Volkswagen crise boa fotoEscândalos como o vazamento da British Petroleum, nos EUA, o da carne de cavalo, na Europa, o da Petrobras, a tragédia da mineradora Samarco em MG e as recentes revelações sobre a Volkswagen levantam sérias questões sobre como se assegurar que as empresas não repitam os mesmos erros.

“Quando foi revelado que a VW tinha fraudado os testes de emissões, as pessoas ficaram chocadas. A fabricante de automóveis que havia se autodenominado campeã da responsabilidade social das empresas e tecnologias limpas, de repente não parecia tão ética."

“Acontece que esta não é a primeira vez que a VW fraudou os testes de emissões. Já em 1973, a VW tinha dispositivos manipuladores de montagem para carros. A empresa foi processada pela EPA (Environmental Protection Agency) órgão do governo americano, que regulamenta ações relativas ao meio ambiente, e eventualmente resolveu a pendência fora do tribunal, com uma multa de 120 mil dólares. Então, por que a VW não aprendeu a lição?”

Assim o professor André Spicer (1), da City University London, analisa, no artigo "VW and the toxic problem of corporate amnesia", publicado no jornal britânico The Guardian, as decisões ou os erros absurdos das corporações, que provocam crises corporativas, como aconteceu recentemente com a alemã Volkswagen. E como, nesse momento o Brasil vivencia com a tragédia envolvendo a mineradora Samarco, em Mariana, para ficar com a mais recente.

“Muitas empresas prontamente esquecem as lições caras que elas aprendem na sequência de atos graves de irresponsabilidade. Isto foi o que aconteceu na indústria têxtil de Bangladesh, no período que antecedeu o colapso do prédio da indústria Rana Plaza em 2013, que matou 1.134 pessoas, apesar de vários problemas da fábrica e de um incêndio em outra unidade em anos anteriores. Foi o bastante para o mercado internacional descobrir que grandes e poderosos magazines (com sedes em países desenvolvidos) eram culpadas também da tragédia que dizimou trabalhadores em Bangladesh.” É bom lembrar que não existem mais crises locais. Todas as crises são globais.

Segundo André Spicer, “no passado, as empresas prolongavam os processos para evitar assumir a responsabilidade por irregularidades. A VW pode até ter pago uma multa em 1973, mas a empresa não admitiu qualquer responsabilidade. Uma coisa semelhante aconteceu na sequência da crise financeira. Quando os chefes dos maiores bancos foram chamados para se explicar ao comitê especial do Tesouro, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa, eles manifestaram profundo pesar pelo infeliz desenrolar dos eventos. Nenhum deles aceitou a responsabilidade.”

“As empresas, mais recentemente, começaram a admitir culpa e pedir perdão. O ex-CEO da VW, Martin Winterkorn, por exemplo, pediu desculpas e anunciou medidas para colocar as coisas no devido lugar. Isso não salvou Winterkorn, mas é considerada a melhor prática por especialistas em relações públicas e de gestão de crises.”

Fazendo as coisas de maneira diferente

“Pedir desculpas e dizer que você irá fazer algo é uma coisa, aprender com os erros e irregularidades é outra completamente diferente”, diz Andre Spicer.

Segundo o articulista, seus colegas e ele mesmo “estavam intrigados com esta amnésia corporativa”. Queriam saber por que as empresas em muitas indústrias são tão ruins em aprender a partir de más práticas do passado. “Como nós começamos a olhar mais profundamente algumas crises corporativas, percebemos que quando ocorre uma crise há um padrão claro de resposta.”

“Para começar, as empresas esquivam-se e jogam a crise para baixo do tapete. Elas fazem isso, alegando que o dano que a crise tem causado não é tão ruim. Em seguida, elas transferem a culpa para um indivíduo ou um pequeno grupo de pessoas. A Volkswagen é um caso típico - a montadora começou colocando a culpa por uma falha coletiva sobre os ombros de apenas quatro pessoas, o CEO e três chefes de divisão. Finalmente, eles tentam desviar a atenção do escândalo para outro problema.”

“Notamos também que as empresas muitas vezes esquecem de crises graves, como o escândalo da carne de cavalo (Europa, 2013) e os lucros inflados da Toshiba (Japão, 2014) a uma velocidade surpreendentemente rápida. Três a seis meses depois de uma crise, geralmente não há quase nenhuma discussão pública sobre o que uma vez foram questões candentes e polêmicas. Após o início de uma fúria pública, ela passa, as empresas aparentemente esquecem seus próprios delitos. Eles se livram das pessoas que podem lembrar-lhes o que deu errado. Se eles não demitirem as pessoas, eles tentam amordaçá-las com acordos judiciais. A terceira tática comum é deixar de lado ("congelar") pessoas que sabiam muito, colocando-as em papéis secundários”, diz Spicer.

Para o autor do artigo “Existe o perigo de que isso ocorra na VW. Já vimos "limpos" que não estavam vinculados à crise das emissões substituindo aqueles que tinham conexão com essa crise. Enquanto muitas vezes é vital remover o CEO, o resultado final de se livrar de todos os envolvidos é que as pessoas que aprenderam lições dolorosas não estão em torno, para lembrar os outros empregados para não cometerem os mesmos erros novamente”.

Amnésia corporativa

André Spicer diz que “uma vez que a crise tenha passado, as empresas tentam garantir que ela seja apagada da memória de longo prazo das pessoas. Artefatos materiais, tais como falhas tecnológicas e traços de um prédio desmoronado são eliminados, documentos são triturados ou o acesso dificultado; e histórias da mídia são abafadas com atualizações de conteúdo on-line.

O autor lembra que “na sequência de um dos maiores vazamentos de petróleo da história dos EUA em San Luis Obispo, na Califórnia, em 1995, a Unocal - empresa petrolífera norte-americana já extinta, posteriormente adquirida pela Chevron Corporation – escondeu o fato. Os funcionários mentiram repetidamente em público sobre o assunto e uma cultura de silêncio baixou em torno do vazamento, dentro da empresa. Como resultado, 75 milhões de litros de gasolina continuaram a infiltrar-se em dunas de areia locais, sujar a água subterrânea e da praia. A Unocal, finalmente, só começou a falar sobre o derramamento depois que um denunciante vazou o problema, na década de 1990”.

Esse desastre foi tão grave que até hoje existem ações do governo da Califórnia para limpeza das dunas que foram contaminadas e de moradores que acionam a sucessora da Unocal em milhões de dólares.

"Esqueça que os escândalos corporativos são uma faca de dois gumes", diz Spicer. Por um lado, colocando a ilegalidade em segundo plano, isso ajuda uma empresa a seguir em frente. Por exemplo, a BP (British Petroleum) queria seguir em frente, a partir do vazamento de petróleo no Golfo do México, não só porque a interrupção é uma perda de recursos corporativos, mas também porque a paralisação continuaria a prejudicar a reputação da empresa.

Uma executiva da BP disse ao autor do artigo que, na sequência do vazamento (ocorrido em 2010), ela não contava às pessoas com quem ela encontrava, para quem ela havia trabalhado, porque ela ficava muito  envergonhada. Agora as coisas parecem ter mudado devido à passagem do tempo e os empregados da BP já manuseiam seus cartões de visita com mais tranquilidade.

“Mas quando as empresas falham em lembrar seus erros passados, há um perigo muito real de que elas acabem repetindo o mesmo comportamento ruim. Isto é o que aconteceu na VW”, diz André Spicer.

Próximos passos

“Quando confrontados com uma crise corporativa em larga escala, as empresas precisam mostrar que elas estão fazendo algo substantivo. Após a explosão da plataforma de petróleo Piper Alpha, em 1988(2), as empresas que operam no setor de petróleo tomaram medidas concretas para melhorar a segurança dos trabalhadores e mostraram que elas estavam levando a sério as questões de segurança.

“As empresas também precisam garantir que preservam a memória do que deu errado. Isso é difícil porque as pessoas querem, naturalmente, distanciar-se. Mas o esquecimento acaba dificultando aprender com os erros. Isso significa evitar a reação instintiva de fazer um esvaziamento simbólico da empresa, segundo o artigo do The Guardian.

“As empresas também precisam se lembrar do que deu errado. Estas podem ser histórias de delitos ou mesmo provas do que desencadeou a crise. O fabricante de roupas dos EUA, Gore-Tex, por exemplo, ritualmente comemora com champanhe projetos em que falhou. A ideia é que, ao comemorar o fracasso com um brinde, esse ato iria ajudar as pessoas a aprender com ele.

Outras empresas procuram assegurar que os recém-chegados sejam informados sobre as ocasiões em que as coisas deram errado desastrosamente. Por exemplo, há muitas lembranças da explosão do ônibus espacial Challenger, na Nasa. Uma crise grave, com visibilidade mundial, de um megaprojeto, e que foi bem administrada pela Nasa e pelo governo americano. Os engenheiros que trabalham com a agência são frequentemente reciclados sobre o fracasso, como um estudo de caso do que pode dar errado. Este é um poderoso lembrete para os funcionários de como não fazer no futuro. Ou de como uma pequenina peça, como aconteceu com a Challenger, pode jogar no Oceano um projeto de anos de trabalho e que custou milhões de dólares.

(1) André Spicer é professor de comportamento organizacional da Cass Business School, da City University London.

(2) Piper Alpha foi uma plataforma de petróleo no Mar do Norte, operada pela Occidental Petroleum (Caledonia) Ltd. A plataforma começou a produzir em 1976, primeiro como uma unidade de produção de petróleo e então foi convertida para produção de gás. Uma explosão de petróleo e gás, seguida de incêndio, destruiu as instalações em 6/7/1988, matando 167 homens. Houve somente 61 sobreviventes. O prejuízo foi de US$ 3.4 bilhões. Quando do desastre, a plataforma respondia por aproximadamente 10% da produção de gás e petróleo do Mar do Norte. O acidente foi o pior desastre em plataformas de petróleo “offshore” em termos de perdas de vida e impacto industrial.

Tradução: João Paulo Forni. Edição: João José Forni

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