Ferry boat Norman AtlanticO incêndio ocorrido no fim de semana no Ferry Boat Norman Atlantic, na trajeto da cidade grega de Patras para o porto de Ancona, na Itália, pelo Mar Adriático, transformou a viagem num verdadeiro inferno.

Oficialmente, o navio transportava 478 pessoas, sendo 422 passageiros. Mas talvez nunca se saiba o número exato de passageiros, porque o Ferry transportava muitos imigrantes clandestinos, como se comprovou na hora do resgate. Números extraoficiais dão conta de que pelo menos 499 pessoas estavam no barco e até o momento foram registradas 13 mortes entre tripulação e passageiros.

A única certeza é que 427 pessoas, incluindo os 56 tripulantes, foram salvos das chamas durante uma operação de salvamento "sem precedentes", segundo as autoridades italianas. A maioria dos sobreviventes saíram ilesos do incêndio, mas sofreram de hipotermia e problemas respiratórios.

O fogo aconteceu na madrugada de domingo, na área reservada aos veículos, assolada por fortes ventos e ondas. Mais de 400 pessoas foram resgatadas durante o desastre no qual os passageiros lutavam por coletes salva-vidas e cestos de helicópteros, enquanto as chamas e a baixa temperatura, aliadas aos ventos e ao mar agitado, atrapalhavam o resgate.

Há temores crescentes de que muitos passageiros caíram no mar durante a evacuação do ferry ou ficaram presos no interior do navio e morreram queimados. Talvez nunca se saiba realmente quantos morreram.

"Todos estamos na ponte, estamos molhados, temos frio, tossimos por causa da fumaça, há mulheres, crianças e idosos", havia indicado com voz cansada Giorgos Styliaras, um dos passageiros interrogados por telefone pelos meios de comunicação gregos.

Mas entre os destroços do ferry incendiado "Norman Atlantic" provavelmente há mais vítimas, disse nesta terça-feira o procurador de Bari (sudeste italiano), Giuseppe Volpe, responsável pela investigação do acidente.

A presença de clandestinos a bordo passou a ser dada como certa, três deles já identificados. Até o dia 31 de dezembro, constava que o  incêndio do ferry Norman Atlantic matou oficialmente 13 pessoas, mas não restam dúvidas de que o número de mortos é maior. Um dos problemas constatados com a empresa transportadora foi a falta de transparência na lista de passageiros, o que se suspeita pelo transporte irregular de passageiros.

A justiça italiana tenta agora esclarecer as circunstâncias da tragédia e apontar os responsáveis. Alguns passageiros já denunciaram a falta de preparo dos tripulantes e o verdadeiro caos em que se transformou a operação de resgate após o incêndio.

Nenhum alerta feito

Norman-Atlantic-survivors-010"Foi o caos lá dentro, porque éramos mais de 400 pessoas que tinham que sair por uma única saída de emergência", contou, emocionada, a jovem grega Urania Thiréou. Outros, como a cantora grega Dimitra Theodossiou, denunciaram na imprensa a brutalidade de alguns passageiros, decididos a ser os primeiros a embarcar.

"Eles passaram à frente, empurrando as mulheres para pegarem os primeiros helicópteros", afirmou Theodossiou, ressaltando a falta de comando por parte da tripulação.

A investigação aponta o comandante, considerado pelos meios de comunicação nacionais um herói, e o chefe-executivo da embarcação, como responsáveis pelo "naufrágio" e  por "homicídios culposos".

Nick Channing-Williams, 37 anos, passageiro britânico, que sobreviveu ao acidente, disse ao jornal The Times que nenhum alarme foi acionado; ele ficou sabendo do incêndio ao sentir a fumaça; e acusa a tripulação de fugir do navio antes dos passageiros, demonstrando despreparo para a situação. Ele passou 30 horas no navio, respirando fumaça, até ser resgatado. E, declarou que muitos tripulantes fugiram do navio nos primeiros botes salva-vidas que foram acionados.

“Havia muitas mulheres e crianças deixadas no barco. Por que não foram eles os primeiros nos bote salva-vidas? Era um caos. Havia poucas pessoas com a cabeça no lugar para dar ordem naquele momento.“

O passageiro britânico disse que as cordas que amarravam os barcos salva-vidas não estavam em boas condições e por várias vezes elas se rompiam. Ele tentou três vezes ser resgatado, sem sucesso. E foi nessa operação improvisada que dois membros da equipe de socorro caíram ao mar e desapareceram.

"Então, você sabe, o lado feio da natureza humana  realmente se manifestou. E não havia sentido algum. Acabamos de nos mudar para longe da fumaça e das chamas e logo percebemos que os barcos de segurança, os botes salva-vidas, não estavam vindo para nos salvar. "Por várias horas, nem sequer vimos alguém da tripulação, nós não sabíamos se eles estavam mesmo lá. Claramente, não houve precauções de segurança."

Desespero dos passageiros na hora de fugir foi confirmado por Christian Wiersdorf, um membro da equipe de resgate. "Eles me ofereciam todos os tipos de coisas, até mesmo ouro, a fim de estar entre as primeiras pessoas a pular fora do navio".

Dimitra Theodossiou, uma soprano grega que estava à bordo, disse: "Eles me derrubaram no chão, me puxaram pelos cabelos, me empurraram, mas eu me levantei, lutei e consegui me segurar no guincho do helicóptero."

Ela também declarou que foi acordada pela fumaça, acrescentando acusações à tripulação do navio: "Não havia ninguém. Eles  podem ter sido os últimos a sair do ferry, mas nós não víamos nem ouvíamos o capitão, nem mesmo uma chamada com um megafone."

Anek Lines, a empresa grega que fretou o Ferry Boat, declarou que não há evidências de que a tripulação abandonou o barco e que é cedo para atribuir responsabilidades.  

Análise do caso à luz da gestão de crises

Ferry sobreviventesAs primeiras informações e a narração até agora da caótica operação de resgate do Ferry Norman Atlantic demonstra como as empresas de modo geral, e principalmente as de navegação, estão despreparadas para situações de crises graves.

Em dois anos, este é o terceiro caso de erros graves, com consequências trágicas, durante um naufrágio com grande número de passageiros. Sem falar nas crises recorrentes dos cruzeiros marítimos com contaminação alimentar, incêndios de pequena monta, atrasos ou superlotação em navios que trafegam por grandes rios ou em transporte marítimo de passageiros.

Incêndio, naufrágio, falta de água, excesso de peso, choque com outras embarcações ou pedras, contaminação alimentar de passageiros ou crimes à bordo são todas situações de crise que deveriam estar no manual das empresas de navegação. É incrível como as tragédias se sucedem e os erros continuam.

Uma das mais graves tragédias ocorridas em 2014 foi justamente a que envolveu um navio de passageiros. Em abril, o Ferry Boat “Sewol” naufragou na Coreia do Sul com 476 passageiros, sendo 352 crianças e adolescentes. Era uma viagem de férias, de Seul para a ilha turística de Jeju, ao sul. O despreparo da tripulação para conduzir a operação de resgate foi responsável pela maioria das mais de 300 mortes, sendo 252 estudantes, a maior tragédia naval da Coreia do Sul.

Somente 172 passageiros foram resgatados com vida. O professor responsável, quando viu a quantidade de mortes causadas pela imperícia da tripulação, se suicidou numa árvore, próxima ao local do naufrágio. O Ferry Boat coreano navegou 139 vezes em um ano com excesso de peso, conforme apurado no inquérito; o comandante abandonou o navio antes do resgate dos estudantes e a maioria deles morreu por falta de orientação correta da tripulação quanto aos procedimentos de sobrevivência, conforme comprovado em inúmeras mensagens por celulares enviadas de dentro das cabines.
 
Promotores públicos revelaram que o Ferry “Sewol” transportava o dobro da carga permitida e passara por uma reforma para gerar mais lucros para a empresa, o que deixou o barco pesado demais. Daí o naufrágio. O Ferry foi considerada apto para a navegação por funcionários públicos corruptos. A presidente da Coreia do Sul assumiu a culpa pela tragédia e extinguiu a Guarda Costeira, após o naufrágio, por ter falhado na fiscalização.

Na tragédia deste domingo, no Mar Adriático, erros semelhantes ocorreram. Os passageiros são unânimes em dizer que a tripulação não tinha qualquer preparo para situações de emergência. O comandante, pelo menos, foi o último a sair do barco em chamas. As mortes ocorreram na caótica operação de resgate.

Nessa viagem, mais uma vez havia problemas sérios de gestão e até fraudes. O Ferry transportava passageiros clandestinos no porão do navio, onde se colocam carros, e especula-se que o fogo tenha começado exatamente lá no porão, provocado por tentativas de aquecimento dos passageiros numa noite muito fria e de tempestade. A operação de resgate foi demorada, levando mais de 24 horas e os passageiros não encontraram membros da tripulação para serem orientados.

Ninguém sabe quantos passageiros havia no navio. Sempre, nessas tragédias, sobressai a ganância dos proprietários. Querem ter mais lucro e não tomam precauções de segurança. A vida das pessoas sempre está em segundo lugar para esses empresários. Tanto no caso da Coreia do Sul, quanto no do navio de cruzeiro Costa Concordia, em 2012, que naufragou nas costas da Itália, como neste caso, erros humanos e desrespeito pelos passageiros, aliados à busca fácil pelo lucro, causaram as tragédias.

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