zika virusNão bastassem as crises que assolam o mundo, o drama dos refugiados; a guerra civil na Síria; a luta contra os terroristas; a queda no preço do petróleo; os escândalos de corrupção e o fracasso da economia no Brasil; a instabilidade do mercado chinês... Só faltava uma epidemia. Essa ameaça assombra vários países hoje, principalmente os mais pobres da América Latina, África e Ásia. Há pouco mais de um ano, era o Ebola. Assustava viajantes e castigava a África. Controlado este, o Zika vírus coloca governos, autoridades de saúde e milhares de pessoas de sobreaviso, principalmente aqueles que pretendem viajar para o Brasil ou América do Sul. A OMS declarou o Zika vírus caso de emergência de saúde pública mundial.

É com esse foco que a especialista em Gestão de Crises, a canadense *Melissa Agnes, produziu um denso artigo sugerindo estratégias sobre como enfrentar essa crise que preocupa o Brasil e entrou na pauta dos principais líderes da Europa, Ásia e dos Estados Unidos, pela gravidade da ameaça.

“Acabamos de colocar a crise mundial de Ebola na cama e aqui estamos, já confrontados com mais uma epidemia iminente. O Zika vírus já tem vários países em alerta total, e milhares de pessoas sentindo-se hesitantes em participar este ano das Olimpíadas no Rio. Apesar de residir num país com menor risco, (a autora do artigo reside no Canadá) o artigo tem a função de orientar empresas, organizações de saúde e agências governamentais. O que elas devem estar pensando, diante dessa ameaça?

“Como o Zika vírus continua a se espalhar, quais são os principais riscos de gestão de crises que as organizações de saúde e agências governamentais devem estar pensando?

“Como vimos com o Ebola, o problema com a gestão de uma crise epidêmica - além da urgência de prevenir a contaminação e salvar vidas - é o impacto emocional profundamente enraizado que pode aumentar rapidamente a crise a um ponto de espalhar um medo irracional. Como a emoção não pode ser superada com a lógica, quando uma crise chega a um ponto de espalhar o medo irracional, torna-se extremamente difícil de gerir. Isso é algo que deve estar sempre presente quando se trata de fazer gestão de crises e preparação para crises.

Pode a crise do Zika vírus potencialmente escalar para um ponto de medo irracional?

“A maior suspeita de impacto do Zika vírus sobre os seres humanos, até a presente data, é que ele pode estar associado à microcefalia, um defeito de nascimento que resulta em bebês nascidos com anomalias ou danos no cérebro, (de um tamanho menor) o que fatalmente poderá levar a problemas de desenvolvimento durante a vida. As imagens dos recém-nascidos com essa condição são de partir o coração - para não mencionar aterrorizantes para quem está prestes a ser pai, assim como para as jovens mulheres que não querem que suas filhas sejam expostas a tal vírus.

“Além disso, quanto mais o vírus se espalha, mais estamos aprendendo que os mosquitos não são a única maneira de contrair a doença. O Center for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, confirmou na semana passada que o Zika vírus também pode ser transmitido através de relações sexuais (foi constatado um caso no Texas). Também houve um caso no Brasil revelando que um paciente internado contraiu o vírus, como resultado de uma transfusão de sangue contaminado. Ambos os casos são realidades muito assustadoras.

Obs. No Brasil, a Fiocruz também constatou evidências de que o vírus pode ser transmitido pela saliva ou pela urina.

“Compreensivelmente, um vírus (ou qualquer tipo de ameaça), que corre o risco de afetar o filho de uma pessoa é um dos tipos de situações de maior impacto emocional. Também é uma emoção que é altamente compreensível para todos os pais ou futuros pais que têm uma relação direta com a necessidade natural de proteger seus filhotes.

“Levando todos estes fatos conhecidos em consideração, se o vírus Zika continuar a se espalhar, tornando-se uma crise do mundo real (no momento é um grave "problema" em vez de uma crise de pleno direito), ele contém todas as três características que contribuem para a escalada de uma crise a um ponto de impacto viral emocional.

Os três elementos de uma crise viral

zika virus microcefalia“Para determinar se uma crise tem uma alta probabilidade de se tornar viral, precisamos avaliar os três seguintes fatores:

1. Se a situação/incidente terá ou não um forte impacto emocional negativo sobre os stakeholders e/ou o público em geral;

2. Se essa forte emoção negativa é altamente compartilhável, algo como ter mais pessoas propensas a compartilhá-la, retuitá-la, etc; e

3. Se contém ou não conteúdo altamente compartilhável, a partir de manchetes curtas e cativantes para imagens ou vídeos emocionalmente atraentes.

Juntos, esses três componentes podem indicar que uma crise vai se tornar viral, o que aumenta o seu impacto negativo sobre a organização (neste caso, "a organização" é tanto o CDC (órgão de prevenção de endemias), quanto o governo, hospitais relevantes, etc.).

"O Zika vírus, infelizmente, tem o potencial de ter esses três elementos.

Assim, se o vírus continuar a se espalhar por todo os EUA e outros países, e, a menos que uma vacina ou cura seja desenvolvida em breve (1), existe um risco real de que o Zika vírus possa a) evoluir para uma crise epidêmica, e b) aumentar a um ponto de espalhar o medo irracional.

Três estratégias de gestão de crises para a gestão da crise Zika vírus

"Seguem-se três importantes estratégias de gestão de crise que as organizações de saúde e do governo devem pôr em execução agora, a fim de ajudar a mitigar o risco de o zika vírus escalar ao ponto de espalhar o medo irracional.

Obs do editor: Melissa Agnes se refere, provavelmente, a fatos ocorridos quando o vírus Ebola foi identificado e milhares de pessoas começaram a manifestar sintomas, ainda sem uma estratégia adequada de combate, gerando pânico na população, em viajantes, e até mesmo, no início, a recusa de atendimento por médicos, enfermeiros e agentes de saúde.

1- Identificar o risco de uma escalada

“O primeiro passo é identificar e reconhecer esse risco. Sabendo que uma crise possa ter o impacto de se transformar em uma evento altamente emocional, é muito importante realizar uma preparação para crises. Ter ciência do problema, nas mãos certas, leva à preparação. E, a menos que o CDC e outras organizações de saúde e governamentais relevantes queiram enfrentar uma crise emocional, como eles enfrentaram em 2014, com o chamado Fearbola*, então, identificar e reconhecer esta ameaça é um primeiro passo importante. Vamos esperar que eles façam isso.

"*A crise dentro da crise do Ebola, chamado de Fearbola (medo do Ebola), foi o medo irracional do Ebola, que rapidamente varreu a América do Norte, aumentando os desafios de gestão de crise para o governo, o CDC, bem como para inúmeros hospitais em todo os EUA e no Canadá.

2- Educar o público e dar esperança

“Um dos erros cometidos na crise do Ebola, que levaram ao Fearbola, foi uma falta de informação ou educação desde o início. O Fearbola surgiu devido ao fato de que as pessoas não compreendiam na verdade como o Ebola exatamente se espalhava. Esta falta de educação da população levou ao medo irracional de que, uma vez que o Ebola chegasse na América, o país inteiro iria inevitavelmente contrair a doença.

“Como a emoção não pode ser superada com a lógica, uma vez que uma crise se agrava a um ponto de alto impacto emocional, é difícil controlar o medo irracional apenas com a educação. Por esta razão, é importante que o público entenda os riscos e as realidades do Zika vírus antes de esta questão se transformar realmente em uma crise. O CDC e outras organizações, incluindo meios de comunicação de grande alcance, como BBC News, Reuters, The New York Times e outros, já começaram os esforços para fazer isso.

“Além da educação, as pessoas querem saber o que está sendo feito para evitar uma maior propagação do vírus. O Presidente Obama foi recentemente ao Congresso com um pedido de liberação no orçamento de US$ 1,8 bilhão para ajudar os EUA a se preparar para lutar contra esse vírus. Este orçamento vai ser destinado para pesquisar uma vacina ou cura, bem como a formação de preparação para as organizações de saúde, controle do mosquito e muito mais.

“Estas são todas fortes estratégias de liderança com foco na educação do público e na implementação de um plano de ação promissor para gerir o problema do Zika vírus, antes que ele piore ainda mais. Embora estas sejam fortes estratégias de preparação para crises (bem como fortes estratégias de prevenção de crises para mitigar a potencial escalada emocional), estas estratégias irão funcionar apenas para um curto período de tempo. Se o vírus continuar a se espalhar, então o CDC, a Casa Branca e outras organizações governamentais e de saúde pertinentes terão de ser preparadas com mais comunicação de crise e planos proativos de ação.

3- Monitorar a escalada

“Enquanto isso, organizações como o CDC (que potencialmente receberia US$ 828 milhões dos US$ 1,8 bi de financiamento solicitado pelo presidente Obama) precisam monitorar a mídia social - para além da monitorização mais física/tática de hospitais e diagnósticos do vírus em todo o país - para sugestões dessa escalada emocional.

“Quando o Fearbola (pânico sobre a contaminação e extensão do vírus Ebola) começou a se espalhar em 2014, um dos principais e primeiros lugares que pegou fogo foi a mídia social. Pessoas, incluindo figuras públicas predominantes, tais como Donald Trump e outros, foram para as mídias sociais para expressar o seu medo e indignação com o fato de que Ebola voluntariamente estava sendo trazido para o país.

“A mídia social fornece insights sobre os corações e mentes da sociedade de hoje. Se um medo irracional começar a contaminar a crise do Zika vírus, a mídia social seria um dos primeiros lugares para mostrar os sinais de alerta iniciais. Como a detectação precoce é um dos primeiros passos mais importantes na gestão de crises, organizações como o CDC devem empregar recursos para monitoramento das plataformas mais comumente usadas, a fim de assegurar uma resposta proativa apropriada quando necessário. E assim, evitar o pânico.

Dicas de Gestão de Crise: identificar o impacto emocional em todos os tipos de crises

melissa agnes“Como já referi, o Zika vírus ainda não é uma crise na América do Norte, mas é uma questão que tem o potencial de se transformar em uma crise generalizada e emocionalmente impactante. É também um problema grave que não é fácil de lidar, até porque nós ainda não temos todas as respostas para algumas grandes questões sobre o Zika vírus em geral. E enquanto os governos e organizações de saúde estão trabalhando duro para erradicar essa ameaça, é também importante  identificar e mitigar os potenciais fatores de escalada emocional sobre o vírus, que podem de outra forma levar a algumas complicações severas de gestão de crises.

"E isso não se aplica apenas a crises epidêmicas. Há inúmeros outros tipos de crises que representam risco de ter impacto emocional negativo nos seus stakeholders, o que pode, então, ampliar os desafios de gestão de crises que a organização teria que enfrentar. Olhar para a gestão de crises por esse ângulo é um exercício importante que leva a uma preparação ainda mais forte para as crises. Então, com isso, deixe-me sugerir a seguinte pergunta: quais os cenários de crise de sua organização, com o risco de ter um impacto emocional negativo forte em um grande número de seus principais stakeholders?"

A crise brasileira

No Brasil, os números associados ao zika são assustadores. No Ceará, existem 234 casos de microcefalia supostamente ligados ao zika, investigados em 59 cidades. No Piauí, até ontem (9), foram 112 casos de microcefalia, com 5 mortes. O Brasil tem 3.670 casos de microcefalia desde o início da atual epidemia de zika, mas destes, 709 foram descartados de associação com vírus. Quanto aos casos de zika vírus, embora notificados sejam 3 a 4 mil casos, os médicos reconhecem que 10 mil pessoas podem estar contaminadas, decorrente da subnotificação. O presidente da Colômbia anunciou semana passada que existem 3.100 mulheres no país contaminadas pelo zika vírus. Há uma maior incidência nos países do Hemisfério Sul, por causa do calor, e neste caso a América do Sul e Central são as regiões mais afetadas.

A crítica feita por especialistas, médicos e doentes sobre o zika vírus em relação ao Brasil é que o governo desde o ano passado sabia que os casos tinham aumentado, mas só começou a se mexer após o alarme dado pelas próprias mães ou por médicos que denunciaram uma alta incidência de microcefalia no Nordeste. O governo estava preocupado com o impeachment, com as brigas com Eduardo Cunha, e havia uma crise grave sendo gestada nos grotões do Nordeste, disseminada pelo mosquito, e o governo não sabia de nada.  

A exemplo de outros acidentes ou catástrofes, que redundaram em crises graves, quando o governo descobre, a crise já está instalada; então, é uma correria para tirar o atraso. No caso do Zika, a gravidade só foi percebida quando o Aedes aegypti acentuou a incidência de dengue; médicos, hospitais e pacientes deram o alarme. O combate ao mosquito do Aedes aegypti deveria ser uma prioridade, porque todo o ano milhares de pessoas contraem a dengue; agora se sabe, outras doenças como o zika vírus e a febre cincungunha vêm do mesmo mosquito. Tardiamente, sempre constatamos que o governo não tem políticas sistematizadas de prevenção ou de combate ao mosquito da dengue, que repetidamente vem e volta, principalmente no verão.

Ainda vai se escrever e falar muito sobre como o governo falhou em administrar essa crise. Infelizmente, mais um fato grave que mancha nossa imagem no exterior. Alguns atletas olímpicos, como a goleira da equipe feminina de futebol dos EUA, disse sem rodeios que “se fosse hoje, não iria” ao Brasil. Com medo do zika vírus.

(1) Especialistas ouvidos pela imprensa asseguram que uma vacina que possa produzir efetividade, entre testes e comprovação de eficiência, levaria de dois a três anos para ser produzida. A agência regulatória de medicamentos da União Europeia disse na segunda-feira (8) que estabeleceu uma força-tarefa de especialistas em Zika para aconselhar companhias na criação de vacinas e remédios contra o vírus. Diversas empresas farmacêuticas e de biotecnologia estão também correndo para desenvolver a vacina para o zika, incluindo a francesa Sanofi, que já tem uma vacina para condições similares de dengue. O Brasil, por meio da Fiocruz vai pelo mesmo caminho.

*Melissa Agnes é palestrante internacional de Gestão de Crises e Consultora no Canadá. Presidente da empresa de crisis management Agnes + Day. Nos últimos anos, Melissa desenvolveu uma reputação mundial em gestão de crise, planejando e treinando empresas e agências de governo para  prevenir e gerenciar ameaças ou crises. Ela é também editora do The Crisis Intelligence Blog e hospeda o The Crisis Intelligence Podcast.

Tradução: João Paulo Forni. Edição: João José Forni.

Fotos: Mosquito: The Guardian; Mapa do Zika Vírus: New York Times. Melissa Agnes no TED: divulgação site.

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