vazamento_bom_umParece a maldição do petróleo. Grandes empresas petrolíferas, envolvidas em acidentes, com vazamentos prejudiciais à natureza, acabam se atrapalhando para explicar e resolver a crise. Não é diferente com a Chevron, a gigante norte-americana que faz prospecção de petróleo nas costas brasileiras.

Uma série de erros, tanto operacionais, quanto de comunicação, arranham a imagem e colocam em risco a reputação dessas poderosas multinacionais. A ampla cobertura da imprensa e a repercussão internacional, entretanto, parece não incomodá-las.

Assim aconteceu com a British Petroleum, no Golfo do México, ano passado, naquele que é considerado o maior acidente ecológico dos Estados Unidos e um dos maiores do mundo envolvendo contaminação da flora e da fauna. Passado o período de tiroteio, a não ser pelos prejuízos financeiros decorrentes de multas, fundos de compensação, indenizações e trabalhos de limpeza, dão a volta por cima e continuam seu trabalho como se nada tivesse acontecido. Elas são muito grandes para o tamanho da crise.

Não vai ser diferente com a Chevron. Para a poderosa empresa americana o acidente (classificado como incidente por alguns interlocutores) acontecido durante a perfuração, na Bacia de Campos, faz parte do risco inerente à natureza do trabalho de quem opera em grandes profundidades com um produto perigoso. Não importa aqui a dimensão do vazamento. Quem vai sofrer é a natureza, sempre levando a pior nesse eterno conflito entre desenvolvimento e sustentabilidade. Quase sempre o último sai perdendo.

“Não temos traquejo para falar em público e, reconheço, não estávamos suficientemente preparados para lidar com tamanha repercussão”.

                                                           (Robert Dudley, CEO da BP)

Uma crise mal administrada

Nas crises, as empresas com um plano efetivo de prevenção e uma liderança decisiva fazem a diferença. Existem aquelas que encaram a crise de frente e cumprem os princípios básicos de gestão: rapidez na resposta, tanto do ponto de vista operacional, quanto de comunicação; transparência, com um compromisso de falar a verdade; respeito aos stakeholders e ao público prejudicado pela crise. Mensagens claras para a população atingida, porque as crises dessa magnitude não são eventos que dizem respeito unicamente à empresa. Eles interferem na vida de toda a sociedade.

Embora a crise da Chevron não seja um acidente de grandes proporções, se comparado a outros vazamentos de petróleo ocorridos nos últimos 30 anos, a empresa se atrapalhou. Teve a sorte de a mancha não atingir praias, como aconteceu com a BP, no Golfo do México. Isso daria uma dimensão operacional e midiática muito maior ao acidente.

Mesmo assim, houve uma sucessão de equívocos, tanto da parte da empresa quanto dos órgãos oficiais envolvidos. A burocracia dos governos também não está preparada para enfrentar crises desse tipo. O governo americano de início foi criticado pela forma como conduziu a crise da BP. E agora, com o governo brasileiro. Se não, vejamos:

  • A Chevron demorou a identificar o problema, com falhas primárias de prevenção de crises e na execução do plano de contingência.
  • Falhas de comunicação. A empresa não foi transparente como crises dessa magnitude exigem. O primeiro pronunciamento do presidente da Chevron Brasil foi feito em 18/11, ou seja, nove dias após a descoberta do vazamento. Como a mancha não chegou à costa, o acidente fugiu ao escrutínio da população ribeirinha e da mídia. Com isso, foi possível minimizar o impacto na opinião pública. Mas não justifica lentidão e falta de informação, como aconteceu. O petróleo no mar foi detectado por técnicos da Petrobras e não pela empresa.  
  • Segundo especialistas, há um erro técnico que deve ser avaliado pelos peritos. “Mas também ocorreu um crime indiscutível de omissão de informações – com a indulgência da nossa mídia – , crime que é imperdoável, porque evidencia má-fé”.
  • Especialistas dizem que o fato de a Chevron utilizar apenas uma sonda, a SEDCO 706, para trabalhar nos três poços da empresa, em fase de perfuração, é tido no setor de petróleo como uma forma de economizar gastos. A sonda realizaria os trabalhos simultaneamente. A sonda é considerada obsoleta pelo setor, pois foi construída em 1976, segundo o jornal O Estado de S.Paulo.
  • A empresa pode ter dispensado testes de segurança de perfurações, como o de certificação da resistência do cimento (lama) injetado para revestir o poço. Ela explicou que essa foi a origem do vazamento.
  • Falta de transparência com a real dimensão do acidente. Enquanto a Chevron estimava uma mancha de 1,8 km2, a ANP dimensionava em 12 km2. A ONG SkyTruth calculou o derrame diário em 3.700 barris, 23 vezes mais do que o apontado oficialmente. Ou seja, nem a opinião pública, nem as autoridades brasileiras sabem até agora o volume de petróleo vazado. Até segunda-feira (21/11), a Chevron estimou o vazamento em 2,4 mil barris (381,6 mil litros).
  • “Esse acidente evidencia que os planos de emergência apresentados pelas empresas ao Ibama, na hora de pedir a licença, são apenas uma formalidade. A Chevron mostra claramente que não consegue cumprir o próprio plano de contingência”. (Leandra Gonçalves, bióloga e coordenadora da área de energia do Greenpeace). O robô da empresa tinha capacidade limitada de atuação a uma profundidade de 1.200 m, impossibilitando monitorar vazamentos com rapidez. Teve que pedir equipamento emprestado à Petrobras.
  • Excesso de porta-vozes no âmbito do governo brasileiro. Ministérios das Minas e Energia e do Meio Ambiente, Polícia Federal, Agência Nacional do Petróleo, Governador e Secretário do Meio Ambiente do RJ, além da própria presidente da República, foram fontes que se alternaram em declarações à imprensa pouco convergentes e esclarecedoras. As declarações pareciam mais palpites do que afirmações realmente técnicas. Sem falar na avalanche de especialistas em energia e professores, inundando a mídia com entrevistas.
  • “A Chevron assumiu um risco enorme”, disse um executivo ao jornal Valor Econômico. “O revestimento provavelmente deveria ir até mais embaixo”. Para a diretora da ANP, Magda Chambriard, “a empresa atuou em completa violação ao contrato de concessão e à legislação brasileira”.
  • O presidente da Chevron no Brasil estava bastante nervoso na coletiva de 21 de novembro. Por duas vezes ameaçou se retirar da sala. Em momentos de crises graves, é verdade, a mídia se transforma em investigador, promotor e juiz. Mas um bom Media Training deveria ter alertado o executivo sobre os riscos de uma coletiva, nessa situação. Como ele concordou em atender a imprensa, alternativa de que ele não poderia fugir mais cedo ou mais tarde, não há como evitar o enfrentamento. Nada que um bom preparo de mídia não resolva.
  • O presidente da Chevron admitiu dois erros de cálculo na perfuração que resultou no vazamento no Campo do Frade. A empresa subestimou a pressão do reservatório, que era mais alta do que o previsto. E superestimou a resistência da rocha, que se rompeu, criando as fissuras por onde o óleo vazou, a 1,8 km de distância do poço, já na área do Roncador, da Petrobras. O executivo ainda não tinha respostas para uma série de problemas técnicos, que explicariam o vazamento.
  • A empresa está sob duas suspeitas graves que poderão lhe custar a licença para operar no Brasil. Ela teria perfurado além do limite permitido. Especialistas da ANP suspeitam que o emprego de uma sonda com capacidade para perfurar 7.600 m, quando o petróleo em Frade aparece a menos da metade dessa profundidade, indicaria que o plano de prospecção da companhia poderia estar sendo burlado.
  • Segundo declarações do Delegado da PF, Fábio Scliar, a Chevron utilizaria empregados sem entrada legalizada no Brasil. Isso bastaria para caçar sua licença de operação, sem prejuízo de penalizações pecuniárias. Outra suspeita, desmentida pela empresa, foi de que teria usado jatos de areia para afundar o petróleo da superfície da água, ação condenada pelos ambientalistas. 
  • O secretário do Meio Ambiente do Rio, Carlos Minc, o Delegado da PF e fontes da ANP passaram a semana dando declarações à imprensa desconectadas de um plano nacional de resposta à crise, por parte do governo. A proliferação de entrevistas, com informações em excesso e algumas vezes divergentes, evidenciou falta de liderança na administração dessa crise por parte das autoridades brasileiras. Os manuais de crise recomendam, nesses casos, evitar especulações e informações não confirmadas. As declarações devem se concentrar num único porta-voz. O ministro das Minas e Energia pareceu mais uma figura decorativa nessa crise. Somente dia 21 (duas semanas depois), noticia-se que a presidente Dilma assumiu a “liderança do processo”. 
  • O secretário do Meio Ambiente do RJ, que não refuga oportunidade para aparecer na mídia, chegou a declarar que a Transocean - empresa também responsável pela plataforma que explodiu no Golfo do México em 2010, num poço da BP - contratada pela Chevron para perfurar o poço no Campo de Frade, não poderá mais operar no Rio. Ninguém oficializou essa informação e pareceu mais uma licença retórica do que uma decisão oficial das autoridades. Ou seja, foram duas semanas de uma crise administrada por espasmos.
  • O Plano Nacional de Contingência para definir uma forma de atuação no caso de grandes vazamentos de petróleo e gás natural ainda não foi concluído pelo governo. Quando houve o vazamento da BP, em 2010, todo mundo ficou alarmado. Como sempre acontece, correram todos, governo, Congresso, ambientalistas e especialistas para anunciar o Apocalipse. Até porque o tema pré-sal era a pauta do momento. Passado o efeito midiático do vazamento da BP, todo mundo correu para outro lado, talvez embevecidos pela eleição, e esquece o que deve fazer. Dentro do próprio governo admite-se que o plano foi menosprezado, quando o noticiário sobre o Golfo do México esfriou.

Cronograma de duas semanas de desencontros

  • 7/11 – A Chevron identificou um problema durante perfuração em poço no Campo de Frade, a 120 km da costa do RJ e a 1.200 m de profundidade costa de Campos-RJ. E avisou ANP, mas não sabia, ainda, que ocorrera vazamento. O vazamento começou por fissuras no solo.
  • 08/11 – Técnicos da Petrobrás, que trabalham numa plataforma a 4,6 km de distância, avistaram mancha de óleo e avisaram a empresa e o Ibama;
  • 09/11 – A Chevron identificou o vazamento, proveniente de lama usada para conter a pressão do óleo. Ela não conseguiu manter o combustível no reservatório. Avisa a ANP e o Ibama.
  • 10/11 – A perfuração é suspensa no Campo de Frade.
  • 12/11 - A Chevron pede à ANP aprovação de plano para abandonar o poço, iniciando um processo para selá-lo.
  • 13/11 – A empresa tenta estancar a fenda por meio de maior quantidade de lama para conter o vazamento. A ANP se pronunciou, afirmando que a empresa iria compartilhar informações com a autoridade reguladora. O público até esse momento não havia sido informado.
  • 16/11 – O poço começa a ser cimentado. Concluída a primeira fase, ainda faltam cinco ao todo.
  • 17/11 – Entrevista do Delegado da Polícia Federal, Fábio Scliar. Informação de que as embarcações que trabalham no vazamento não correspondem ao número informado pela empresa; indícios de trabalhadores ilegais, na plataforma. Em Nota, a empresa afirma que a fuga do óleo está reduzida a “um gotejamento ocasional” e que está providenciando a cimentação do poço para conter a mancha.
  • 18/11 – Primeira entrevista do presidente da empresa no Brasil, George Buck. Até então “Não era possível quantificar.” Ele se esforçou para explicar pela primeira vez a origem do problema e as providências tomadas. Ele disse que o vazamento era residual. Especula-se que o vazamento poderia ser bem maior do que vem dizendo a empresa americana. A estimativa da empresa é um vazamento de 650 barris. A ANP diz que são 3,7 mil.
  • 19/11 – ANP diz que o vazamento ainda não cessou. O óleo continua vazando pelas fissuras.
  • 21/11 – Entrevista coletiva do presidente da empresa. Ele diz que a “prioridade é conter o vazamento” e que a empresa está agindo dentro do que prevê a legislação brasileira e as normas do Ibama. A justificativa vem para negar a denúncia de que tivesse sido usada a técnica de jateamento de areia para limpar a área do vazamento de óleo. Essa técnica é condenada por manter o petróleo no mar, o que prejudicaria o ecossistema por muito tempo.
  • Técnicos da Marinha, do Ibama e da ANP (Agência Nacional do Petróleo) continuam avaliando o tamanho da mancha.
  • Em nova entrevista, o presidente da Chevron diz que vai analisar as multas aplicadas para ver como a empresa se pronuncia. Diz também que as informações da empresa e de outras fontes sobre o volume de petróleo vazado são divergentes. Por isso, vai esperar dados mais concretos para confirmar. O vazamento tem repercussão no exterior.
  • O Ibama anuncia multa de R$ 50 milhões à empresa, o máximo permitido no Brasil para crimes dessa natureza. A ANP abriu processo administrativo para aplicar mais duas multas à empresa, valores que podem chegar a R$ 100 milhões. Especula-se que a petroleira americana possa ser punida em até R$ 260 milhões pelo vazamento, porque o estado do Rio de Janeiro também pediria R$ 100 milhões como compensação pelos danos ambientais.
  • Em Nota, a Chevron informou ter recebido as autuações dadas pelo Ibama e ANP e que irá estudar o assunto para decidir quais medidas tomar.
  • 22/11 – A mancha estaria se dissipando. A ANP sinaliza que a Chevron poderá ser impedida de explorar a camada pré-sal. A Secretaria do Meio Ambiente do RJ e a ANP alertam que os efeitos do vazamento poderão chegar às praias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e de S.Paulo, em duas semanas.

Como se vê, pela forma atabalhoada com que Chevron e as autoridades vêm conduzindo essa crise, pela desconformidade das informações, muitas delas com viés apenas especulativo e midiático, ela está longe de acabar. (JJF). 

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