O que aconteceu com os Correios? Houve época – acreditem – em que as pesquisas que apontavam as instituições de maior credibilidade do país, mostravam no topo, tradicionalmente, os bombeiros, a Igreja e os Correios. Em 2002, pesquisa da FIA/USP sobre confiança das instituições brasileiras, colocava os Correios em segundo lugar, com 93% de aprovação, atrás apenas da “família”, com 94%. Manteve essa reputação mais alguns anos, mas já enfrentando crises graves.
Em 2008, a revista Forbes divulgou que os Correios do Brasil figuravam entre as 50 empresas de melhor reputação corporativa, identidade e marca do mundo, no segmento; também foi considerada a segunda no ramo de logística e a quinta mais confiável no Brasil, segundo o Reputation Institute. Por que esse capital reputacional se esvaiu, ao longo do tempo?
Pesquisas sobre as causas principais de crises nas empresas apontam três segmentos como os de maior incidência: danos à reputação, marca ou a produtos; percepção de má gestão ou de comportamento inadequado dos executivos; e problemas ocasionados por grupos de interesse ou ativistas, o que inclui, no limite, a possível interrupção do negócio. Crises graves podem causar um colapso no negócio, como aconteceu recentemente com a empresa Voepass, após o terrível acidente que matou 62 pessoas, em 2024.
Os Correios acabam de anunciar um prejuízo bilionário, em 2024 (R$ 1,7 bilhão), o que ocasionou problema sérios de logística para a instituição, afetando o cerne de seu ‘cor business’ que é a entrega de correspondências e encomendas. Além disso, o primeiro trimestre de 2025 também apresentou um déficit expressivo, com perdas de R$ 1,7 bilhão, um aumento de 115% em relação ao mesmo período do ano anterior. Em redes sociais, cidadãos anônimos, influencers e políticos têm relatado problemas com o envio e recebimento de pacotes. A crise em torno dos Correios tem sido explorada pela bancada de oposição ao governo que fala, inclusive, na abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), para apurar problemas na estatal. O Congresso Nacional em geral, quando uma crise persiste numa área sensível à população, sugere criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito-CPI, como se isso fosse a panaceia para solucionar a crise. CPI quase sempre não dá em nada, só holofotes para senadores e deputados no horário nobre.
Os Correios enfrentaram crises graves nos últimos anos, sendo pivô de um dos maiores escândalos do primeiro governo Lula, por volta de 2005, quando a empresa ficou marcada pelo envolvimento na Operação Lava Jato. A ponto de ter sido criada uma CPI com o nome da instituição (CPI dos Correios), um dos piores ataques e desgaste à reputação de qualquer empresa, no Brasil.
A mídia tem sido implacável com os Correios, nos últimos anos, principalmente pelos resultados financeiros. E não sem razão. Aparelhada em governos passados, apesar de uma marca fortíssima e de ter uma relação histórica com a população, desde quando os Correios eram uma autarquia, tendo agências nos lugares mais distantes do País, a instituição vem arrastando passivos sucessivos há cerca de 20 anos, principalmente pelo uso político. E pela dificuldade de evoluir como empresa de logística, acossada por multinacionais competentes, como DHL, FedEx, Amazon e Total Express. É uma pena, porque é uma marca forte que significava, em passado nem tão distante, um dos símbolos da interiorização e integração do País. Para se ter uma ideia, os Correios até a década de 1950 remetiam dinheiro em papel moeda, pelos malotes, porque a população não tinha facilidades nos bancos, para remessa de numerário, como aconteceu poucos anos depois. E não se tem registro de desvios, roubos ou fraudes naquele tempo em que o papel moeda viajava nos malotes.
Segundo reportagem do jornalista José Casado, na revista Veja, de 14/05/25, “Os Correios faturam 20 bilhões de reais por ano, mas gastam 24 bilhões para manter as portas abertas de segunda a sexta-feira — aumento de 8% nas despesas no ano passado. Acumulam dívidas ainda imprecisas nos balanços contábeis, infladas em parte por corrupção e agravadas por má gestão.”
“O uso e abuso político de empresas públicas e seus fundos de pensão se tornou uma fonte de negócios para dirigentes de partidos e operadores financeiros, nas últimas três décadas, invariavelmente com altas taxas de lucratividade.”, diz a revista. Essa imagem, além de afetar a reputação da empresa, acaba dificultando sua recuperação, porque nem os clientes acreditam numa melhora no atendimento nos balcões da empresa, quanto nos prazos de entrega de encomendas despachadas.
As ações que os Correios anunciaram para tentar sanear a empresa, nos últimos dias, não foram bem recebidas. Para responder à crise financeira, a empresa anunciou, no início do mês, medidas bastante radicais na área de recursos humanos, recebidas com certo ceticismo pelo mercado. Entre as ações imediatas estão a suspensão do trabalho remoto dos funcionários e o lançamento de novos formatos de planos de saúde. As despesas com planos de saúde já foram responsáveis por outros prejuízos e sempre foram questionadas pelos críticos da empresa, que cobria integralmente o plano de saúde dos funcionários, ao contrário de outras estatais que têm uma contrapartida de 25 ou 50% da mensalidade do associado.
No programa de saneamento atual, “a estatal também prorrogou o prazo para adesão ao Programa de Desligamento Voluntário (PDV) e incentivos à redução da jornada de trabalho, com ajuste proporcional de remuneração, para empregados lotados em unidades administrativas. O principal objetivo das medidas é reduzir e readequar o tamanho do quadro de pessoal.”, segundo reportagem do portal Metrópoles.
Outra medida no âmbito financeiro é bastante polêmica: a suspensão temporária do gozo de férias, a partir de 1º de junho de 2025, referente ao período aquisitivo deste ano. O simples anúncio já causou reação negativa de empregados – naturalmente – que acusam a empresa de ter tomado uma decisão sem dialogar com as entidades que representam os servidores. Segundo a sugestão, as férias voltarão a ser usufruídas a partir de janeiro de 2026. Trata-se de uma decisão bastante polêmica e que, certamente, vai ser questionada na Justiça pelos órgãos fiscalizadores da área de trabalho e sindicatos.
A estatal também prorrogou o prazo para adesão ao Programa de Desligamento Voluntário (PDV), e criou incentivos à redução da jornada de trabalho, com ajuste proporcional de remuneração, para empregados lotados em unidades administrativas. O principal objetivo das medidas é reduzir e readequar o tamanho do quadro de pessoal. Estas são medidas tomadas no passado por outras empresas estatais, sem que representassem uma solução definitiva para o problema financeiro. Funcionam como paliativos, porque as causas do prejuízo dos Correios remetem aos problemas de governança da empresa, usada e abusada por interferências políticas. É um gigante que precisa de uma gestão profissional, austera, técnica, com executivos do mercado e não gestores com compromisso político, que passam pela empresa sem nenhum projeto objetivo de gestão, como tem acontecido nos últimos anos.
Para entender como o problema dos Correios não é novo, basta ler artigo publicado em março de 2018, neste site (A crise dos Correios. Ou, como se destrói uma estatal), contando os bastidores da crise da empresa, que deu origem à CPI dos Correios, em 2005, e todos os desdobramentos que ocorreram, inclusive com uso político do fundo de pensão Postalis. O prejuízo do fundo teve que ser coberto por descontos nos salários dos empregados da ativa e aposentados. A exemplo de outros fundos de pensão de estatais, também usados para investimentos de interesse político e não econômico.
Ainda segundo a reportagem da revista Veja, “Aos abalos financeiros somou-se o declínio no mercado. A empresa era responsável por quase metade dos serviços postais no país em 2019 e hoje domina menos de um terço do mercado de entregas do tipo Sedex. O despacho expresso de encomendas e documentos é o “filé” do setor e, até agora, permitia à empresa pública financiar uma rede de 10 000 agências, das quais apenas 1.500 não dão prejuízo.”
Segundo a revista, “a decadência empresarial acabou acelerada pela imobilidade do governo e do Congresso, que não conseguem chegar a uma conclusão sobre o que é melhor para o país: reconstruir a estatal ou simplesmente se livrar dos Correios.” Ao tabu da privatização da empresa, se junta o interesse e o apetite político, que não se preocupa com desempenho. Ela estava na lista das empresas estatais passíveis de serem privatizadas no fim do governo Bolsonaro. Foi tirada por pressão da bancada do PT na Câmara, alinhada com os sindicatos. Enquanto isso, a empresa sobrevive nessa polarização do que seria melhor para quem realmente interessa: os brasileiros.
Voltando ao artigo publicado em 2018, nesta página, no auge da crise mais grave da instituição, desde que se transformou em empresa, se percebe que muitos dos problemas que existiam, persistem. Sete anos depois, os argumentos do artigo continuam atuais, infelizmente. Sinal de que os governos têm patinado e não encontram a saída melhor para o futuro desse serviço imprescindível para todos os brasileiros.
A crise dos Correios. Ou como se destrói uma estatal*
*Artigo publicado neste site em 15/03/2018.
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