greves como criseO Brasil vive uma epidemia de greves. Os servidores do INSS ficaram parados três meses, sem que o governo desse qualquer sinal de solução, como se os 15 milhões de atendimentos, que deixaram de ser feitos, não tivessem nenhuma importância. Voltaram os servidores, mas os peritos se mantêm parados. Ou seja, o atendimento continua capenga.

As universidades públicas também estão paradas há mais de três e algumas há quatro meses, e ninguém sabe o que acontece nos bastidores. É como se fossem entidades fantasmas, que não fazem parte da vida dos brasileiros. Naturalmente, os empregados pouco se importam, porque no fim do mês, religiosamente, os salários são depositados na conta. Pobres alunos que precisam de documentos, de aulas, de diplomas. Lá vamos nós, afundando no ranking das melhores universidades do mundo, como aconteceu com as top USP, Unicamp, UFRJ e outras, que caíram de patamar no Times Higher Education (ranking internacional das melhores universidades), ficando abaixo das 250 melhores.

Vez ou outra a mídia lembra ao país que uma universidade está parada, como hoje (quinta-feira), quando universitários da UFPE, que haviam invadido a Reitoria, foram tirados pela polícia se queixando de violência.

O instituto da greve, um direito dos trabalhadores, foi desmoralizado nos últimos anos, principalmente porque as paralisações afrontam os clientes, os acionistas, o contribuinte e até a Justiça. As entidades sindicais e em alguns casos os próprios grevistas não respeitam as normas exigidas para serviços essenciais, como saúde, educação, transporte. Não colocam a cota mínima de empregados e atendimento exigidos por lei para serviços essenciais.

A falta de rigor no cumprimento dessa lei chegou ao ponto de há alguns anos em Brasília ocorrer uma greve no transporte coletivo que tinha apoio dos empresários e dos empregados. Uniram-se para fazer pressão por aumento das passagens. Todos pressionavam o governo. Naturalmente, ao gerar um impasse, o movimento acaba sendo uma afronta contra a maioria da população que usa transporte coletivo. Ainda em Brasília, há dois meses os rodoviários resolveram interromper os serviços sem avisar a população, num flagrante desrespeito à Lei e num desrespeito aos usuários. E o que aconteceu contra o sindicato ou os responsáveis? Nada.

Não é demais repetir essa história. Ano passado, os ferroviários da Alemanha resolveram fazer uma greve, com várias reivindicações, inclusive salário. A paralisação foi prevista para 22 e 23 de novembro de 2014, sábado e domingo. Por quê? Avisada com ampla antecedência, a greve foi realizada no fim de semana para não prejudicar os usuários.

Em muitos casos, os sindicatos fazem os consumidores reféns de movimentos que ao fim e ao cabo não são greves. Eles mesmo perdem o controle do incêndio que provocaram e não conseguem interromper a greve. Greve supõe uma decisão extrema, para confrontar o patrão, e pressioná-lo a negociar. Supõe faltar ao trabalho e se sujeitar ao risco de ter o dia perdido. Por isso, nos países desenvolvidos as greves duram poucos dias, com raríssimas exceções.

Mas no Brasil, a primeira coisa que os grevistas reivindicam, após dias ou meses de interrupção do serviço, é o pagamento dos dias parados. Em alguns casos, os sindicatos impõem como condição para a volta, o pagamento dos dias parados.

Por que as greves se reduziram

O colunista de economia da Agência Bloomberg, Jordan Yadoo, publicou um artigo esta semana no site da Agência, fazendo uma breve análise do fenômeno das greves nos Estados Unidos, um país onde os sindicatos têm uma força política inigualável. O que chama a atenção no artigo é um gráfico apresentado, demonstrando que de 1947 a 1975, portanto logo após a II Guerra Mundial, quando os EUA começaram a se tornar uma potencia mundial, aconteceram entre 250 a 470 greves anuais, em empresas com 1.000 empregados ou mais.

A partir de 1978, quando houve 300 greves, os números começaram a decrescer, a ponto de, entre 1985 e 2014, durante 30 anos, a média de greves anuais ter decrescido para 40 (entre 1985 e 2000) e, caindo ainda mais, para uma média abaixo de 20, entre 2002 e 2014.

O que aconteceu com os sindicatos ou a economia americana nesse período para mudança tão radical?

O cenário sindical americano

greves caem nos eua

 

A influência dos sindicatos nos EUA vai do chão de fábrica, aos transportes, passando até mesmo pelas redações. As filiações a sindicatos registram uma baixa histórica. Os sindicatos americanos remontam ao fim dos anos 1800 e foram organizados para reivindicar melhores salários, benefícios e condições de emprego, numa época em que a legislação era frouxa e os direitos não existiam.

Os pesquisadores têm discutido o impacto social e econômico dos sindicatos nas relações de trabalho. A pergunta é, se eles aprimoram ou emperram a produtividade? Qual a contribuição efetiva para o mercado de trabalho? A partir de 2008, com a crise econômica e mesmo antes, quando a economia americana começava a patinar, principalmente pela estagnação dos salários e a crescente desigualdade de renda, esse debate foi intensificado, segundo Jordan Yadoo.

Em 2014, segundo o artigo, 11% dos trabalhadores assalariados dos EUA pertenciam a um sindicato. A metade do índice registrado em 1983. A taxa de filiação sindical também registra baixa, nos EUA, quando comparados com países semelhantes. Em 31 países da OCDE, em 2012, os americanos estavam em 27º lugar no índice de filiação sindical.

Um dos fatores que contribuiu para reduzir os filiados foi a chamada “right-to-work” que proíbe qualquer obrigatoriedade de empregados pagar taxas ou mensalidades sindicais. Pelo menos metade dos estados americanos estão sob esse regime, alguns com grande concentração de mão de obra.

Mesmo no setor público com uma taxa de adesão maior, de 36%, os sindicatos enfrentam resistência de empregados em concordar em pagar mensalidades, cortar pensões ou planos de saúde. Mesmo toda essa tendência não tira a força política dos sindicatos americanos. Mas a sociedade americana tem reagido de maneira negativa contra paralisações que se prolongam e prejudicam a economia. Uma delas no sistema de transporte de cargas nos portos da Costa Oeste, em 2014 e 2015, com negociações que se arrastaram por nove meses e prejudicaram indústrias e pequenos comerciantes. 29 portos, de San Diego à Seattle foram atingidos pelos efeitos dessa greve.

O trabalho mudou e as relações também

Segundo o articulista, “a tecnologia de produção em massa transformou os locais de trabalho nos EUA, alargando o fosso de poder entre trabalho e gestão e incentivando os trabalhadores a unificar os movimentos por menos hora de trabalho; por locais mais seguros e salários mais elevados”. Em algumas áreas, como siderúrgicas, minas de carvão e ferrovias, as greves se transformaram em tumultos sangrentos, com poucos ganhos efetivos para os trabalhadores.

Quando os EUA saíram da grande depressão, os sindicatos cresceram em força e número, junto com a economia. Em 1955, houve a fusão de duas grandes corporações sindicais, quando mais de um em cada três trabalhadores americanos tinham empregos sindicais. Foi nesse ano também que os Estados Unidos começaram a apertar o cerco contra as greves: o Congresso tornou as greves passíveis de multas e os responsáveis a até um ano de prisão.

Na década de 1980, com a economia dos EUA já passando da manufatura para o setor de serviços, os sindicatos foram gradualmente perdendo terreno. As campanhas de adesão sofreram um duro golpe em 1981, depois que o presidente Ronald Reagan mandou demitir mais de 11 mil controladores de tráfego aéreo, por violação às leis federais, durante uma greve que afetou todo o transporte aéreo do país. Um juiz federal fixou uma multa de US$ 1 milhão por dia para o sindicato, se não voltassem ao trabalho.

Daí em diante, como mostram as estatísticas, houve um sensível declínio das greves. Entre 1970 e 1980, havia uma média de 280 interrupções de trabalho por ano nos EUA, em empresas com 1.000 empregados ou mais. Em 2014, houve apenas 11 greves.

As vantagens (ou críticas) da sindicalização

sindicatos caem nos eua

 

Ainda segundo o artigo, os trabalhadores sindicalizados nos EUA recebem US$ 200 de salário a mais por semana, em média, do que os não sindicalizados; e têm melhor remuneração na aposentadoria e seguros de saúde. Estudos realizados nos EUA indicam que os sindicatos também ajudam a aumentar a remuneração dos trabalhadores não sindicalizados, ao fixar um teto para a remuneração.

Isso tem levado alguns economistas a associar a estagnação dos salários atuais, com crescimento da desigualdade de renda, ao declínio no número de empregados sindicalizados. Os críticos da sindicalização dizem que os salários inflacionados de sindicalistas só são mantidos à custa de menos emprego e acham as pensões e benefícios de empregados sindicalizados do setor público exagerados, por terem drenado orçamentos estaduais. Eles dizem que aumentos à base de tempo de serviço e regras de trabalho muitas vezes descritas nos contratos sindicais dificultam estabelecer metas de produtividade e lucro, além de proteger empregados incompetentes.

O artigo da Bloomberg encerra com uma história ocorrida em 2014, nos EUA, quando um juiz da Califórnia decidiu que a “estabilidade no cargo”, negociada pelos sindicatos durante uma greve, era inconstitucional, uma vez que se tornaria impossível despedir professores com baixa performance, assim privando os alunos do direito à educação.

Esse dilema ocorre no Brasil, em muitas negociações. Na verdade, em grande parte das empresas públicas há uma “estabilidade tácita”, mais ou menos como “eu cumpro meus deveres e você não mexe comigo”. Muitas empresas, tanto públicas quanto privadas, mesmo em situações de crise financeira, carregam uma folha de pagamentos bastante pesada, mas não demitem para não desagradar o governo federal. E assim, sem adotar um ato de gestão, que realmente é muito difícil, mas por vezes necessário, acaba descapitalizada, com empregados desmotivados, e sem meta para alcançar. O resultado perverso dessa equação quase sempre, quando se trata de empresas públicas, é buscar socorro no próprio governo; ou o inevitável desemprego, exatamente o mal contra o qual os sindicatos lutam todos os dias.

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