entrevista confusaNos últimos dias, aumentaram as críticas ao governo sobre a dificuldade de se comunicar, evidenciada nas declarações precipitadas e até controversas de vários interlocutores sobre os maiores desafios do momento para tirar o país da crise: reformas trabalhista, previdenciária e política; o ajuste fiscal e o aumento de servidores públicos.

Não há dúvida. Cada vez mais os problemas dos governos e das grandes organizações são problemas de comunicação. E não é um dilema restrito ao nosso país. David Cameron, recentemente, ao implodir a sua carreira política, apostando num plebiscito que expeliu o Reino Unido da União Europeia, reconheceu: não conseguiu construir uma narrativa convincente para o público mais conservador e refratário a mudanças, responsável por votar em massa na saída do Reino Unido. O problema, portanto, foi principalmente de comunicação.

A equipe interina do governo passou quase quatro meses se justificando e esperando o desenlace do impeachment para assumir de vez o país. Convenhamos, o cenário anterior, com barganhas e chantagens de senadores, a pressão dos grupelhos que se locupletaram do poder, nos últimos anos, além das ameaças de Dilma e cia, não era o melhor dos mundos para adotar medidas de impacto e provocar quem estava na iminência de ser apeado do poder. Até porque o governo tinha pruridos para agir com mais desenvoltura, pelo caráter da interinidade.

Mas agora isso passou. Queira Lula e os áulicos que o seguem, pilotados pela corte dos artistas de esquerda, como Wagner Moura, que dizem não reconhecer como legítimo o governo atual, ou não, isso agora são águas passadas. Quem perdeu, precisa construir um novo discurso, para tentar salvar o que restou do período de terra arrasada dos últimos anos, de um governo sem rumo. Apostar no quanto pior, melhor, é uma alternativa antipatriótica, mas esperada para quem conhece os métodos do PT. Os que se sentem atingidos pelo impeachment, entretanto, sabem: terão que aturar Temer e cia. até 2018. Mas nem isso justifica os tropeços de comunicação do governo.

Mesmo antes do impeachment se consumar, pelo menos três ou quatro ministros se alternavam em declarações sobre os mesmos temas, numa proliferação de porta-vozes que mais confundia do que esclarecia. Como Moreira Franco, que incorporou o espírito de 1º ministro; ou Eliseu Padilha, que fala demais e mete a colher em todos os assuntos; até Geddel V. Lima, da secretaria de governo, entre tantos que dão palpites sobre temas que preocupam os brasileiros neste momento, da economia à saúde, passando por infraestrutura e política. A mídia, na falta de um discurso coerente e unificado, repercute cada declaração, principalmente porque muitas vezes uma não combina com a outra. Quando não se sabe o caminho, diz o provérbio, para qualquer lado que se escolha seguir pode ser uma opção. O problema é não se chegar a lugar nenhum.

Unificar a Comunicação

O governo já percebeu que a comunicação tornou-se um problema. Não existe política de comunicação e não se sabe quem realmente fala pelo governo fora o presidente. Talvez não tenha havido tempo para formulá-la. Mas está na hora. O jornalista João Domingos diz em artigo no “O Estado de S. Paulo”: “Construir uma boa comunicação de governo é difícil... e não adianta destinar milhões e milhões de verbas de publicidade para tentar melhorar a imagem do governo se o próprio governo faz atos de sabotagem contra si mesmo, a partir de disputas internas, brigas, fofocas, declarações sem sentido de um ou mais ministros...”

Temer pode estar incorrendo no mesmo erro do governo Dilma. Um dos porta-vozes de Dilma pediu demissão no início do segundo mandato, chamando a comunicação do governo de “errática”. Além da dificuldade natural da ex-presidente para interagir com jornalistas e com a própria assessoria. Deu no que deu. Dilma não caiu só pelas pedaladas. Caiu também pela falta de comunicação do seu governo nos dois últimos anos. Ela não se comunicava nem com o Congresso, nem com o Judiciário e muito menos com os brasileiros.

O Palácio do Planalto precisa colocar um xerife no comando da Comunicação. Ele deve enquadrar os ministros num regime de contenção de danos na comunicação, fazendo com que só falem sobre a própria pasta. Temas institucionais mais complexos e explosivos, como reforma da previdência, reforma política e ajuste fiscal só devem ser conduzidos pelos respectivos ministros ou via esse porta-voz do Planalto, que Temer procura. Num discurso afinado. O erro do ministro do Trabalho, seduzido pelos microfones e holofotes, foi anunciar mudança na jornada de trabalho sem acertar com o Planalto, o que provocou um estrago que levará meses para ser consertado. Este é apenas um exemplo de que a comunicação precisa de um freio de arrumação.

Comunicação mexe com o emocional

O colunista e escritor Carmine Gallo, em excelente artigo na revista Forbes, (Three Communication Fails That Triggered The Brexit Vote), comentou por que Cameron e outros líderes fracassaram no discurso para defender a permanência do Reino Unido na União Europeia, mesmo sendo favoritos. Ele elegeu pelo menos três grande erros na tentativa de se comunicarem.

Cameron e outros políticos que defendiam a permanência na União Europeia perderam o discurso emocional, arrebatado pelo prefeito de Londres Boris Johnson, porta-voz do Brexit. “Eu sinto que nós estamos perdendo nosso país”, dizia um britânico de 50 anos, ex-operário, partidário do “Leave” (o movimento para o Reino Unido sair da União Europeia). Segundo Gallo, Johnson estudou retórica, tema que usou ao escrever um livro sobre a habilidade de Churchill em se comunicar.

Para Gallo, apesar de Johnson ser um líder controverso, ele entende a linguagem da paixão e usa a emoção para persuadir as pessoas a aderirem a seus argumentos. “Para liderar as pessoas, você precisa se conectar com elas numa via profunda e emocional”, diz Boris Johnson. Na cabeça daquele operário, milhares de imigrantes chegando ao Reino Unido significam menos emprego e ameaça ao futuro do país. E isso não é economia; é emoção.

Falha numa mensagem simples

Em entrevista concedida a Gallo, antes do Brexit, Johnson explicou como as palavras precisam ser simples. “É importante falar às pessoas com palavras curtas, compreensíveis e livres de discurso difícil e rebuscado”. Os interlocutores do “Remain” (que defendiam a permanência do Reino Unido na UE) teriam complicado o argumento. E, por isso, fracassado.

Artigo publicado na Harvard Business Review diz que os defensores do “Remain” cometeram o erro retórico de enfatizar a eficiência econômica como mote para convencer os britânicos a votar “sim” pela permanência. Num ambiente pautado pela emoção, esse argumento baseado em premissas comerciais não obteve receptividade e se dissolveu na discussão. A emoção continuou sendo mais forte do que a razão. Se os jovens aderiram ao discurso prático de um Continente único, onde a circulação é livre, sem fronteiras, a geração mais antiga se encarregou de derrubar, ainda que por pequena margem, essa tese. O que seria o segundo erro.

A terceira falha de comunicação dos mentores do “Remain”, segundo o autor, foi segurar a história o tempo todo. Gallo, que trabalha com o tema liderança, diz aos líderes que se eles não mantiverem sua história ao longo do tempo de forma consistente, alguém e até mesmo a própria pessoa não gostará da versão.

Ele fez referência a um artigo publicado na revista The Economist, que observa: os “Leavers” (os que pregavam a saída da UE) provocaram mais entusiasmo com sua posição. “E esta foi a maior falha de Cameron. Por não ter evidenciado, em mais de uma década de liderança do partido, quaisquer sentimentos positivos sobre a permanência da Grã-Bretanha na UE. O discurso pecava pela falta de consistência; era negativo, apenas na premissa de que o Brexit seria prejudicial, causaria danos ao Reino Unido. Muito pouco para neutralizar o descontentamento de boa parcela da população".

Gallo conclui dizendo que “A grande lição da votação do Brexit para todos os líderes empresariais e políticos é nunca subestimar o poder das palavras, da narrativa e da comunicação para convencer as pessoas da força de suas ideias”.

O autor acrescenta ainda: “Eu não tomo posições políticas em minha coluna. Analiso comunicação. A única posição que eu assumo é do lado da liberdade de expressão e da liberdade das pessoas para escolher entre as ideias concorrentes. Se você não gosta da posição de alguém, como Aristóteles uma vez advertiu, então compete a você construir um argumento mais forte, mais atraente através de uma combinação de pathos (emoção) e logos (lógica). Lembre-se, você pode ter a maior ideia do mundo, mas se você não consegue convencer as pessoas o suficiente para comprar essa ideia, você poderia estar muito longe de ter repercussão ou receptividade."

O dilema de Temer

O governo Temer precisa definir se vai ficar em cima do muro, ora defendendo cortes, ora badalando o Congresso ou certos segmentos do funcionalismo público que quer aproveitar esse momento de instabilidade para aumentar benefícios com o dinheiro do contribuinte, num momento em que todos os brasileiros apertam o cinto. Ainda que sejam medidas duras, o governo deve adotar o discurso da responsabilidade. Se a comunicação precisa ser clara e convincente, como diz o colunista Carmine Gallo, até agora o atual governo não encontrou o caminho.

“Dizer que o País está gerando emprego só tem sentido se de fato estiver gerando muito emprego”, diz o jornalista João Domingos, no “Estadão”. Como a primeira batalha da comunicação foi perdida, permitindo o crescimento do discurso do golpe e a proliferação de manifestações contestatórias, com forte apelo popular, agora são necessários fatos marcantes, impactantes para que o governo realmente assuma o controle da comunicação.

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