa leniência, quando a enchente passa.

Inundação no Sul seria um “cisne negro”?

A pergunta que se faz é se uma tragédia dessa magnitude poderia ter sido prevista, evitando boa parte do que aconteceu no Rio G. do Sul. Difícil responder a essa pergunta. O autor, ensaísta e analista de riscos libanês-americano, Nassim Taleb, autor do já famoso livro “A lógica do cisne negro – O impacto do altamente improvável”, diz que geralmente somos “incapazes de aceitar a ideia da imprevisibilidade. Os eventos eram inexplicáveis, mas pessoas inteligentes pensaram ser capazes de oferecer explicações convincentes para eles – depois do evento”.

Um pouco do que está acontecendo no Rio G. do Sul. Agora, passado o impacto inicial, começa a caça às bruxas. Os culpados, que vão do governo federal ao governador do estado e até o prefeito de Porto Alegre. Mas, o momento em que o desastre no território gaúcho ainda está no auge, precisando de união, discernimento e ajuda, seria oportuno se debruçar sobre quem é culpado? Críticas são necessárias e bem-vindas. Mas nada que possa contribuir, no momento, para amenizar o sofrimento, as perdas do povo gaúcho.

Rio G do sul enchentes poaCientistas, meteorologistas, jornalistas opinam e arriscam dizer que não houve prevenção no Rio G. do Sul, apesar do que aconteceu no ano passado, culpando governantes do estado e dos municípios, por terem ignorado o risco conhecido de enchentes, ao não aplicar os recursos destinados à prevenção de catástrofes e até mesmo ao desvio de recursos de recursos destinados à prevenção. A grande imprensa destaca que o governador Eduardo Leite cortou ou alterou quase 500 pontos do Código Ambiental do RS, em 2019.

O desastre do Rio Grande do Sul seria, então, um “cisne negro”, consagrada acepção criada por Nassim Taleb?

O que seria um “cisne negro”, segundo Taleb? Um cisne negro refere-se a eventos raros e imprevisíveis, geralmente com grande impacto nos mercados financeiros e na sociedade. É possível identificar um cisne negro? Identificar um cisne negro é desafiador, pois são eventos imprevisíveis.

Eventos como crises globais, atentados terroristas em grande escala, como o de 11 de setembro, o tsunami de 2004, na Ilha de Sumatra, que deixou 227 mil mortos, a ascensão do Google, são exemplos de cisnes negros que são praticamente impossíveis de serem previstos, segundo Taleb. Assim como nenhum cineasta, por mais criativo que fosse, imaginou um filme-catástrofe destruindo o World Trade Center, o mesmo ocorreu no Rio G. do Sul. Nunca, sequer na ficção, se imaginou um desastre natural na dimensão do atual, ainda que em 1941 tenha ocorrido, pelo menos em Porto Alegre, uma cheia semelhante.

Para se ter uma dimensão do que aconteceu e ainda acontece no Rio G. do Sul, reproduzimos texto da Meteorologia do Sul do país: "A síntese da "loucura" que estamos experimentando nos dias atuais. Foram necessários 26 anos entre maio de 1941 e setembro de 1967 para que o Guaíba superasse a cota de transbordamento de 3,00 metros. Depois, outros 56 anos para que superasse a cota, até setembro de 2023. Entre setembro de 2023 e novembro do ano passado, o Guaíba superou o nível de transbordamento duas vezes em apenas 55 dias. E, passados apenas cinco meses, superou de novo a cota de transbordamento no começo de maio de 2024. Mais do que isso, ultrapassou a cota de 1941 que jamais havia sido atingida em 83 anos e bateu a cota da grande enchente da década de 40 por duas vezes em apenas dez dias."

A praga das “Fake News”

Enchente RGS EncantadoNa era das redes sociais, vivemos também tempos duríssimos com os criadores de “fake News”, principalmente após a polarização política que começou no governo Bolsonaro, estimulada até pelo próprio, e se arrasta até hoje. Um jogando a culpa no outro, como se a tragédia fosse um jogo de perde e ganha. Pessoas desonestas e mal intencionadas politicamente publicam notícias falsas para tumultuar o já conturbado cenário da tragédia. Todos os dias alguém precisa desmentir fatos publicados como verdades nas redes sociais. Até o grupo de TV SBT teve que se explicar sobre divulgação de uma notícia. Influencers desonestos usam a tragédia para inflar mentiras e boatos, o que é crime. Mas o pior ainda não é isso: traficantes interpelaram e ameaçaram grupos de ajuda humanitária em uma vila alagada de Canoas. Precisou a polícia ir lá fazer a entrega. Muitos moradores, com água dentro de casa, não abandonam o imóvel por medo de saques, que costumam ocorrer nesses eventos e estão ocorrendo no RGS.

Desastres naturais cada vez mais violentos e caros

Desde tempestades severas a tornados, as estatísticas de catástrofes naturais revelam que esse tipo de desastres está ocorrendo com maior frequência e intensidade. Ou seja, produzem elevado prejuízo e são cada vez mais deletérios. Esse alerta não é de agora. Os negacionistas sobre os efeitos no clima questionam as mudanças climáticas como a causa dos desastres naturais cada vez mais violentos.

Nos Estados Unidos, país que sofre com tornados, incêndios, inundações e nevascas, não importa a estação do ano, gasta bilhões de dólares com desastres naturais. Eles aprenderam a pelo menos reduzir as perdas de vida, com a virulência do clima, mediante mecanismos de prevenção. A cidade de Oklahoma, que enfrentou um tornado semana passada, causando a morte de 14 pessoas, foi quase destruída em 2013, um cenário, após a passagem do furacão, onde só restaram escombros como se fosse um terremoto. E quantas pessoas morreram? Apenas oito mortes, porque a cidade tem abrigos subterrâneos, projetados para abrigar a população, contra furacões e outros desastres.

Os EUA tiveram, em média, 18 grandes desastres climáticos em 2022, causando prejuízos de 175,2 bilhões de dólares em danos materiais. Houve 474 mortes nessas tragédias. Danos causados pelo furacão Sandy, em 2012, no estado de Nova York, evento este previsto pelos meteorologistas americanos, foi precedido pelo deslocamento de milhares de pessoas das áreas de risco. Os custos (ou prejuízos) foram estimados em 50 bilhões de dólares, o que foi considerado como a segunda tempestade mais cara da história dos EUA, só superado pelo Katrina. AS mortes chegaram a 233..

Guaiba cota 1941 2024Na tragédia do Rio G. do Sul tudo conspira contra uma solução rápida. Não será fácil, porque o segundo estado brasileiro em produção de grãos certamente terá vultoso prejuízo com as enchentes que castigaram uma enorme área no Estado. Já foi anunciada a possibilidade de o Brasil ter de importar arroz, já que o solo gaúcho é responsável por 70% do abastecimento nacional desse cereal. E lavouras de arroz são extremamente sensíveis a inundações. O altamento improvável aconteceu e não resta outro caminho que não seja investir vultosos recursos na recuperação do estado. E solidariedade não falta. O país todo, de artistas a jogadores de futebol, de pessoas humildes a grandes empresários, todos se voltam para ajudar milhares de gaúchos que perderam tudo. Menos a fé.

Como ressalta a Newsletter da Oficina Consultoria, publicada sexta-feira, “a imprensa, autoridades e todos nós precisamos continuar unidos na corrente solidária que cresce à medida que somos informados da dimensão desta calamidade climática. É hora da união em torno da reconstrução para se ter alguma chance no enfrentamento desse verdadeiro Armagedon”.

Fotos: Montenegro-RS; Eldorado-RS; Porto Alegre-RS; Encantado-RS; Guaíba: Fotos do CP Memória e Gustavo Mansur do Palácio Piratini.

Desastres naturais representam 45% das mortes em 50 anos

Desastres naturais são considerados um ‘cluster’ de crise pela ONU. Eles respondem por inúmeras tragédias, em todo o mundo, sobre as quais, mesmo a prevenção, o nível de desenvolvimento de um país ou região e a tecnologia não são suficientes para prever e controlar com um nível adequado de segurança. Esses fenômenos são destruidores e letais, tanto para países desenvolvidos da Europa, Oceania e América do Norte, quanto para regiões pobres da África, Ásia e América Latina. E acontecem em qualquer época.

Leia o artigo completo, publicado em 2021

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