Rede social boa um“Os meios de comunicação no mundo ocidental continuam dominados por jornais, revistas e emissoras de TV e rádio, ainda conhecidas como mainstream (mídia tradicional). A prova mais expressiva de seu continuado reinado sobre a opinião pública está na figura do presidente dos EUA, Donald Trump, cujos repetidos ataques a publicações (que ele chama de) “fracassadas” como os jornais The New York Times e o Washington Post, como “inimigos do povo” são um tributo a seu poder continuado.” Quem afirma é o comentarista político John Lloyd*, em artigo publicado pela agência de notícias Reuters, no último dia 19.

Ainda assim, não bastasse a crise, com o surgimento da Internet, que fez a mídia tradicional perder leitores e espectadores, precisando se reinventar para manter o faturamento, o domínio da velha mídia está sob ameaça do novo. Trump tem mais de 55 milhões de seguidores no Twitter, que ele usa como seu canal pessoal para atingir os americanos - uma versão muito mais rápida dos bate-papos do presidente Delano Roosevelt (1933-1945), durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, segundo o comentarista.

O desprezo de Donald Trump pela mídia tradicional fez o presidente arrumar inimigos na imprensa americana, porque ele prefere dar os furos no Twitter, em vez de privilegiar os jornalistas que cobrem a Casa Branca, como sempre foi tradição nos Estados Unidos. Mas Trump não esconde que odeia a mídia, que desdenhava sua campanha e torceu contra ele, salvo alguns canais conservadores e de tendência Republicana, como o Grupo Fox, do magnata Rupert Murdoch.  

O problema é que a grande mídia, principalmente a americana, continua com uma força extraordinária. A maioria dos blogs e demais canais das redes sociais se pautam pelas grandes empresas jornalísticas ou canais de TV, a chamada “grande mídia”. Na última pesquisa Edelman Trust Barometer 2018, a confiança da população em geral na mídia tradicional era de 59%, enquanto 51% confiavam nas “plataformas” online, ou redes sociais. O Brasil foi um dos poucos países, pesquisados pela Edelman, onde o grau de confiança da mídia tradicional empata com o da mídia social.

O poder da mídia social

De acordo com Lloyd, “esses novos canais de mídia agora ameaçam superar esse domínio. Eles trazem vozes de todas as partes do espectro político e social de uma forma mais íntima, direta e coloquial do que a mídia tradicional - que é geralmente cuidadosa para não ofender, para evitar palavrões, para equilibrar uma visão com outra. Talvez o mais importante, as novas plataformas trazem vozes que afirmam (ou se justificam) ter sido suprimidas na mídia tradicional, porque têm um viés muito acentuado de extrema-direita, são incorretas demais, inadequadas demais, mas que florescem e encontram um ambiente propício on-line.”

O autor registra “que um notável documentário de rádio – chamado "Right Click" - exibido na Radio 4, da BBC em Londres, semana passada, revelou um mundo de ativistas britânicos cujo alcance já é grande e que se veem como as vozes dos sem voz, os poderes dos sem poder. Eu digo “revelado” porque foi revelado para mim, e sem dúvida para os outros na grande mídia e seus públicos (muitas vezes em declínio), enquanto eles já fazem parte da notícia e da ecologia de opinião de muitos jovens. De acordo com o "Right Click", eles fazem parte de "um enorme novo movimento político" cujos membros consideram a mídia tradicional como o inimigo e se veem como guerreiros em uma guerra cultural. No Reino Unido, onde a posição padrão da maioria dos jornalistas é de desprezo por Trump, as novas vozes são fãs, torcedores e defensores da direita, e veem os inimigos do presidente dos EUA como seus.”

John Lloyd diz que têm proliferado no Reino Unido e também nos Estados Unidos blogueiros e “youtubers”, especializados em detonar a mídia tradicional, publicando aquilo que essa mídia recusaria, por ser grosseiro, discriminatório e politicamente incorreto. Eles acharam um espaço nessas plataformas, muitas delas com milhões de seguidores. Ao contrário dos Estados Unidos, o Reino Unido não tem o direito constitucional à liberdade de expressão, que permite quase todos os comentários descritos como "ódio". O autor afirma que preferiria o modelo americano, “na crença de que a supressão, mesmo de uma declaração hedionda, seria um retrocesso”.

O assunto não se limita ao mundo cultural, nem a um canto da política. O programa de rádio da BBC informou que 92 por cento dos menores de 25 anos receberam notícias e opiniões da internet, assim como 62 por cento daqueles com idades entre 25 e 35 anos. Eles disseram que o apresentador do programa, Gavin Hayes, é o “iceberg que vem”. Recente pesquisa nos Estados Unidos, constatou que 80% da geração “millenials” (também chamada de geração “y”, nascidos entre 1979 e 1995) se informa sobre o que acontece no mundo apenas no Facebook. Ou seja, desconhecem e desdenham da mídia tradicional.

A tendência à radicalização tem se refletido nos resultados eleitorais, mostrando que a mídia tradicional vem perdendo a força na hora de influenciar opiniões. Mesmo que sua linha editorial esteja politicamente correta. No início do mês, a União Social Cristã (CSU) perdeu a posição de partido hegemônico do estado da Baviera, no sul da Alemanha. A CSU faz parte da coalizão governista liderada pela chanceler Angela Merkel - assim como os social-democratas de centro-esquerda (SPD), que também se deram muito mal na Baviera. A fragmentação da política e o rápido declínio dos partidos tradicionais já são visíveis em nível nacional, na Alemanha - como na França, na Itália, no Reino Unido e na Suécia.

No Brasil, a polarização da candidatura a presidente em duas correntes bastante antagônicas, o PT de Lula e o PSC de Bolsonaro, serviu como um laboratório para testar a força das redes sociais. E o fato de o candidato Jair Bolsonaro ter sido atingido por um atentado a faca, mais de um mês antes das eleições, que necessitou longo internamento, facilitou a briga por audiência nas redes sociais, já que ele se viu impedido de comparecer aos debates. Segundo os especialistas, quem melhor soube utilizar essas redes, ao estilo Trump, foi Jair Bolsonaro. Se isso contribuiu ou foi decisivo para ele ter chegado a uma semana do pleito com amplo favoritismo, só uma pesquisa mais detalhada poderá dizer.

Mas o que isso tem a ver

Para John Lloyd  “Não é demais dizer que os habitantes das mídias sociais têm um grande papel nisso. A guerra da cultura política, entre uma parte da esquerda e os meios de comunicação que se tornaram intolerantes e a censura a um debate agudo, e uma parte do direito determinado a testar as fronteiras da fala e do humor, transbordam para a escolha política. Ela forma muitas pessoas, especialmente os jovens, em exércitos opostos. E se isso se tornar uma força ainda mais poderosa nos meios de comunicação, isso atingirá nossa política como um furacão, destruindo a velha mídia e a política que a acompanha - e criando um novo cenário político que estamos começando a vislumbrar."

*John Lloyd co-fundou o Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo na Universidade de Oxford. Ele escreveu vários livros, incluindo “O que a mídia está fazendo com a nossa política” e “Jornalismo em uma era de terror”. É editor contribuinte do Financial Times e fundador da FT Magazine.)

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