Der SpiegelO fato foi revelado na semana passada. O jornalista Claas Relotius, da revista alemã Der Spiegel foi demitido, após um colega e a revista descobrirem que várias reportagens famosas, de sua autoria, eram “fake news” ou “fake stories”, pura fraude. O jornal britânico The Guardian, de 19/12/18, em artigo de Kate Connolly conta como repercutiu na redação da revista alemã a descoberta dessa fraude.

 “A revista de notícias alemã Der Spiegel mergulhou no caos depois de revelar que um de seus principais repórteres havia falsificado histórias ao longo de vários anos.” É um choque para os colegas, para os editores, para os diretores. Publicar reportagens fraudulentas é talvez o maior pecado de um jornalista na carreira e um desgaste irreparável para a credibilidade do veículo de comunicação.

“O mundo da mídia ficou surpreso com as revelações de que o premiado jornalista Claas Relotius, de acordo com o semanário, “inventou histórias e inventou protagonistas” em pelo menos 14 dos 60 artigos que apareceram nas edições impressas e online da Der Spiegel, alertando que outras reportagens também podem ter sido afetadas pela fraude”.

O jornalista, de 33 anos, se demitiu, depois de admitir o golpe. Ele escrevia para a revista há sete anos e ganhou inúmeros prêmios por seu jornalismo investigativo, incluindo o de “Jornalista do Ano da CNN em 2014”. No início deste mês, ele ganhou outro prêmio, o Reporterpreis (Repórter do ano) da Alemanha, com a história sobre um jovem garoto sírio. Os jurados elogiaram o trabalho por sua “leveza, poesia e relevância”. Desde então, especulou-se que todas as fontes de sua reportagem eram, na melhor das hipóteses, nebulosas, e muito do que ele escreveu teria sido inventado.

Mas como a revista descobriu? A falsificação veio à tona depois que um colega, que trabalhou com ele em uma reportagem ao longo da fronteira EUA-México, levantou suspeitas sobre alguns dos detalhes da reportagem de Relotius, tendo dúvidas sobre ele por algum tempo. O colega Juan Moreno, jornalista que há anos trabalha para a Der Spiegel no exterior, eventualmente localizou duas supostas fontes citadas extensivamente por Relotius no artigo, que foi publicado em novembro. Ambas disseram que nunca se encontraram com Relotius. Também foi descoberto, numa investigação posterior, que Relotius havia mentido que teria visto uma placa pintada à mão, na fronteira, que dizia “os mexicanos ficam de fora”.

Outras histórias fraudulentas incluíam uma sobre um prisioneiro iemenita na Baía de Guantánamo e uma sobre o astro do futebol americano Colin Kaepernick.

O que fez a revista

Em um denso artigo, a Spiegel, que vende cerca de 725 mil exemplares impressos por semana (uma das quatro maiores do mundo) e tem um público online de mais de 6,5 milhões, disse estar "chocada" com a descoberta e pediu desculpas a seus leitores e a qualquer um que tenha sido objeto de “citações fraudulentas, detalhes pessoais inventados ou cenas inventadas em lugares fictícios”.

Segundo o Guardian, “a revista baseada em Hamburgo, fundada em 1947 e renomada por suas investigações aprofundadas, disse que Relotius cometeu fraude jornalística “em grande escala”. O diretor de redação descreveu o episódio como "um ponto negativo na história de 70 anos de Spiegel". Uma comissão interna foi criada para examinar todo o trabalho da Relotius no semanário.

O repórter também escreveu para uma série de outros veículos conhecidos, incluindo os jornais alemães Taz, Welt e a edição de domingo do Frankfurter Allgemeine. O Die Welt twittou na quarta-feira: "Ele abusou de seu talento". Relotius disse à Spiegel que ele se arrependeu de suas ações e ficou profundamente envergonhado, disse a revista. "Estou doente e preciso de ajuda", disse ele.

Ainda segundo a reportagem do The Guardian, o colega Moreno, “que trabalha para a revista desde 2007, arriscou seu próprio emprego quando confrontou outros colegas com suas suspeitas, muitos dos quais não queriam acreditar nele. Por três a quatro semanas, Moreno passou pelo inferno porque os colegas e os veteranos não queriam acreditar em suas acusações a princípio", escreveu a revista, em um pedido de desculpas aos leitores. "Durante várias semanas, segundo a Der Spiegel, Relotius foi considerado até mesmo vítima de uma trama astuta de Moreno.”

Admitiu a Der Spiegel que “Relotius rejeitou habilmente todos os ataques, todas as evidências bem pesquisadas de Moreno… até chegar a um ponto em que isso não funcionou mais, e em que ele. finalmente, não conseguiu mais dormir, caçado pelo medo de ser descoberto”.

Na semana passada, acrescentou a revista, Relotius, finalmente se entregou, depois de ser confrontado por um editor sênior. Na confissão ao seu empregador, ele disse: "Não foi por causa da próxima grande coisa. Foi o medo de falhar. Minha pressão para não ser capaz de falhar tornou-se ainda maior quanto mais sucesso me tornei ”.

A revista continua tentando lavar a roupa suja com transparência. E foi implacável ao relatar em denso artigo de Ullrich Fichtner, ontem (20/12), o desenlace da descoberta da fraude, numa clara evidência de que a história envergonhou toda a redação e tem um preço a ser pago.

“Agora ficou claro que Claas Relotius, 33 anos, um dos melhores escritores da DER Spiegel, vencedor de vários prêmios e ídolo jornalístico de sua geração, não é repórter nem jornalista. Em vez disso, ele produz uma ficção lindamente narrada. A verdade e as mentiras estão misturadas em seus artigos e algumas, pelo menos de acordo com ele, foram até mesmo relatadas e livres de fabricação. Outros, ele admite, foram embelezados com citações falsas e outros fatos inventados. Outros ainda foram totalmente fabricados. Durante sua confissão na quinta-feira, Relotius disse, literalmente: "Não era sobre a próxima grande coisa. Era o medo do fracasso". E: "A pressão para não falhar cresceu quando me tornei mais bem sucedido."

A revista semanal, que é uma das organizações de notícias mais proeminentes da Alemanha, está agora tentando resgatar a reputação, em meio a temores de que uma revista já desafiada pelos problemas da indústria jornalística alemã precise mais que se esforçar para se recuperar dessa crise extremamente negativa para quem trabalha com credibilidade.

O semanário alemão publica neste sábado (22) um relatório especial de 23 páginas sobre como um de seus repórteres premiados falsificou reportagens durante anos, dando um golpe na credibilidade da mídia. E onde houve a falha, que certamente aconteceu.

Ontem (21), o embaixador dos EUA na Alemanha pediu uma investigação independente em uma carta ao semanário, apontando que muitas das histórias que Relotius fabricou se concentravam na vida americana.

Em editorial, a revista disse que a fraude, envolvendo assuntos como órfãos sírios e sobrevivente do Holocausto, é a "pior coisa que pode acontecer a uma equipe editorial". E que a revista fará tudo que for possível para merecer novamente a credibilidade.

Desde o escândalo revelado pela revista na quarta-feira, outras importantes emissoras alemãs, como Die Welt e Die Zeit, que uma vez utilizaram Relotius como freelancer, também começaram a ler com uma lupa os artigos que ele produziu.

 A União dos Jornalistas Alemães (DJU, na sigla em alemão) chamou o caso de "o maior escândalo de fraude no jornalismo desde os diários de Hitler" que a revista alemã Stern publicou em 1983 e que mais tarde se descobriu serem falsificações.

As revelações da Spiegel lembraram exemplos de fraudes jornalísticas de repórteres em outros lugares, incluindo Jayson Blair do The New York Times, Christopher Newton da Associated Press e Janet Cooke, do Washington Post, cuja peça de 1980, sobre uma criança viciada em heroína, deu à jornalista um Prêmio Pulitzer, antes de ele ser exposto como falso. Ela devolveu o prêmio, após a descoberta da falsidade. Mas até hoje este e os demais casos figuram na galeria das “vergonhas” que a mídia teve que enfrentar.

Foto: Alexander Becher/EPA-EFE-Rex

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