walmart indiaEm menos de um mês, a tese de que a maioria das crises provém de falhas de gestão teve muitos motivos para se confirmar. Uma olhada nas notícias mais recentes, envolvendo governos ou grandes empresas multinacionais, tanto aqui, quanto no exterior, parecem reafirmar esse princípio.

Da CIA à BBC, passando por bancos internacionais, Walmart e HP, seja no governo federal ou no de S.Paulo. Todos enfrentam crises graves que, ao fim e ao cabo, nasceram de tomadas de decisões equivocadas; falta de transparência com atos ilícitos; manipulação de informações e também muita incompetência.  

Nos últimos dez anos, a média de crises ligadas à gestão das empresas, é de 52%, segundo o Institute for Crisis Management, dos Estados Unidos. São casos que vão dos crimes de colarinho branco a erros ou decisões equivocadas dos gestores. Se considerarmos a média de 18% das crises envolvendo empregados e outros segmentos da mão de obra, mais de 80% das crises têm origem dentro das organizações.

A escorregada do general

Nos EUA, o imbróglio da CIA, envolvendo o todo poderoso e coroado General David Petraeus, Diretor da Agência, mostra a reputação pessoal arranhada por problemas pessoais. Um namoro fora do casamento, com manchetes globais, investigação, pressões da oposição e o olho crítico do FBI.

Embora diga respeito às relações pessoais do diretor, o escândalo da CIA tem conotações políticas e de segurança nacional.  Não é um problema restrito aos generais envolvidos. Descoberto o affair do poderoso diretor da CIA, ele mesmo se entregou. Renunciou, porque seria crucificado se continuasse. Pulos de cerca (pelo menos os que vêm a público) não são admitidos na poderosa organização, pelo risco de vazamentos de segredos.  

Sempre que se fala na mistura de lençóis e segurança nacional, vem à memória o famoso caso Profumo, no Reino Unido, em plena Guerra Fria, em 1963, quando o ministro de Defesa britânico, John Profumo, se envolveu com uma bailarina de cabaret, que também tinha um caso com um diplomata russo. Um ingrediente super apimentado para o cenário apocalíptico da época. Daí para a frente, escândalos sexuais políticos vivem derrubando cabeças coroadas.

jill kelleyQuem descobriu o affair do Diretor da CIA foi um araponga do FBI, investigando ameaças a uma pretendente às atenções amorosas  ou profissionais de Petraeus, a socialite Jill Kelley. A vistosa Jill era presença assídua em festas de militares na Flórida. O escândalo virou prato feito da mídia dos EUA e envolveu mais um general, John R. Allen, ex-comandante da NATO no Afeganistão, que também caiu nas redes da socialite. 15 investigadores do FBI, trabalhando sete dias por semana no Pentagono, se debruçam sobre 70 emails trocados entre o general e a famosa socialite.

Os investigadores classificam os emails de “comunicação potencialmente inadequada”. Os americanos já se questionam até que ponto o condecorado diretor da CIA deveria se afastar do cargo, se não consta, até agora, que o adultério tenha colocado em risco a segurança nacional. Mas no mundo de fofocas de Washington interessa mais do que o puritanismo americano, saber até onde o escândalo desgasta os democratas. Já se especulou se Obama sabia, antes da eleição, de todo esse imbróglio, e segurou a crise para não interferir no resultado do pleito. De qualquer forma, uma novela de espionagem ainda longe de acabar.

BBC: a mancha da pedofilia

Na Grã-Bretanha, a BBC está envolvida até o pescoço em mais um escândalo da mídia britânica. Pensou-se que nada seria pior do que o escândalo dos grampos da News Corporation, que levou ao fechamento do jornal News of the World, de 168 anos, em 2011.

A BBC é acusada de abrigar, durante vários anos, sob o manto da impunidade, um popular apresentador, morto em 2008. O ex-show-man Jimmy Savile, um dos mais famosos astros de TV na Grã-Bretanha, comandava programas infantis na BBC. Era estrela nos anos 70 e 80. Neste ano, vieram à tona acusações graves contra o apresentador, por abusos sexuais praticados, durante anos, contra crianças, adolescentes e mulheres. Um pedófilo da pior espécie, segundo se sabe agora pelas investigações.

A BBC, ícone da comunicação do Reino Unido, consagrada pelos furos e atuação durante a II Guerra Mundial, além de estar sob suspeita de acobertar o apresentador, ainda é acusada de driblar a programação. Não levou ao ar, há dois meses, programa que abordava o assunto. Difícil entender como a direção de uma emissora do porte e do nome da BBC conseguiu ser enganada pelos crimes de Savile. Especula-se que quem sabia, preferiu ficar calado. A polícia está se preparando para prender pessoas que trabalharam com Savile e possivelmente foram coniventes.

Toda a cúpula da emissora caiu. As cobranças vão das inúmeras famílias, vítimas do escândalo, que irão processar a emissora, aos contribuintes e até ao Primeiro-Ministro.  A BBC também abriu três inquéritos e agora quer tudo esclarecido, após pressão popular e política. Como se sabe, a organização é mantida com recursos públicos.

O rombo da HP

Na área corporativa, não bastassem os processos contra bancos internacionais, por irregularidades no mercado, manipulação de taxas e investimentos fajutos, a multinacional HP enfrenta mais uma crise grave. Em 2011, a empresa comprou o grupo britânico de software Autonomy, acusado agora pela CEO da HP, Meg Whitman, de ter manipulado ou escondido números, sem que a compradora soubesse.   

Ao fechar o balanço, a HP anunciou uma baixa contábil de US$ 8,8 bilhões sobre o valor contabilizado da Autonomy, o que certamente afetará negativamente os resultados. O mercado reagiu imediatamente, derrubando as ações da companhia. Analistas não engoliram esse acerto contábil e atribuem o problema à aposta equivocada da HP. A diretoria é questionada pelo mercado.

Esse episódio mostra  escancara vários problemas de gestão. Uma multinacional do porte da HP compra uma empresa de software por US$ 11.1 bilhões e é surpreendida, menos de um ano depois, por números manipulados? E as auditorias? Várias empresas fizeram o chamado  due dilligence (auditoria contábil rigorosa) na empresa. E não descobriram a manipulação? Qualquer semelhança com o negócio da Caixa Econômica Federal e o Banco Panamericano, aqui no Brasil, não é mera coincidência.

Os britânicos, analistas de mercado e o próprio fundador da Autonomy, Mike Lynch, culpam a HP pelo imbróglio. Dizem que a empresa, além de destruir o negócio da Autonomy, com erros que levaram a perdas monumentais, é lenta para reagir ao mercado. De acordo do Lynch, o rombo é produto mais das falhas da diretoria da HP do que de políticas contábeis da Autonomy.

 “A sufocante burocracia da HP propiciou o êxodo do staff mais talentoso da Autonomy”, admitiu Lynch ao Sunday Times, de Londres, neste domingo.  Para os analistas, “eles perderam a credibilidade dos acionistas”. Um disse me disse que não resolve o rombo da HP, mas tem potencial para se transformar numa grande crise para a empresa, há anos enfrentando problemas sérios de governança. Em uma das crises, ocorrida há cinco anos, a presidente da empresa, à época, mandou grampear a comunicação da própria diretoria, para descobrir quem vazava informações sigilosas da empresa. Tudo isso desgastou a imagem da companhia no mercado.

Walmart: o lucro acima de tudo  

Problemas de gestão aparecem por todo lado. Na Índia, o Walmart afasta executivos do alto escalão e adia abertura de lojas no país por causa de uma investigação interna sobre suborno. Não é a primeira vez que a empresa se enrola com executivos envolvidos em suborno, fato que também aconteceu na subsidiária mexicana. Crimes de colarinho branco estão no topo das crises de gestão, na estatística do Institute for Crisis Management.

Mas a crise de imagem do Walmart esquentou literalmente após um incêndio numa fábrica de roupas, em Bangladesh, ocorrido dia 24/11, que deixou 112 mortos e centenas de feridos, muitos em estado grave. Sempre que acontece uma tragédia em Bangladesh, na Índia, Taiwan ou China há grande probabilidade de uma multinacional estar por trás. Condições de trabalho subhumanas, quase escravas, instalações precárias, pagamento vil, mão de obra infantil e os pobres operários, muitos crianças, acabam vítimas da ganância. Tão logo as notícias do incêndio circularam e os parentes começaram a protestar, apareceu a multinacional Walmart por trás da fábrica de roupas.

A multinacional do varejo reconheceu ser a contratante dos trabalhos dos operários, mas apressou-se em anunciar o rompimento do contrato pela falta de cumprimento de determinadas cláusulas.  A Nota lacônica e evasiva do Walmart diz um pouco sobre como as grandes empresas se esquivam das crises: “Hoje, nós terminamos o relacionamento com o fornecedor (de Bangladesh). O fato ocorrido é extremamente preocupante para nós, e continuaremos a trabalhar junto aos fabricantes industriais para melhorarem o treinamento e as medidas de prevenção contra incêndio em Bangladesh.”

Não é a primeira crise da espécie no Walmart. Um dia antes desta tragédia, havia 100 cidades nos EUA com greves e manifestações contra a rotina de trabalho imposta na Black Friday, o que só contribui para arranhar ainda mais a reputação da multinacional. O Walmart, no caso do incêndio, procura lavar as mãos e culpar os fornecedores. Mas responsabilidade social implica fiscalizar em que condições materiais e humanas os produtos são fabricados. No caso do Walmart, há um histórico negativo nesse sentido.

A crise de gestão do Walmart é mais grave, porque, no Relatório de Responsabilidade Global, a empresa informou ter parado de trabalhar com fábricas da Índia devido a problemas com segurança contra incêndios. A mídia demorou a fazer conexão com esse incêndio e a gigante do varejo. Mas o que fica claro, mais uma vez, é que o Walmart falhou em proteger os trabalhadores da fábrica envolvida no incêndio, uma vez que os proprietários e a multinacional querem ter o menor custo operacional possível, o que significa condições inseguras e precárias fornecidas aos pobres empregados, segundo registra Karen Freberg, especialista em mídia digital e reputação, nos EUA.

Em resumo, os exemplos acima mostram como nem a fechada CIA, a mídia, muito menos poderosas multinacionais, escapam de crises graves envolvendo administradores. Em alguma momento, uma autoridade, um executivo ou a diretoria dessas empresas decidem tomar um caminho, uma decisão, como aconteceu com a HP, que irão repercutir negativamente na imprensa.

Mas algumas perguntas precisam ser feitas: como ocorreu a negociação para abertura da loja do Walmart na Índia, que redundou em suborno? No caso de Bangladesh, eles desconheciam realmente as péssimas condições oferecidas pelos fabricantes de roupa? Ou fecharam os olhos como aconteceu em outras ocasiões? E a BBC, que conviveu com um pedófilo dentro dos estúdios, e finge, agora, desconhecer o passado? Quem é o culpado dessas crises?

Foto: Moradora de Bangladesh mostra confecção com a marca do Walmart.

Em artigo posterior analisaremos a crise da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, e seus desdobramentos; bem como a crise da segurança em S.Paulo.

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