Sequestro_-_181008Pelo atropelo da crise econômica mundial, que não dá trégua, crises domésticas se sucederam e faltou comentá-las. Primeiro foi o confronto das polícias civil e militar na centro de São Paulo, em meados de outubro, fato que virou chamada em vários sites internacionais. Não é para menos. Briga entre policiais da mesma cidade vira notícia em qualquer lugar do mundo. Logo em seguida, o seqüestro em Santo André, que acabou de maneira trágica para as vítimas e para o Gate.

No caso do confronto das polícias, o governo de São Paulo demorou a negociar com os grevistas. Esqueceu um dos mandamentos básicos da gestão de crise: agir rapidamente. Crise não combina com lentidão na tomada de decisões. Se a greve por si só representa uma pequena crise, não negociar ou deixar o tempo resolver é um erro. O governo de São Paulo pode até ter razão em negar aumento salarial, por motivos econômicos. Mas deixar a greve rolar, sem solução é prenúncio de crise. Os policiais civis também cooperaram para o agravamento da crise, por terem ido a uma manifestação sindical portando armas.  

Ao mesmo tempo, não apareceu na imprensa o negociador-chefe, o interlocutor indicado pelo governo de São Paulo para ser o porta-voz oficial neste episódio. Resultado: não há solução para a crise, nem para a greve, que se arrasta há mais de um mês. Colocar a culpa em grupos da oposição por insuflar a manifestação também não resolve. Para o povo de São Paulo o que houve foi quebra da disciplina, com policiais, pagos para proteger a população e, por que não, o governo do estado, tentando invadir o palácio do governo para forçar uma audiência.

O seqüestro de Santo André

No episódio do seqüestro em Santo André, análises de especialistas, psicólogos, juízes, policiais e até membros da SWAT americana concluem que a polícia de São Paulo cometeu vários erros. Um deles, prolongar uma negociação que, desde o início, mostrava um maníaco deslumbrado com suas aparições na TV e não demonstrava sinais de ceder.

O capitão comandante do Gate declarou à imprensa, logo após o trágico desfecho, que resultou na morte de uma das reféns e ferimento grave na outra, que a situação era de alto risco e que, portanto, algo de trágico poderia acontecer. Tese do capitão: se estamos administrando uma situação de alto risco, é muito provável que não acabe bem. Errado.

A situação de risco antecede a crise. Quando a polícia foi chamada e começou a administrar o seqüestro, ela estava assumindo um risco, realmente. Ao ser constatada a impossibilidade de o seqüestrador libertar as duas reféns, com o agravamento da situação, não havia mais uma situação de risco. A partir daí, os policiais estavam no meio de uma crise grave. O que houve lá em Santo André foi uma crise mal administrada.

O erro dos policiais, com ou sem autorização dos pais, de devolver ao seqüestrador uma refém, ainda que fosse para facilitar a libertação da outra, mostrou a fragilidade ou amadorismo na condução do seqüestro. Este foi o deslize mais flagrante. Policiais americanos que comentaram o episódio, asseguram que não existe precedente na história de seqüestros de um refém voltar ao local do cativeiro, após ser libertado. Nem perto do local ele deveria ficar.

Veio a invasão. Uma sucessão de erros. Os policiais invadiram o apartamento sem saber onde as pessoas estavam localizadas. Autêntico tiro no escuro. Previam derrubar a porta, que resistiu, porque havia móveis colocados como barricada. Aqueles 15 ou 20 segundos que antecederam a derrubada da porta foram fatais. Resultado, o seqüestrador teve tempo de atirar nas duas reféns.

Foi mal administrada também a entrevista concedida na rua pelo comandante e pelo promotor do caso, logo após a invasão. Em uma entrevista tumultuada, pela tensão do momento, o comandante cometeu mais um erro, ao assegurar que a invasão só ocorreu por causa de um disparo. Este tiro até agora não foi comprovado pela escuta das gravações. O próprio comandante já admite que pode ter-se enganado. Depoimento da refém ferida no episódio assegura que nenhum tiro foi disparado antes da invasão. Na mesma entrevista, o promotor, visivelmente nervoso, interviu e saiu em defesa da polícia, provavelmente ainda sem saber os detalhes da invasão, até porque ele não havia participado da ação.

É recomendável que nestes momentos as autoridades evitem a imprensa, porque ainda estão sob tensão, nervosos e não conseguem responder a todas as perguntas. O risco é atropelar os fatos e fazer declarações intempestivas, comprometedoras. Os próprios jornalistas se tornam arrogantes, fazem perguntas descabidas, algumas impossíveis de serem respondidas.

Não esquecer que poucas horas antes a mídia havia se beneficiado do episódio para alavancar audiência. A própria mídia, agora, está se questionando e sendo acusada de ter colaborado para o agravamento das tensões no apartamento. O maníaco provocava alguma reação dos policiais ou fazia declarações e logo em seguida procurava ver a repercussão na tevê. Até entrevista por telefone, ele deu. Manter o telefone do apartamento ligado foi outro erro da polícia.

A doutora em psicanálise e psicopatologia pela Universidade de Paris, Marilia Etienne Arreguy, declarou à Folha de S. Paulo que o papel da imprensa no episódio foi “muito equivocado. A exposição midiática acende o fogo das paixões, principalmente em paixões narcísicas. Na nossa cultura, a pessoa só é boa se tem sucesso, se aparece na televisão, na mídia. Isso mexe com as emoções das pessoas, ainda mais de uma pessoa que já está perturbada”.

Marília Ettienne diz que o problema é o sensacionalismo gerado em torno disso e quando a atividade dos jornalistas interfere negativamente no trabalho de negociação e investigação policial. Parece ter havido um pacto de não agressão: os policiais gostaram da cobertura e a mídia não mediu as conseqüências. Não imaginavam que Lindemberg iria gostar desse jogo e não estava nem um pouco interessado em libertar ou negociar a libertação das reféns.

Para a psicóloga Suely Gevertz, o que se observou em Santo André não foi somente um seqüestro. Foi um fenômeno de psicologia de massas. A psicóloga critica o show montado em torno do episódio. Na busca de culpados, esquecemos que os meios de comunicação colaboraram muito para o desfecho trágico. “Lindemberg conversou com o negociador policial e com jornalistas na frente das câmaras de TV. Estavam em rede nacional 24 horas, diariamente aparecia nos jornais escritos e televisivos e na internet”. “Eu sou o cara”, disse ele. Lindemberg era ator e telespectador do espetáculo. Sabia de tudo que estava sendo dito sobre o seqüestro. “Será que alguém imagina ser possível alguma negociação exitosa para a libertação dos reféns no espetáculo montado?” pergunta a psicóloga.

Cabia, portanto, à polícia manter o cenário propício às negociações. Se a mídia teve esse poder invasivo, foi porque os policiais não se impuseram e quando descobriram já era tarde. Não tinham equipamentos de escuta e nem câmeras para vigiar o apartamento. Ou seja, o risco a que o comandante se referiu, foi mal administrado antes do seqüestro, pelo fato de o esquadrão especializado não ter equipamentos adequados e não seguir práticas rotineiras em negociações dessa gravidade. O risco foi mal gerenciado, porque há de se supor que um esquadrão anti-seqüestro deve estar preparado, até porque é de sua rotina o envolvimento em episódios semelhantes. Para finalizar, outro erro foi a polícia minimizar a crise. O comandante sempre achou que o seqüestrador se entregaria, então não apressou as negociações. Grave erro de avaliação.

O jornalista Elio Gaspari chamou a operação de “Tabajara”, em alusão ao humorístico Casseta & Planeta, tantos foram os equívocos na negociação. Chamou as justificativas do comandante de “néscias” por explicar não ter atirado em Lindemberg por “se tratar de um garoto em crise amorosa”, sem antecedentes criminais.

Renato Mezan, no artigo Eu sou o cara, publicado na Folha de S. Paulo e no Observatório da Imprensa, alerta sobre o papel das emissoras de TV no episódio. “Escudadas na missão de informar – mas, na verdade, sequiosas de superar a qualquer custo a audiência das demais –, acabaram fornecendo a Lindemberg Alves informações preciosas sobre a posição e as ações dos policiais e, com sua irresponsabilidade, provavelmente contribuíram para o desfecho trágico do episódio”.

E cobra da imprensa o destaque que deu para as ações tresloucadas de uma mente frágil, deslumbrada com a repercussão de seu gesto: “as emissoras precisam rever sua idéia do que é informar: a busca insensata dos picos de audiência as levou a se tornarem cúmplices involuntárias de um assassinato. Que se lembrem disso quando o próximo seqüestrador apontar a arma para a sua vítima”.

É provável, portanto, que  a auto-suficiência do Gate tenha colaborado para os policiais minimizarem o desfecho do caso. Acostumados a negociações com bandidos perigosos, que em geral se entregam, eles enfrentaram um personagem controvertido, sem perfil de marginal, mas que, movido pelo sentimento de posse e de perda, acabou agravando a crise e levando de roldão, não só as reféns, mas a credibilidade do grupo que só este ano já teria resolvido 42 casos semelhantes, sem vítimas. Esse número aqui passa a ser meramente estatístico. O que fica é o registro de uma crise muito mal administrada. Com a ajuda dos meios de comunicação. (JJF)

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