biblioteca humanista 3Francisco Viana*

Um conhecido e criativo publicitário escreveu no jornal Folha de São Paulo um sedutor artigo dizendo da imperativa necessidade do profissional de comunicação viajar e fazer networks. Claro, viajar é preciso para conhecer novas culturas. E os contatos são imprescindíveis para os projetos, vitais para a profissão de comunicador.

Nada mais verdadeiro, nada mais incompleto. Incompleto porque hoje o comunicador também precisa conhecer de luta de classes, da circularidade da história e das estruturas que estão além e determinam nossos sonhos. Sem o conhecimento do pensamento de Karl Marx, Friedrich Engels, Ernest Bloch e Rosa Luxemburgo, além de Freud, Lacan e, também de Hegel e Weber - não importa que seja ou não a favor do socialismo - ele não poderá, por mais bem intencionado que seja, analisar o Brasil com profundidade.

Nem mesmo um humanista o comunicador poderá ser. Como ser um humanista sem conhecer Sartre e Steven Pinker? Como saber se a liberdade de expressão e os direitos humanos são valores iluministas sem conhecer tais autores?  A formação de um comunicador, como a de qualquer outro profissional, precisa ser eclética. Beber das fontes de direita e esquerda. O profissional precisa pensar e instigar a reflexão, independentemente da profissão do seu assessorado.

Para o comunicador, pensar ganha relevância maior porque esta é a matéria prima daquilo que faz. Pois a consciência não determina o curso da história e um pequeno avanço da história pode ter consequências imprevisíveis. Basta ver o infindável cortejo de mudanças que vem se seguindo ao aperfeiçoamento do celular. Só pensando é que o comunicador poderá aprimorar suas opiniões e transformá-las em conhecimento. E não iludir ou ser iludido. Esses bens que poderiam ser as novas bases da isenção. Que está para a atualidade como o centauro esteve para a antiguidade: um animal perfeito que ninguém jamais viu. Daí, o discurso do novo presidente ser a repetição do que existe de mais antigo no país: a bandeira do anticomunismo, o anti-humanismo, o anti-direitos humanos e os preconceitos.

Na formação do comunicador, esses ingredientes - cultura socialista e cultura humanista- se somam para produzir uma sociedade não alienada, de liberdade, plural. Não se pode pensar em humanismo sem pensar na esquerda. Na América Latina, nos anos 1970, as pessoas eram presas e torturadas. Quando não, eram mortas, ficavam isoladas, acusadas de sedição, de trair a pátria e os amigos, como aconteceu com José Mojica que, por militar nos Tupamaros, grupo que pegou em armas contra a ditadura uruguaia, ficou preso entre 1973 e 1985 e sobreviveu sete anos sem ver uma mulher ou uma estrela. Mojica foi deputado, senador e eleito presidente do Uruguai aos 75 anos e deu exemplo de simplicidade e tolerância a todo o mundo.

As coisas mais simples, à época, eram negadas aos prisioneiros políticos, como um lápis e papel ou um cobertor e um colchonete usado ou um rolo de papel higiênico ganhavam valor inestimável. Uma máquina de escrever, um rádio ou jornais, nem sonhar. Foi uma das etapas mais difíceis da história do continente. Uma das mais bárbaras. Não podemos voltar à barbárie. Nem pensar pela metade. Por isso, a formação do comunicador tem que se projetar para além de viagens e network. Tudo isso é importante. Mas para não se transformar num luxo exótico é imperativo cultivar o hábito da reflexão. 

*Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia Política (PUC-SP).

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