ciclovia muito boa fotoA queda de um trecho da ciclovia que passa pela praia de São Conrado, no Rio de Janeiro, inaugurada em janeiro, aponta, pelas análises preliminares e a opinião de especialistas, uma falha grave de gestão de risco. O acidente coloca sob suspeita essa e outras obras feitas às pressas, para cumprir a agenda das Olimpíadas. O marketing e a pressão do calendário não estariam se sobrepondo aos critérios de segurança? Além da morte de duas pessoas, até agora, a queda teve ampla repercussão internacional, agravando o desgaste da imagem do Rio de Janeiro e do País no exterior, num momento em que toda a mídia internacional está voltada para o processo de impeachment da presidente Dilma e para as Olimpíadas.

Foram gastos R$ 45 milhões na ciclovia e ela faz parte do conjunto de obras apregoadas como “legado das Olimpíadas” da cidade do Rio de Janeiro. A população do Rio há anos convive com o caos no trânsito e transtornos urbanos e em ruas e vias de acesso para se locomover. A cidade virou um canteiro de obras, cheia de placas que justificam-nas como necessárias para o grande evento que transformaria a cidade. Os cariocas têm sérias dúvidas sobre esse triunfalismo de araque. Alguns acreditam que passadas as Olimpíadas, o que não ficou pronto acabará interrompido, até porque o estado e o país enfrentam séria crise financeira.

A 100 dias da abertura dos jogos, a notícia do desabamento e das mortes, além de expor a fragilidade da gestão da cidade, acende uma luz amarela sobre outras obras conduzidas a toque de caixa para ficarem prontas até agosto.  

Falha de gestão de risco

ciclovia repercussao internacionalEspecialistas ouvidos por canais de TV e jornais não precisaram de muito tempo para afirmar que o projeto deveria ter previsto ressacas com intensidade o poder de destruição como a que ocorreu ontem (21). As fortes ondas que castigavam a ciclovia levantaram a estrutura como se fossem pedaços de papelão. Falhas estruturais na conexão da pista aos pilares também foram apontadas como possíveis causas do desabamento. Mas só laudos conclusivos irão revelar o que de fato aconteceu.

“Houve falhas no projeto, fiscalizado pela Geo Rio, órgão da prefeitura. O consórcio responsável não contou com a força do oceano ao planejar e implantar as estruturas que sustentam a ciclovia”, diz o jornal O Globo. Um consenso entre os engenheiros ouvidos pelo jornal é de que a falha ocorreu na fixação da pista aos pilares; ela foi arrancada e os pilares permaneceram. “A pista precisaria segurar no pilar para que não soltasse. Não poderia estar simplesmente apoiada”, disse Manoel Lapa, coordenador do Crea-RJ, ao jornal.

Para as famílias das vítimas, isso pouco importa. Quando o laudo for divulgado (a Prefeitura contratou especialistas para fazerem um diagnóstico em 30 dias), possivelmente daqui a vários meses, o acidente certamente irá escancarar uma grave falha de segurança. E abrirá um jogo de empurra de quem são os culpados. Assim como aconteceu no viaduto que desabou na Pampulha, em Belo Horizonte em 2014, que matou duas pessoas. Passados 1 ano e meio do acidente, as empresas e o MP ainda discutem o valor a ser ressarcido aos cofres públicos e ninguém foi julgado pela tragédia. Assim também com o tombamento do bondinho de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, em 2011, que matou cinco pessoas e feriu 27; e tantos outros que ocorrem todos os dias no país. No caso da ciclovia e do viaduto de BH, não foram estruturas antigas que desabaram, corroídas pelo tempo e sem conservação. Mas obras recém construídas ou em construção.

Não é preciso ser especialista para constatar que houve falha grave de avaliação do impacto que a estrutura poderia ter com as ondas. Como pode uma ciclovia à beira-mar ter sido inaugurada há três meses e não resistir a uma ressaca? Só pode ter havido uma grave falha de projeto ou de construção. Como pode a população e os atletas terem confiança de que as inúmeras obras feitas às pressas para a Copa e as Olimpíadas têm segurança para abrigar milhares de pessoas? A ironia de tudo isso é que atrás da ciclovia resiste sólido e inabalável, levando chicotadas das ressacas há quase 100 anos, um viaduto contruído em 1920, para a visita do rei Alberto I, da Bélgica, ao Rio de Janeiro.

Outra informação pelo menos suspeita que emerge desse acidente. A empreiteira Concremat, responsável pela construção da ciclovia, pertence à família do secretário de Turismo da cidade do Rio, Antônio Pedro Viegas Figueira de Mello. Não sabemos os detalhes da contratação, mas no mínimo levanta uma dose de suspeita que uma obra dessa importância tenha sido dada a uma empresa da família do secretário de Turismo. Essa ligação precisará ser muito bem explicada para que não fiquem dúvidas quanto à lisura da contratação e execução.

É bom lembrar do estádio do Engenhão, apregoado como um legado dos jogos Panamericanos. O estádio precisou ser interditado durante dois anos por causa de falhas na cobertura. Quem cobriu o prejuízo? A construtora ou o contribuinte?

        "Espera-se que, uma vez definidas as responsabilidades, elas venham a ser punidas com o empenho que faltou à Justiça no caso do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria". (Dorrit Harazim, jornalista).

São recorrentes os exemplos pelo país de obras construídas para a Copa do Mundo ou outros eventos e que pouco tempo depois precisam ser recuperadas por defeito de construção ou por erros cometidos na execução dos projetos. Se houve falha de projeto, houve também falha na fiscalização. Qual a garantia que pode ser dada aos ciclistas do Rio quanto à segurança do restante da obra? O acidente irá provocar na população uma insegurança ou desconfiança de que as obras são feitas às pressas, com foco mais no marketing ou no calendário das Olimpíadas do que na segurança. Isso acaba provocando um desgaste de imagem e uma permanente preocupação quanto à segurança das instalações.

A prefeitura do Rio e o governo do estado precisam rapidamente tentar consertar o estrago de imagem decorrente do desabamento, com garantias de que estão atentos a outras obras atrasadas para a abertura dos jogos. Se os turistas já estavam reticentes em vir para  o país, bombardeados por notícias de assalto, do vírus zika e dos preços altos cobrados pela hospedagem no Rio de Janeiro, agora eles têm um motivo a mais de preocupação.

No sábado, dia 23, a Folha de S. Paulo trouxe uma nova informação: a "ciclovia tinha rachaduras seis meses antes da inauguração", segundo teria constatado o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro. O TCM constatou rachaduras e depressões no piso da ciclovia da Niemeyer e advertiu a Prefeitura. Os defeitos apareceram num trecho de pelo menos 30 metros. O relatório produzido pelo TCM diz que havia depressões, trincas e falhas de acabamento num dos pontos da ciclovia, próxima ao mirante do Leblon.

Outro erro no processo de comunicação da Prefeitura do Rio. Colocar como porta-voz dessa crise um secretário (secretário executivo de governo, Pedro Paulo Carvalho) acusado de ter cometido violência contra a ex-mulher, pelo que está sendo processado. Ele é mantido como o candidato "in pectore" do prefeito do Rio, Eduardo Paes, na próxima eleição; mas numa crise em que a reputação do governo está posta à prova, com mortes e extrema dificuldade de explicação, constitui uma temeridade e uma afronta às mulheres manter como porta-voz dessa tragédia quem responde por graves acusações. Seria bom deixar bem claro que o coordenador de crise da Prefeitura, pelo menos neste caso, é o secretário acusado. Preferimos não especular, porque seria muito vil e desumano, o prefeito ter-se utilizado de uma tragédia para colocar o pseudocandidato na mídia num momento de grande exposição. Mas, em se tratando de políticos, tudo é possível.

Nota da Prefeitura do Rio de Janeiro

"O prefeito Eduardo Paes lamenta profundamente o acidente na Ciclovia da Niemeyer e se solidariza com as famílias das vítimas e com todos os cariocas neste momento. O prefeito estava em deslocamento para a Grécia - onde participaria, em Atenas, da cerimônia de passagem da tocha olímpica - e já está voltando para o Brasil. Paes atenderá a imprensa amanhã, assim que chegar ao Brasil, o que não tem horário previsto.

- É imperdoável o que aconteceu, já determinei a apuração imediata dos fatos e estou voltando para o Brasil para acompanhar de perto - disse o prefeito, que saiu ontem à noite do Rio.

A Prefeitura do Rio esclarece que a prioridade neste momento é garantir a segurança da população e o atendimento às vítimas e aos seus familiares. Técnicos do município estão desde cedo no local, trabalhando com coordenação da Secretaria Municipal de Obras. O resultado da vistoria realizada pela Fundação Geo-Rio para apurar as causas do acidente será divulgado assim que concluído. Os reparos serão executados pela empresa responsável pela construção, sem ônus adicionais ao município, já que a ciclovia ainda está na garantia de obra. A Avenida Niemeyer permanece interditada ao tráfego e o Corpo de Bombeiros continua as buscas no local."

Nota do Grupo construtor

COMUNICADO – CICLOVIA TIM MAIA

O Consórcio Contemat/Concrejato lamenta profundamente o acidente ocorrido na Ciclovia Tim Maia, em 21 de abril, e se solidariza com as famílias das vítimas, para quem tem oferecido apoio neste momento. Reforça que está empenhado na apuração das causas do acidente, juntamente com as autoridades públicas.

Em relação ao que vem sendo veiculado na mídia e em defesa da transparência, o Consórcio esclarece os seguintes pontos:

•   O Consórcio venceu licitação pública para a construção da ciclovia, em processo acompanhado pelos órgãos de controle. O objeto do contrato foi desenvolver o projeto executivo, a partir do projeto básico fornecido pela contratante, e realizar as obras da ciclovia.

•   O Consórcio executou integralmente todos os requisitos técnicos previstos no edital de licitação e projeto básico fornecido pela contratante. Vale ressaltar que obras de engenharia desta complexidade são orientadas por um projeto básico, desenvolvido a partir de estudos técnicos de viabilidade.

•   A fiscalização das obras foi exercida pela contratante, na forma do contrato, não tendo sido apontada qualquer irregularidade na metodologia de execução dos serviços, nem tampouco de segurança.

•   Em relação aos comentários sobre a qualidade da obra, o Consórcio esclarece que os materiais empregados e a qualidade da construção seguiram todos os padrões técnicos previstos nas normas brasileiras.

•   Uma investigação interna, com a participação de consultores independentes, está em curso a fim de avaliar se alguma atividade sob a responsabilidade do Consórcio contribuiu para o acidente.

•    A Concrejato e a Contemat – com seu histórico de mais de 30 anos de atuação no mercado e centenas de obras entregues com êxito –, em respeito às vítimas e suas famílias, aos cariocas, e a seus colaboradores e clientes, reiteram seu integral compromisso com a apuração serena dos fatos e repudiam as conclusões apressadas suscitadas por pessoas sem nenhum contato com os dados técnicos da obra.

Foto: José Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo.

Ilustração: Página na Internet do jornal Daily Mail, de Londres, 21/04/16.

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