Mundo em pandemia globalRelatório das crises ocorridas em 2020*, elaborado pelo ICM – Institute for Crises Management*, dos EUA, mostra que o padrão de crises corporativas no ano passado foi totalmente alterado pelos efeitos da pandemia. Quando analisado por categoria, o ICM resolveu classificar como “catástrofes” 37,15% das crises ocorridas no ano, segmento amplamente impactado pelas consequências da Covid-19. O Instituto considerou que a Covid foi a chamada dominante das notícias sobre crises de 2020. Até mesmo os protestos nos EUA, desencadeados pela morte de George Floyd e as revoltas, que culminaram na derrota de Trump, são crises que acabaram se imbricando com a gestão da pandemia.

Nessa categoria estão incluídos também todos os ‘desastres naturais’ de 2020, pelo menos 416 eventos, diz o relatório, com um custo calculado de US$ 95 bilhões. Inclui o que se convenciona chamar no âmbito da gestão de crises de “desastres ou catástrofes naturais”, alguns que os autores chamam de ‘atos de Deus’: furacões, tornados, tempestades de areia, marítimas, incêndios, inundações, deslizamentos, secas, terremotos, tsunamis e até erupção de vulcões. Tudo que se refere ao clima ou evento resultante de processos naturais da Terra, que causa desastres e ameaças à vida humana.

O segundo grupo que mais produziu crises ano passado foi o de “denúncias anônimas” (“whistleblowers”, fontes diversas que revelaram fatos que redundaram em crises). Em 2018, esse segmento representava 5,46% do total de crises; em 2019, 8,13% e em 2020 saltou para 22,08%, fato inédito desde que o Relatório anual do ICM começou a ser divulgado.

O terceiro grupo de crises inclui atos discriminatórios (9,73% do total), que surgiu com destaque pela primeira vez em 2019. A “discriminação” está relacionada à perseguição e repressão aos imigrantes, principalmente minorias, como a diáspora da etnia Rohingya, em Myanmar, episódio que está sendo apurado pela ONU. Discriminar minorias pode estar bem perto, como o que acontece na Venezuela, até países da Ásia e da Europa, onde a crise dos refugiados a cada ano se intensifica. Milhares morrem afogados em tentativas desesperadas de chegar ao Continente europeu. Ou na América Central, com milhares de pessoas se deslocando em direção aos EUA. Exemplo disso estamos vendo também agora no Afeganistão, onde milhares de pessoas fogem da invasão comandada pelo grupo terrorista Talibã. Com a saída dos EUA do país, dia a dia os terroristas vão tomando conta das principais cidades. É mais um foco de crise que tende a crescer, envolvendo refugiados.

Saude no limiteOutra categoria de crise que cresceu, proporcionalmente, em 2020, segundo o relatório, foi o “ativismo do consumidor”, de 1,82% para 7,44%. Isso tem muito a ver com os movimentos que pressionam as mega corporações, como Amazon, Google, Facebook, Microsoft, Samsung, e até a plataforma Zoom, com crescimento exponencial durante a pandemia. Os consumidores comandaram movimentos de protesto, por violações de direitos, promessas não cumpridas, publicidade dissimulada e até mesmo a forma como tratam os empregados.

O crescimento das crises resultantes da pandemia (pode-se incluir aí aumento da imigração, do desemprego, da fome e da violência) levou à queda em outras categorias que nos últimos anos vinham crescendo, como cyberataque (outra grande ameaça às empresas), que reduziu a representatividade de 13,28%, de crises de 2019, para 2,93% em 2020. E assédio sexual, 16,43% em 2019, para 3,77% em 2020. Isso suscita uma pergunta: realmente o cyberataque e o assédio sexual teriam sido contidos no ano passado? Não é bem assim. O que aconteceu foi diferente. As crises decorrentes da pandemia, associadas à categoria “desastres naturais” cresceram em níveis nunca antes registrados. O que fez essas duas categorias (cyberataque e assédio sexual) terem menos peso em relação ao total de crises.

Um outro grupo que anualmente quase sempre está no topo das crises corporativas – má gestão – foi a grande surpresa, pelo menos dos últimos 30 anos, ao representar apenas 3,90 do total de crises (Em 2019, correspondia a 19,56%, o maior índice da pesquisa). A pandemia pode ter ajudado a reduzir o peso das crises corporativas por má gestão, sem que, com isso, possa se deduzir que a gestão melhorou.

Denúncias anônimas

Relatorio ICM ilustração capaO que se enquadra nesta categoria que representou 22,08% de todas as crises de 2020? Segundo o relatório do ICM, além do índice surpreendente, essas crises decorreram de fatos negativos relacionados com a Covid-19, principalmente em empresas que não cumpriam protocolos de proteção para empregados ou frontalmente desobedeciam normas da área da saúde sobre a pandemia. Estados Unidos e Brasil foram dois países criticados pela forma como os governos administraram a pandemia e suas consequências. Incluem-se também aqui fraudes de empresas apuradas pela U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), que fiscaliza cias de capital aberto, com ações na Bolsa. 

A categoria também contempla crises políticas, incluindo as ameaças dos supremacistas brancos, em época de eleição, nos Estados Unidos, que culminaram na invasão do Capitólio por uma leva de fanáticos, estimulados pelo então presidente derrotado Donald Trump, em janeiro de 2021. Ameaças da gigante Amazon de demitir empregados que criticassem a política ambiental da companhia, o que levou os colegas a protestarem. 

Segundo o ICM, apesar de um ano atípico e conturbado por uma crise não prevista e totalmente fora de controle para as empresas, que dependem da política de saúde dos governos, mesmo assim, existem executivos que continuam acreditando que eles não necessitam um gerenciamento de crise sistematizado e um plano de comunicação, recusando reconhecer que um investimento mínimo no planejamento e preparação pode salvá-los dos custos avassaladores de uma crise ou desastre, sem uma estratégia, conclui o Relatório. 

 * O ICM Annual Crisis Report 2020 foi publicado em agosto de 2021, bastante atrasado em relação ao mês tradicional de publicação, em maio de cada ano. O atraso, possivelmente, se deve ao conturbado período que vivemos de uma pandemia, que produziu várias modificações na metodologia e na compilação dos dados sobre crises no ano que passou.

Foto: Victor Moriyama/The New York Times; Paolo Miranda/AFP.

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