Brexit simboloA revista Time publicou esta semana uma espécie de Q&A sobre o Brexit, tentando explicar em rápidas palavras o imbróglio em que o Reino Unido se meteu, ao propor um plebiscito, lá em 2016, para os britânicos escolherem se deveriam ou não sair da União Europeia. Era uma aposta de David Cameron, então primeiro-ministro, que o plebiscito resolveria de vez os problemas que ele enfrentava de cobranças, sobretudo da oposição, sobre a necessidade de a Inglaterra fazer parte da União Europeia. Os britânicos, como alguns poucos países da Europa, mantiveram a circulação da própria moeda, apesar do Euro ser a moeda oficial da UE.

O resultado inesperado do plebiscito saiu de uma campanha bem orquestrada pelos “contra”, que teve ampla receptividade por eleitores mais velhos, do interior, que foram em massa votar. Por uma pequena margem, os britânicos optaram pela saída da União Europeia. Quando a ficha caiu sobre qual seria o ônus dessa aventura, já era tarde. E desde então, o governo britânico vem discutindo a forma como se dará esse divórcio. A dificuldade de Thereza May para acertar uma saída honrosa e menos onerosa para o Reino Unido pode lhe custar o cargo.

O resultado do plebiscito revelou uma profunda divisão no país. O Brexit (palavra criada pela fusão de "Britain" e "exit", ou saída da Grã-Bretanha) recebeu 51,9% dos votos contra 48,1% pela permanência na UE. O interior da Inglaterra e o País de Gales apoiaram majoritariamente a saída da UE, enquanto Londres, Escócia e Irlanda do Norte optaram pela permanência, o que acabou gerando outra crise com os países que fazem parte do Reino Unido.

O artigo do Ian Bremmer*

Uma leitura rápida sobre a crise do Brexit e o futuro de Theresa May

O que aconteceu esta semana:

"Ao finalmente revelar seu compromisso com o Brexit ao público na semana passada, a primeira-ministra britânica Theresa May provocou uma tempestade política, completada com a demissão do gabinete e com o pedido de saída da ministra pelos membros de seu próprio partido. Esta semana foi mais calma em comparação, mas May está agora se preparando para viajar a Bruxelas no fim de semana para ver se há espaço para negociação com a liderança europeia sobre os termos da saída do Reino Unido da União Europeia, prevista para 29 de março de 2019.

Por que isso importa:

"Porque está chegando um momento difícil para o Brexit. As próximas semanas provavelmente determinarão se a Grã-Bretanha deixará a União Europeia de uma maneira organizada e amigável, ou se ela se desintegra e se queima - e a Europa - no processo. Na falta de uma mudança fundamental no modelo, o Reino Unido está se encaminhando para a escolha binária de optar pelo acordo de maio com o Brexit ou sem qualquer acordo.

"Ainda existem maneiras de mudanças fundamentais acontecerem neste momento? Absolutamente. A primeira seria se May fosse demitida como líder de seu Partido Conservador (e por extensão, como primeiro-ministro do Reino Unido) por um voto de desconfiança dos membros de partido, atualmente membros do parlamento. A segunda seria se novas eleições gerais fossem acionadas, como o Partido Trabalhista da oposição pediu, caso o acordo de maio não passe no Parlamento. O terceiro seria o anúncio de um novo referendo Brexit.

"Qualquer um dos três complicaria o processo já caótico do Brexit de formas ainda não previstas. Já passaram quase dois anos e meio desde que os britânicos votaram no Brexit, e o drama pode estar apenas começando.

O que acontece depois:

"Domesticamente, May ainda poderia enfrentar um voto de desconfiança em sua liderança, se o número mágico de 48 legisladores conservadores pedirem por isso. Mas parece que não há apetite para realmente derrubá-la como líder do Partido Conservador, talvez pelo fato de não haver um candidato consensual para substituí-la. Isso dá a May algum espaço para operar, já que seus membros do partido seriam proibidos de chamar outro voto de não confiança contra ela por pelo menos 12 meses. Infelizmente, não parece provável que May tenha os votos para que seu acordo Brexit seja aprovado pelo Parlamento em geral. Mas uma crise política de cada vez.

"Do lado europeu, uma reunião dos líderes da União Europeia está sendo convocada para sábado, para oficialmente abençoar um acordo de retirada do Brexit que parece fadado ao fracasso no parlamento do Reino Unido. Existe realmente a flexibilidade dos europeus quanto aos termos específicos do acordo Brexit - e ainda há tempo para renegociar, apesar de toda a conversa sobre deliberações precipitadas. Mas os líderes da União Europeia não estão dispostos a falar sobre isso até que o acordo existente em maio tenha fracassado.

"Não esqueçamos que o Brexit é uma prioridade muito menor para a Europa do que para o Reino Unido. Os políticos britânicos estão completamente consumidos por ele, já que provavelmente essa decisão determinará a maior parte do seu futuro político. Não tanto pelos seus homólogos europeus. Tudo isso significa que será uma grande tarefa para May fazer algum progresso em Bruxelas.

O número da chave que explica isso:

"Oito: o número de demissões do gabinete de Theresa May no último ano. E mais são esperados já nesta semana.

A citação chave que resume tudo:

"Uma mudança de liderança neste momento não vai facilitar as negociações, e isso não vai mudar a aritmética parlamentar. O que vai fazer é significar que há um atraso nessas negociações e que há um risco de que o Brexit seja atrasado ou frustrado.” (Primeira Ministra do Reino Unido, Theresa May).

(É verdade, mas não significa que isso não vai acontecer.)

O único grande equívoco sobre isso:

"Que as pessoas votando/apoiando o Brexit são todos simplórios que não entendem o que está acontecendo. Há uma boa razão pela qual muitos britânicos fizeram escolhas consideradas para votar. Não é difícil acreditar que a União Europeia está em um caminho de longo prazo insustentável, e há muitas razões históricas pelas quais o Reino Unido sempre se sentiu desanimado com a integração adicional que seria necessária para fazê-la funcionar. Então, há um caso a ser feito para o Brexit - mas não pelos líderes políticos que atualmente estão conduzindo esse processo caótico, obviamente ...

A única coisa que você deve ler sobre isso:

"Theresa May está se preparando para ser a figura mais decisiva da provação do Brexit - não importa o quanto as negociações terminem, vale a pena ler a história dela.

A única coisa a dizer sobre isso:

"Se a União Europeia vai quebrar de qualquer maneira, dada a crescente divisão entre leste x oeste, norte x sul e núcleo x periferia, sair cedo pode realmente ser preferível para o Reino Unido.

A única coisa a evitar de dizer sobre isso:

"Você sabe o que o processo Brexit precisa? Mais Boris Johnson."

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O Brexit como case de gestão de crises

Luciana Gurgel**

Enquanto Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido, batalha para aprovar o plano de saída da União Europeia e manter-se no cargo, vale observar o belo case de gerenciamento desta crise. São lições válidas para qualquer instituição.

Um dos princípios da boa gestão de crises é a habilidade do porta-voz. E May é uma porta-voz que dá gosto ver. Ouve perguntas com um leve sorriso, mas sem ironia. Cria empatia ao responder olhando nos olhos, firme e serena. Transmite profunda convicção. Fundamenta respostas com fatos.

Utiliza “mantras” fortes, como o de que está trabalhando para entregar o que o povo decidiu no voto. Desmonta armadilhas embutidas nas perguntas e aproveita para transmitir seus pontos-chave. Mas sem deixar pergunta sem resposta. O que mais se pode esperar de um porta-voz?

Outro destaque nesta crise tem sido a rápida reação aos fatos. O principal exemplo, que mudou o rumo dos acontecimentos, aconteceu em 16/11, quando o plano de saída foi publicado e bombardeado por todos os lados.

Theresa May começou o dia perdendo quatro ministros – entre eles o negociador do Brexit. Encarou três horas de sabatina em Westminster, transmitida ao vivo pelas TVs, com parlamentares pedindo que renunciasse, chamasse novo referendo ou desistisse do Brexit. Viu um membro de seu partido apresentar uma letter of non confidence, início do processo que pode levar à destituição.

Emissoras “acamparam” nos jardins do Parlamento, de lá ancorando telejornais e talk-shows. Seguiu-se uma tarde de especulações: renúncia, novas eleições, nomes para substitui-la.

Veio então um movimento acertado de comunicação. Em vez de enfiar a cabeça na areia, May não aceitou o destino que parecia traçado. Não esperou até o dia seguinte, nem se abrigou atrás de notas oficiais ou postagens em redes sociais. Convocou uma coletiva, com a presença dos principais comentaristas e editores de política.

Já sinalizando que não haveria renúncia, abriu com um forte pronunciamento sobre a responsabilidade do cargo e da missão de negociar o melhor plano possível dentro das possibilidades. Posição realista, que neutralizou a discussão sobre pontos específicos.

Sozinha no púlpito, sem assessores, comandou o show, chamando cada jornalista pelo nome ao dar a vez de perguntar. Deu tempo a cada um, sem atropelos. Respondeu a todas as questões, com elegância e fiel aos seus pontos-chave, apesar do cansaço visível. Notável o respeito com que foi tratada pelos jornalistas – reflexo do respeito com que os tratou e da transparência nas respostas.

A cobertura foi relativamente positiva para a situação, fortalecendo-a politicamente ao destacar a tenacidade na defesa do cargo e do plano para o Brexit. Ao ponto de May estar sendo comparada à lendária Margareth Tatcher. “Resiliente” é o adjetivo mais usado para descrevê-la.

A direção do vento mudou. Não houve novas renúncias no Gabinete, como se apostava. Políticos importantes declararam apoio, alguns voltando ao Governo.

E a gestão da crise seguiu com mais um bom princípio aplicado: proatividade e ocupação de espaços. A primeira-ministra não descansou, nem se fechou. Passou o fim de semana dando entrevistas, defendendo seu plano e a união do país. E assim continua, incansável.

O “mantra” foi ajustado. A mensagem principal agora é a de que destituí-la não vai levar a um acordo melhor, e pode fazer o país mergulhar numa crise de liderança, tornando a negociação com a União Europeia ainda mais difícil. No estilo “ruim comigo, pior sem mim”. Inteligente posicionamento de comunicação, apelando para o interesse nacional acima das diferenças políticas.

O embate continua e o resultado é imprevisível. Mas o que houve nesta semana histórica foi um case que mostra como preparo, firmeza, transparência, coerência e reação rápida podem reverter uma situação de crise aguda e construir credibilidade. Se May perder, terá construído uma saída honrosa. Se vencer, a batalha decisiva certamente terá sido a da comunicação.

*Ian Bremer, cientista político americano, especializado em política externa dos EUA, estados em transição e risco político global.

 **Artigo publicado no Jornalistas@Cia, edição 1.180, de 21 a 27 de novembro de 2018.

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