Banco Central sedeCargo público não dá liberdade para falar o que se quer. Falou demais, caiu. Essa máxima vale principalmente na área econômica, muito sensível com qualquer informação que revele os bastidores do poder. Na última sexta-feira (13), o diretor de política monetária do Banco Central, Mário Torós, teve seu dia de azar: contou bastidores da atuação do Banco Central, em plena crise econômica, no ano passado, ao jornalista Cristiano Romero do Valor Econômico. Certamente não pediu “off”, caso contrário Cristiano possivelmente teria dado as mesmas informações, mas sem revelar a fonte.

A sinceridade da fonte custou o cargo do diretor. Embora se especule que Torós já queria sair do Banco Central, sua demissão não estava prevista para acontecer agora, mas somente no fim do ano. Ela foi precipitada pelas revelações do diretor, que não estaria autorizado a contar à imprensa os bastidores da atuação do Bacen, atribuição, no entendimento do governo, do presidente do banco.

No serviço público é assim. Na iniciativa privada, embora não haja restrição política, os executivos também têm pouca liberdade para falar o que querem. Geralmente as informações estratégicas são centralizadas no principal executivo e não há liberdade para diretores ou gerentes opinarem sobre temas estratégicos e relevantes da empresa, a não ser autorizados.

No serviço público, a área econômica e política são mais vulneráveis a esse tipo de atitude. Os executivos que desempenham cargos públicos vivem se policiando para não revelar nada, além daquilo que já é do domínio público. Muitos deles, principalmente aqueles mais inseguros, que são indicados politicamente e não dominam a área, sentem verdadeiro pavor de conversar com jornalistas, mesmo em “off”. Eles sabem que se falarem alguma coisa que desagrade o “chefe” (pode ser o presidente da organização, o ministro ou o presidente da República), estarão balançando no cargo. Como eles têm um apego muito grande ao poder, entram em pânico quando devem enfrentar jornalistas mais experientes. Acabam dando entrevistas vazias e burocráticas.

As boas entrevistas são sempre essas que revelam o que a autoridade normalmente não fala ou os governos não gostariam que eles falassem. O problema é que boas entrevistas para a imprensa, nem sempre significam boas entrevistas para a fonte ou para os governos. Assim como o ex-ministro Rubens Ricupero e tantos outros na recente história do país, Mário Torós foi vítima da própria sinceridade ou ingenuidade. Embora seja difícil acreditar que alguém na posição que ocupa há bastante tempo tenha falado o que não gostaria de falar. No caso dele, isso não denigre sua carreira ou perfil. Apenas mostra que a transparência não é uma virtude que os governos cultivem como costumam apregoar. Aqui vale a máxima: quanto menos se falar, melhor. O que não é bom para a democracia e muito menos para o país.

O substituto

Henrique Meirelles e o governo acertaram em cheio na escolha do substituto de Torós. Aldo Luiz Mendes  é um dos técnicos mais competentes da área financeira, que fez carreira no Banco do Brasil. Além de excelente figura humana, ele tem profundo conhecimento da área, por ter se especializado em finanças, com formação acadêmica muito sólida. Tem a grande virtude de não ter vínculos com grupos políticos de qualquer lado, construindo a carreira na base do mérito, o que no cenário atual, de tantas indicações políticas baseadas nas relações ou  vínculos partidários e não na competência, demonstra que ainda existe luz no fim do túnel. Ainda existe lucidez no governo para indicações técnicas em vez de políticas.

Veja a entrevista que derrubou Mário Torós.

Valor Econômico

Cristiano Romero e Alex Ribeiro, de Brasília
13/11/2009

Brasil enfrentou ataque e corrida bancária na crise. Mário Torós: a crise dos derivativos assombrou as autoridades durante 81 dias

Nos momentos mais críticos da crise internacional, a economia brasileira correu riscos muito mais graves do que revelam os discursos oficiais. Os bancos pequenos e médios sofreram uma corrida bancária com saques totais de R$ 40 bilhões em apenas uma semana de outubro de 2008. Um dos maiores fundos de hedge do mundo, o Moore Capital Management, fez um ataque especulativo de US$ 5 bilhões contra o real em dezembro. Com derivativos cambiais, empresas exportadoras e bancos tiveram prejuízos de US$ 10 bilhões - o valor total dos contratos atingiu US$ 38 bilhões, mais de 18% das reservas cambiais do país na época.

As informações, só agora reveladas, são o resultado de uma apuração feita pelo Valor nos dois últimos meses com informações de pessoas que estavam na linha de frente do combate à crise, técnicos do governo e fontes do mercado financeiro. Um dos relatos mais contundentes é o do diretor de política monetária do Banco Central, Mário Torós. Graças à sua posição privilegiada, ele conhece como poucos os detalhes e motivações das mais importantes decisões tomadas pelo governo.

Para compensar os saques, os bancos pequenos e médios foram socorridos com a liberação de depósitos compulsórios. Além disso, grandes bancos foram persuadidos a manter as linhas de empréstimos interbancários e a comprar carteiras de crédito de instituições de menor porte. Qualquer banquinho era ´too big to fail´ [grande demais para quebrar] , diz Torós.

No caso dos derivativos, o grande problema, segundo Torós, era desfazer a imagem de que aquilo era um problema sistêmico. O BC jogou pesado no mercado de câmbio quando o Moore conseguiu elevar o valor do dólar a R$ 2,62. O uso de reservas internacionais para defender o real foi autorizado diretamente pelo presidente Lula, no princípio de outubro de 2008. Fiz leilões até o mercado cansar, lembra Torós.

Henrique Meirelles, sabe-se agora, quase foi demitido na véspera da fase mais aguda da crise, quando o Copom promoveu o primeiro aumento dos juros em três anos. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo chegou a ser sondado para o posto. Mas Lula mudou de ideia.

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