palocciPalocci não caiu na terça-feira, nem começou a cair quando da publicação da reportagem da Folha de S. Paulo sobre seus milionários ganhos nos últimos anos, principalmente durante a campanha eleitoral. O derretimento de Palocci começou em 2006, quando aceitou, sem cuidadosa checagem, a acusação de que o caseiro, Francenildo da Costa, havia recebido dinheiro suspeito. Meio trincado, o telhado de vidro de Palocci agora foi alvo fácil para receber outros petardos.

A história de Francenildo é emblemática de como o poder tripudia os humildes. Quem primeiro fez chegar a Palocci a suspeita do caseiro é um mistério que circula nas rodas de bar em Brasília. As versões passam por pessoas que, na época, estavam no mercado. Hoje algumas estão aboletadas no governo. As ligações perigosas entre os interesses privados e os favores do governo são mais comuns do que os simples mortais imaginam. Para fazer média com políticos ou poderosos, para ter uma entrevista exclusiva ou um lugar privilegiado nos milionários negócios conduzidos pelo governo, nada como informações privilegiadas. Valem até mesmo fofocas.

Foi assim que Palocci entrou numa fria. Pela permissividade dos áulicos e por acreditar em bruxas. O cordão de puxa-sacos, ao bisbilhotar a conta-corrente do caseiro Francenildo da Costa, na Caixa, e descobrir um depósito anormal, para seus padrões econômicos, avisou o então ministro da Fazenda. Ele estava sob tiroteio da imprensa, com suspeitas de utilizar uma casa em Brasília, onde se reuniam lobistas, para negócios pouco republicanos, no jargão tão em moda. Quem havia denunciado o ministro? O caseiro Francenildo da Costa.

O depósito era a prova de que alguém havia pago o humilde operário para inventar as histórias sobre Palocci. Certamente a oposição. É aí que o aparelhamento da máquina pública funciona. Como nunca antes, na história deste país, aparelhou-se tanto a área pública, a Caixa não fugiu da regra. Operosos funcionários, que tinham suas energias mais voltadas para o futuro do partido e a própria sobrevivência, do que para os negócios da Caixa, não tiveram escrúpulos de violar e abrir o sigilo bancário do caseiro.

Rápido no gatilho, o presidente da Caixa, Jorge Mattoso, segundo indiciamento da Polícia Federal, teria levado os dados do caseiro a Palocci. Mas quem passou os dados do caseiro à revista Época? Agora, cinco anos depois, fica-se sabendo, por documento encaminhado pela mesma Caixa à Justiça Federal, que o responsável pela violação dos dados bancários do caseiro foi o gabinete do então ministro da Fazenda. Os dados teriam sido entregues a diretores do Grupo Globo, especificamente à revista Época.

O escândalo todo mundo conhece. O zelo partidário dos funcionários da Caixa jogaram pela janela a imagem da instituição: o principal ativo de um banco, a “fidúcia”, como sempre se consagrou na origem e na essência do negócio bancário. Ou seja, quebrou-se um dogma inviolável das relações bancárias. De que ninguém pode ter acesso aos dados bancários de qualquer cliente, a não ser por decisão judicial.

A vitória de Pirro de Palocci sobre o caseiro durou apenas algumas horas. Francenildo foi constrangido a vir a público e revelar um segredo de família. O dinheiro depositado na Caixa era proveniente de seu pai, que morava no Piauí. Francenildo era fruto de uma aventura fora do casamento. O doador não queria que a família soubesse da existência desse filho. Por isso, tudo era feito em segredo. Ou seja, caiu a farsa montada pelo aparelhamento do partido, instalado na Caixa e usado pelo ministério da Fazenda. Mas de que se aproveitou também a revista Época. Sem a devida apuração, precipitou-se em acusar o caseiro, com o objetivo de dar “o furo da semana”, no corpo a corpo das revistas semanais, naquele período. Apressada, teve que engolir a “barriga” crua. Acabou usada por Palocci e seus cortejadores.

A primeira queda

Palocci não resistiu. Pressionado pelo escândalo, teve que pedir demissão. O todo poderoso, virtual candidato a presidente pelo PT, em 2010, sumiu. Logo em seguida é eleito deputado federal e transita por Brasília discretamente. Em 2009, ele foi absolvido pelo STF, que rejeitou abertura de processo criminal pela quebra do sigilo do caseiro. A impunidade, talvez, lhe deu guarida para outras investidas.

Em seguida, com a ajuda de Lula, junta-se à equipe da então candidata Dilma Roussef e assume os contatos com empresários, banqueiros, principalmente de S. Paulo. Ele ajudou o mercado a assimilar Dilma. Palocci reúne mais poder e passa a ser o homem forte da Presidente Dilma, quando esta vence a eleição. Assume o cobiçado cargo de ministro-chefe da Casa Civil. A Casa Civil é uma casa mal-assombrada, porque é uma trituradora de ministros. Por ali passaram nomes como o controvertido Eduardo Jorge, abominado pelo PT e bombardeado pela mídia; José Dirceu, Dilma, Erenice, Palocci. Só nos últimos oito anos, Palocci é o terceiro ministro a ser enxotado da Casa Civil.

Ele chegou lá em janeiro com todo o poder. Será que ninguém conhecia os negócios de Palocci, até esse momento? Sua ascensão certamente incomodou muita gente, principalmente a ala xiita do PT, que nunca aceitou suas relações com o estamento econômico e conservador do país.

Durou pouco o segundo reinado de Palocci. Cinco meses após a posse, em 15 de abril, a Folha de S. Paulo revela que Palocci multiplicou seu patrimônio por 20, entre 2006 e 2010. A notícia poderia ser mais uma entre tantas que apontam negócios suspeitos de políticos e membros do governo e passam ao largo. Palocci reage com uma Nota à imprensa, com explicações evasivas. Jogou todo o ônus da prova à Receita Federal, que saberia de tudo. Não convenceu.

No dia seguinte, mais uma Nota. Esta mais extensa, dirigida ao Congresso Nacional. Tenta acalmar a oposição e a base aliada. Também não surtiu efeito. O Secretário-Geral do Governo, Gilberto Carvalho, afirmou precipitadamente, então, que o caso estava encerrado. Não para os políticos, nem para a mídia ou para a opinião pública. A segunda novela de Palocci estava começando.

A reportagem da Folha foi a senha para toda a imprensa vasculhar os segredos de Palocci. Alguns dias depois, a mesma Folha informa que o faturamento de Palocci saltou de R$ 160 mil, em 2006, para R$ 20 milhões em 2010, exatamente o ano da eleição. Só em novembro e dezembro de 2010, os ganhos chegaram a R$ 10 milhões. Ou seja, a via crúcis de Palocci continuava e arrastava o próprio governo Dilma. Governo e partidos aliados cobravam uma explicação pública de Palocci. Nada. Só os puxa-sacos de sempre, ventríloquos do governo, defendiam Palocci. A resposta dele só veio 19 dias depois, mediante entrevista à TV Globo e à Folha de S. Paulo. Também não convenceu. Faltaram números e nomes dos clientes. De onde veio o dinheiro que enriqueceu Palocci?

Como se livrar dele

A confusão política criada em Brasília pelas suspeitas sobre Palocci acabaram respingando na Presidente Dilma, que recorreu a Lula para apaziguar petistas assanhados, peemedebistas ávidos por cargos e colegas do governo. Dilma se esquivou de defender Palocci, até porque nem ela sabia da extensão dos negócios privados do poderoso ministro. As revistas semanais agravavam o calvário de Palocci.

Acossado, sem apoio da base e sob suspeita, na terça-feira, 7 de junho, 23 dias após a primeira reportagem, Palocci entrega a carta de demissão (eufemismo político para “foi demitido”). Afirmou sair para não atrapalhar o governo. Acredite, quem quiser. Ele perdera espaço e credibilidade. A sociedade não perdoa a falta de esclarecimentos, até porque vivemos a era da transparência. Não basta ser honesto e assegurar, com olhar franciscano, que a milionária consultoria não envolveu empresas com negócios com o governo, como dizia Palocci na sua defesa. É preciso parecer honesto. Ele mesmo assegurou não ter como provar sua honestidade, por cláusulas de sigilo. Ao preservar os clientes, perdeu a confiança e virou a bola da vez. 

Nesse processo de fritura pública do ex-ministro, sempre persistiram os negócios meio nebulosos, principalmente pela suspeita de que poderia haver uma relação incestuosa entre o faturamento da empresa de Palocci e o caixa de campanha de Dilma. Antes que respingasse na Presidente, os que pensam mais com a cabeça do que com a ideologia política, certamente aconselharam Dilma a se livrar de Palocci. Não adiantou a Procuradoria Geral da República afirmar, um dia antes, não ver motivos para investigar Palocci. Sua credibilidade já tinha se esvaído.

O derretimento do poderoso ministro da Fazenda do primeiro governo Lula não ocorreu nos últimos 20 dias, portanto. Ele começou a se derreter, a se apequenar, em 2006, quando concordou em participar da violação do sigilo de um humilde brasileiro, hoje desempregado. A ressurreição de Palocci na eleição de Dilma, como um virtual primeiro-ministro, e sua discrição nesse período, não foram suficientes para a história esquecer o passado. E nem para acalmar seus desafetos no próprio partido.

Em resumo, nas crises não há como desdenhar da verdade. A sociedade cada vez mais exige das pessoas públicas transparência e uma reputação ilibada. Ao assumir um cargo público, é preciso saber que o passado pode ser o inferno. Os fantasmas do passado, acabam saindo do armário.

A retórica emocional da despedida de Palocci, incluindo a emoção da presidente Dilma, não escondem que ele saiu,  porque estava sendo uma pedra no sapato do governo. Ali, tudo foi jogo de cena. A história lhe deu duas chances. Ele abusou das duas. É uma boa lição para quem desempenha cargo pago pelo contribuinte e pensa poder utilizar a vida pública para multiplicar o patrimônio privado.

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